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Mandei esta carta ao director do Jornal:
“Em relação à vossa notícia “Câmara paga 8500 euros pelo acompanhamento de arqueólogos” julgo que valia a pena explicarem aos cidadãos que se não fosse a arqueologia ninguém, jamais, meteria os pés em Évora. Nem um turista! Ninguém se mete ao caminho para ver uma reboleira qualquer, sem história, nem carácter, nem património, nem memórias.
E é pena que não tenham informado os vossos leitores de que embora os 8.500 Euros pudessem, de facto, ter sido gastos pela Câmara Municipal em coisas mais úteis do ponto de vista do presidente e dos vereadores – no clube de futebol local ou numa jantarada qualquer – as sociedades não podem sobreviver sem passado, sem monumentos, sem património e sem cultura. Os 8.500 Euros são o preço da civilização. Já pensou como e que se constrói uma democracia num pais sem história? Teríamos que acreditar em tudo o que os políticos nos dissessem...
Gostava de deixar claro que a minha crítica não vai para a Câmara nem para a vereação. Eu acho que o Presidente da Câmara tem todo o direito de tentar transformar Portugal no Rwanda. Em democracia esta é, concordemos ou não com ela, uma aspiração perfeitamente legítima.
Mas parece-me que mal vai o mundo quando os jornais não informam os cidadãos completamente e transmitem assim, acriticamente, os comunicados e as lamúrias da câmara ou de qualquer outra entidade pública.
Sem outro assunto,
Filipe Vieira de Castro Professor Universitário”
E já que estou com mão na massa, em relação aos conflitos entre as prioridades dos políticos e a salvaguarda do património cultural, gostava de deixar aqui uma pequena história.
Os EUA passaram uma lei que proíbe terminantemente qualquer pessoa de destruir um navio ou avião americano, afundado em qualquer parte do mundo, com fins lucrativos. Isto é, declararam que o património cultural subaquático americano não pode ser objecto de destruição por empresas de caca aos tesouros.
Como esta e uma guerra difícil, que tem de ser lutada nos tribunais, o governo americano instou outros países do mundo a fazer acordos bilaterais e obteve imediatamente o apoio da Espanha, Franca, Inglaterra, Japão, Rússia, etc.
Esta tendência vem-se perfilando no horizonte há vários anos, e a Espanha já tinha declarado guerra aos caçadores de tesouros, processando os EUA e o Estado da Virgínia e ganhando em tribunal o direito a proteger o seu património subaquático, mesmo quando perdido em águas de países soberanos.
Em Abril de 2002 escrevi ao Ministro Pedro Roseta a dar conta desta oportunidade, a contar-lhe o que estava a acontecer a uma nau portuguesa em Moçambique e a pedir-lhe que considerasse a posição espanhola, etc.
Um ano depois, em Março de 2003, sem que tivesse tido qualquer resposta, mandei os mesmos papéis ao Primeiro Ministro, Dr. Barroso, que me respondeu a dizer que tinha encaminhado a minha carta para o Dr. Pedro Roseta...
Outro ano depois, em Maio de 2004, quando os artefactos retirados da nau em questão apareceram à venda em Amesterdão, escrevi ao jornal “O Público”, que fez uma pequena história sobre o assunto, sem quaisquer consequências. Na altura escrevi também para a Assembleia da República, mais uma vez sem ter recebido qualquer resposta.
Pouco depois o Dr. Pedro Roseta foi substituído pela Dra. Maria João Bustorff, cujo nome ainda constava como colaboradora na webpage da empresa de caçadores de tesouros que vendeu os artefactos em Amesterdão. Calei-me.
Há um mês, em Março de 2005, voltei a escrever a esta ministra que, mais uma vez, não se dignou sequer acusar a recepção da minha carta. Telefonei e disseram-me a minha carta tinha sido encaminhada para o IPA.
Entretanto o navio de Moçambique foi trabalhado pelos caçadores de tesouros e os artefactos vendidos, tal como um outro em Madagáscar, enquanto um terceiro está a ser trabalhado na Malásia.
Valerá a pena continuar a lutar? A resposta é óbvia: Não! Os políticos não têm tempo para estas coisas, os arqueólogos têm outras prioridades, os autarcas têm melhores caminhos a dar aos dinheiros públicos e os funcionários públicos sabem bem que o sistema não tolera quem faz muitas ondas (e agora vem aí o bom tempo e as praias da Caparica ficam tão apetecíveis aos dias de semana)...
Por isso, a partir de agora, não digo mais nada.
No fim de contas em democracia tentar transformar Portugal no Rwanda é uma aspiração perfeitamente legítima e eu devo ser um chato, sempre a mandar cartas em vez de me congratular com os resultados de EURO 2004...
Filipe Castro |
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