[Archport] A Arca de Noe

["fvcastro" <fvcastro@tamu.edu>]

Já sei que o meu comentário sobre a estupidez do projecto da Arca de Noe incomodou algumas pessoas aqui na lista.  Eu acho que este assunto merece outro comentário por uma razão muito simples.

 

Em Portugal ainda não passa pela cabeça dos políticos pedir aos arqueólogos (ou outros cientistas a trabalhar com subsídios do Estado) que justifiquem o seu trabalho em termos compreensíveis pelo publico em geral.  Quero dizer: o mérito do trabalho dos cientistas é avaliado em Portugal por outros cientistas, que se pronunciam em relação à atribuição de bolsas, continuação de projectos, etc.

 

Mas a tendência geral no mundo é de politizar a atribuição de subsídios a cientistas, e os portugueses deviam começar já a pensar neste problema.  Portugal tem uma tradição corporativa muito grande, mas também tem uma comunidade de cristãos evangélicos a crescer muito rapidamente, e eu acho que daqui a uns anos (poucos) vai haver um lobby Creacionista em Portugal como há aqui nos EUA.  Cada vez que vou ai vejo mais carros com o autocolante do peixinho dos evangélicos.

 

Se não formos já muito enérgicos na defesa publica da racionalidade e no ataque publico a estes projectos imbecis, vamos ter de nos bater contra políticos que acreditam no Pai Natal.  Esta é a realidade.  Gostemos ou não.

 

Os que lutámos nos anos noventa contra a caça ao tesouro em Portugal já tivemos oportunidade de ver uma amostra do que é a politização da ciência e a dificuldade enorme de ter de explicar a relevância da arqueologia náutica a um troglodita – neste caso o Santana Lopes – e às assessoras dele (cheias de pulseiras e brincos e anéis), perante um governo e um Parlamento para quem a arqueologia não esta nas primeiras mil prioridades.

 

A era Reagan obrigou muitos cientistas a gastar quantidades enormes de tempo e dinheiro para justificar a relevância do estudo da Teoria da Evolução das Espécies a senadores e congressistas que não sabem a diferença entre uma teoria e uma Teoria.  Agora a era Bush trouxe listas negras de cientistas (os perigosos “secular humanists”) que há dois anos circulam aqui: no governo, no congresso e no senado.  Não sei porque é que Portugal há-de ser diferente.

 

Filipe Castro