Casas rectangulares, inumações em silos,
artefactos em matérias-primas longínquas, adornos de grande riqueza
surpreenderam os arqueólogos
TEMAS: Arqueologia
A grande surpresa, para os arqueólogos, estava
escondida por baixo da camada de terra e espólio correspondente à época
islâmica, no Castelo Belinho, no interior do concelho de Portimão.
Sob esse nível, as investigações descobriram testemunhos bem mais
antigos, com cerca de 6500 anos ? vestígios de habitações, de sepulturas,
de silos e de outras estruturas de uma população do Neolítico
antigo.
Varela Gomes recorda que o Neolítico, uma época da chamada
Pré-História, terá começado, no Barlavento algarvio, cerca de 5500 anos
antes de Cristo, como o provaram as suas próprias escavações no menir do
Padrão, em Vila do Bispo. No caso do Belinho, habitavam aqui populações
cerca de mil anos depois, como o provam as datações por Carbono 14 de
algum do espólio encontrado durante as escavações.
«Estas são
populações que já abandonaram a costa, ou seja, que já não dependem do
interface costeiro e da sua abundância de recursos para a sobrevivência»,
explica Mário Varela Gomes. «Eles aventuraram-se na economia de produção,
colonizando terrenos mais interiores, apesar de, a partir daqui, ainda se
avistar a costa, como se houvesse uma dependência psicológica». E foi
assim que, há 6500 anos, o povoado foi construído neste cerro, entre a
Serra de Monchique e o mar.
Nas escavações, os arqueólogos têm
encontrado instrumentos em pedra «capazes de abater a floresta que então
cobriria esta zona», para desbravar terras para a agricultura. Foram
encontradas enxós e machados, alguns de grande dimensão.
Junto às
casas, estes homens pré-históricos enterravam os seus mortos, numa espécie
de bolsas escavadas na rocha calcária, em forma de silo. Mário Varela
Gomes salienta que fossas funerárias tinham uma forma de ovo, talvez
simbolizando uma espécie do retorno «ao ventre da grande
terra-mãe».
Aqueles homens acreditavam na ressurreição, já que os
seus mortos eram colocados de lado, em posição fetal, com as pernas e os
braços dobrados contra o peito, como os bebés no útero materno. Além
disso, eram acompanhados de espólio. «Temos encontrado grandes porções de
vasos cerâmicos e pequenos artefactos líticos, como enxós e machados de
pedra polida».
Mas a mais fantástica descoberta nestes silos de
enterramento foi feita no ano passado e até hoje mantida no segredo dos
arqueólogos. Tratava-se de um homem jovem, que tinha nos braços não uma,
mas 22 braceletes feitas com conchas de um grande bivalve, o pé-de-burro,
que hoje, 6500 anos depois, já não se encontra na costa algarvia.
Em todo o país, garante Mário Varela Gomes, «apenas foram
encontradas 18 ou 19 braceletes deste tipo. Aqui só um indivíduo tinha
22!», comenta, ainda entusiasmado. Uma riqueza de adornos que poderia
traduzir «um estatuto social diferenciado» para este jovem.
A
sociedade do Neolítico antigo, esclarece o arqueólogo, não seria
«socialmente hierarquizada», como veio a acontecer mais tarde, mas as 22
braceletes de conchas indicam que este homem «seria um líder, ostentando
estes símbolos».
Além dos silos com os enterramentos e de outros
que serviam, mais prosaicamente, para guardar alimentos, no povoado do
Belinho foram também encontradas «fossas de oferendas, às forças da
Natureza, constituídas por restos de alimentos e artefactos», revela o
arqueólogo.
O tipo de casas construídas por estes remotíssimos
algarvios é também muito interessante. É que não se tratava de casas
circulares, como têm sido encontradas noutros sítios arqueológicos do
Neolítico, alguns ali bem perto, mas de habitações de forma rectangular,
alongada, suportadas por postes de madeira. Ainda hoje estão lá bem à
vista os buracos arredondados onde encaixavam os postes, alguns ainda com
as cunhas de pedra que os ajudavam a manter direitos, alinhados em
filas.
Eram casas com «10, 15, 20 metros de comprimento», de um
tipo que, na Península Ibérica, «apenas tem sido encontrado na Catalunha»,
no Norte de Espanha, garante Mário Varela Gomes. É que estas casas longas,
ao contrário das circulares, são típicas da Europa Atlântica e do Norte.
Será uma pista para a origem destes homens do Belinho?
Que estes
habitantes eram gente que não estava isolada neste canto do mundo, mas
antes se relacionava com outras populações, prova-se com alguns dos
objectos encontrados nas escavações. «Encontrámos artefactos fabricados
com matérias-primas com origens longínquas, nomeadamente sílex da actual
Estremadura, na zona de Rio Maior», conta o arqueólogo. Mas havia também
materiais bem mais próximos, como o grauvaque da costa atlântica do
Algarve. «Estas pessoas moviam-se, não eram comunidades fechadas sobre si
próprias», conclui o arqueólogo.
18 de Agosto de 2005 |
13:19 elisabete rodrigues
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