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[Archport] RE: Caso do leilão


•   To: archport@list-serv.ci.uc.pt
•   Subject: [Archport] RE: Caso do leilão
•   From: "Paulo Monteiro" <paulo_monteiro@hotmail.com>
•   Date: Sat, 05 Jun 2004 15:49:31 +0000

"E lá foi leiloado o património da Ilha de Moçambique.

Na minha qualidade de arqueólogo lamento o facto. Lamentam-no igualmente todos os meus colegas arqueólogos Moçambicanos. Lamenta o povo da Ilha, indignado pelos seus tesouros terem ido parar às colecções de meia dúzia de capitalistas diletantes.

Em Novembro de 1997 encontrava-me a trabalhar na Ilha de Moçambique, num projecto financiado pela cooperação Sueca (ASDI), juntamente com um biólogo do Museu de História Natural, o José Rosado, num mergulho, mesmo em frente à fortaleza da ilha, a cerca de 20 m de profundidade encontrámos um conjunto de jarrões enterrados na areia e uma grande âncora, em direcção à superfície pelo declive acima uma profusa quantidade de vestígios arqueológicos misturavam-se com corais e peixes num magnifico espectáculo que se ia proporcionando em direcção à plataforma de coral, mesmo em frente à fortaleza da Ilha, onde repousavam as pedras de lastro e o resto do casco de uma antiga nau portuguesa. Estava descoberto o naufrágio cujo espólio agora foi leiloado pela Christie´s em Amesterdão.

Em Fevereiro de 1998 com a ajuda dos arqueólogos Steve Lubkmen e David Colin do Serviço Nacional de Parques dos Estados Unidos iniciei o estudo deste importante naufrágio com grande entusiasmo. Numa primeira campanha de 15 dias fizemos um reconhecimento do local e o levantamento da zona dos jarrões. Os resultados foram apresentados numa conferência no centro cultural Americano em Maputo. Um dos jarrões foi retirado e depositado no museu da Marinha da Ilha de Moçambique. Sobre este assunto foi feito na altura um documentário para a televisão Moçambicana (TVM) pela saudosa jornalista Teresa Sá Nogueira.

Os trabalhos estavam devidamente autorizados por uma licença da Direcção Nacional do Património Cultural. Programávamos um importante projecto de pesquisa da Universidade no local. Mas este entusiasmo foi ?sol de pouca duração?: no mesmo ano o Governo assina um contrato de exploração comercial de achados arqueológicos com a empresa Arqueonautas, precisamente para a zona onde estávamos a trabalhar. E assim traçou o destino dos restos da nau portuguesa que durante séculos tinha sido conservada no fundo do mar e cujo espólio foi agora parar às colecções privadas de meia dúzia de ricaços na Europa.

No meio de toda esta tristeza que nem vale a pena discutir, somente deixo um comentário e uma pergunta:

O comentário:

Foi a primeira vez que objectos de um Monumento do Património Cultural da Humanidade foram vendidos em hasta pública !! Isto perante a passividade da UNESCO !! Como é possível?

A pergunta:

Como autoriza o Governo a venda de objectos de uma estação arqueológica quando a lei nº 10/88 de 22 de Dezembro no seu artigo 10 considera ?Estações e objectos arqueológicos? propriedade inalienável do Estado ?

A empresa Arqueonautas cometeu assim uma infração flagrante à lei. Qquem vai fazer justiça, quem vai zelar pelo cumprimento da lei neste caso?

Ricardo Teixeira Duarte, arqueólogo moçambicano."

In Jornal A Savana, 4 de Junho de 2004

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