[Archport] notícia no PÚBLICO
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To:
archport@lserv.ci.uc.pt
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Subject:
[Archport] notícia no PÚBLICO
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From:
Graca Cravinho <fcsilva@ptmat.fc.ul.pt>
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Date:
Wed, 15 Nov 2006 20:58:44 +0000
Title: notícia no PÚBLICO
Debate dura há 150 anos
Genoma dos neandertais mostra que não são nossos
avós
15.11.2006 - 20h32 Teresa Firmino
É um debate que dura há 150 anos: o homem de Neandertal é, ou
não, nosso avô? Mais do que não haver consenso, o assunto tira do
sério muita gente na comunidade científica. Amanhã, o debate
promete voltar a animar-se, com a publicação da análise mais
completa feita até agora de ADN de Neandertal.
E a história que conta é que eles não são nossos avós -
ou, se neandertais e homens modernos, a nossa espécie, fizeram sexo,
isso acabou por ter pouca influência no genoma humano.
Não é a primeira vez que se obtém e analisa ADN de neandertais.
A estreia foi em 1997, quando a equipa de Svante Pääbo (do
Instituto Max Planck para a Antropologia da Evolução, na Alemanha)
reduziu a pó uma secção de 3,5 gramas do úmero de um
Neandertal. Eram amostras do primeiro Neandertal descoberto em 1856,
no vale (Tal, em alemão) de Neander, perto de Düsseldorf, na
Alemanha.
Essas amostras eram apenas de ADN das mitocôndrias, estruturas
responsáveis pela produção de energia celular, que se encontram
fora do núcleo das células (é no núcleo que está o grosso da
informação genética, mas é mais fácil recuperar ADN
mitocondrial antigo).
Tantos os resultados das análises do "primeiro" Neandertal, como
de outros 11 indivíduos (encontrados na Alemanha, Rússia,
Croácia, Bélgica, França, Itália e Espanha), deram sempre muita
discussão. "Não havia provas de contribuição genética para
os humanos modernos", recordou Pääbo, numa conferência de
imprensa para apresentação das novas análises.
Havia que recuperar o precioso ADN do núcleo e analisá-lo. É o
que a equipa de Pääbo anuncia agora na revista Nature.
Teste a ossos da Croácia
Testaram ossos e dentes de mais de 70 Neandertais encontrados na
Europa e Ásia ocidental, à procura de amostras que não
estivessem contaminadas por ADN de humanos modernos. Obtiveram-nas do
fóssil com 38 mil anos, descoberto em 1980 na gruta de Vindija, na
Croácia.
Seguros de que era um bom espécime para os testes, os cientistas
extraíram uma amostra maior e partilharam-na com a equipa de Edward
Rubin, do Instituto do Genoma do Departamento de Energia dos EUA, que
assina o artigo da Science.
As equipas lançaram-se na recuperação de ADN da amostra, tarefa
difícil por o material antigo estar muito fragmentado, e na
determinação da sequência em que surgem as quatro letras do
alfabeto genético (A de adenina, T de timina, C de citosina, e G de
guanina).
Avanços nas técnicas de sequenciação permitiram ao grupo de
Pääbo recuperar mais de um milhão de pares de bases, como se
chamam às letras emparelhadas do ADN, já que o A anda sempre com o
T e o C com o G. Tal como o genoma do homem moderno, o dos neandertais
deverá ter 3000 milhões de pares de bases, por isso este trabalho
é o início de uma tarefa ambiciosa, que é a sequenciação da
molécula inteira. E o grupo de Rubin obteve mais de 65 mil pares de
bases do núcleo, com um método diferente.
Fizeram comparações com os genomas do chimpanzé, que serviu de
referência, e o dos humanos modernos, incluindo um catálogo de
semelhanças e diferenças genéticas da nossa espécie. Uma das
conclusões é que o genoma dos neandertais é muito idêntico ao
do homem moderno. Assemelham-se em 99,5 por cento, senão mesmo em
99,9 por cento, referiu Rubin na conferência conjunta que deu com
Pääbo nos Estados Unidos. Afinal, ambos pertencem ao género
Homo.
Nalgumas coisas todos concordam: já não existem neandertais, os
últimos desapareceram há 28 mil anos na Península Ibérica,
depois de os dois tipos de homens terem coexistido milhares de anos na
Europa. Os homens modernos vieram de África, e espalharam-se por
todo o planeta.
O que divide tantos os cientistas? Uns consideram que os neandertais
têm de ter transmitido os seus genes aos humanos modernos. Portanto,
fazem parte dos nossos antepassados. Como são os hominídeos
extintos mais parecidos connosco, é o mesmo que dizer que são
nossos avós, e para isso neandertais e humanos modernos tiveram de
fazer amor.
Para outros, os humanos modernos chegaram à Europa vindos de
África, há cerca de 40 mil anos, e simplesmente dizimaram os
neandertais. Para este cientistas, fizeram guerra e não amor.
"Embora não possamos concluir definitivamente que não ocorreu
reprodução entre as duas espécies de humanos, a análise ao ADN
nuclear neandertal sugere que é pouco provável ter sucedido com um
nível apreciável", afirmou Rubin, citado num comunicado.
"Não excluímos a possibilidade de uma mistura genética modesta",
acrescentou Jonathan Pritchard, da Universidade de Chicago.
Mas, a haver mistura, nem foi como poderia pensar-se: "Há
indicação de que o fluxo genético foi do homem moderno para o
Neandertal, e não o contrário, em que toda a gente está
interessada", disse Pääbo na conferência.
Genoma completo daqui a dois anos
Também se estimou o tempo em que neandertais e modernos se
separavam, do ponto de vista evolutivo, com as conclusões a
encontrarem uma sobreposição. Para equipa de Rubin, separaram-se
entre há 120 mil e 670 mil anos, com a melhor estimativa a apontar
para os 400 mil anos. Para a equipa de Pääbo, a separação
deu-se entre há 465 mil a 569 mil anos, apostando nos 500 mil anos.
"Quando tivermos mais dados, isto clarificar-se-á", disse
Pääbo.
O que está em causa é quando é que neandertais e modernos
deixaram de fazer sexo e seguiram caminhos evolutivos diferentes.
"Deixaram de fazê-lo há 400 mil anos", respondeu Rubin. Mas se
as diferenças de menos de 0,5 por cento chegaram para que
neandertais e os modernos não se reproduzissem entre si, é algo
que Pääbo não pode responder. "Não há maneira de saber [só
com estes dados]."
Nos próximos dois anos, os cientistas planeiam ter o primeiro
rascunho de todo o genoma do Neandertal. "Estes artigos mostram que
é possível ter o genoma completo", sublinhou Pääbo.
"Nunca traremos de volta o Neandertal, mas poderemos comparar o seu
genoma com o nosso", completou Rubin. "Poderemos aprender sobre a
sua biologia e outros aspectos que nunca aprenderíamos se
olhássemos só para os ossos e os artefactos." O desafio é ver as
pequenas diferenças entre eles e nós.
Criança do Lapedo posta em causa?
O esqueleto da criança do Lapedo, com 25 mil anos, encontrado
perto de Leiria, é apresentado como prova do cruzamento entre homens
modernos e neandertais. Quando nasceu, os neandertais já tinham
desaparecido há 3000 anos, mas o arqueólogo português João
Zilhão (agora na Universidade de Bristol, em Inglaterra) e o
antropólogo norte-americano Erik Trinkaus (Universidade Washington em
Saint Louis) viram no esqueleto alguns traços de neandertais. O novo
estudo de ADN põe em causa esta interpretação da criança do
Lapedo?
"Muito pelo contrário", diz Zilhão. Cita uma passagem do
artigo da Nature que sugere que podem ter sido os modernos a
transmitir genes aos neandertais. "Não pode haver fluxo genético
que não seja bidireccional." A criança do Lapedo não é um
caso isolado: há mais nove indivíduos, quatro na Roménia e cinco
na Morávia. "Todos têm traços neandertais. Só não vê
quem não quer, e só não tira daí as conclusões que se
impõem quem construiu carreiras científicas a dizer que era
impossível haver cruzamento entre neandertais e modernos. A nossa
interpretação é hoje aceite de forma generalizada."
Quanto à contribuição dos neandertais para o genoma dos modernos
ser limitada, Zilhão diz que não há desacordo. As estimativas da
contribuição variam entre 25 e 0,1 por cento nas populações
actuais, frisa. "Outros estudos avaliam a contribuição para a
pool genética das populações modernas de há 30 mil anos e
concluíram que podia ter sido até 78 por cento. Mesmo que hoje
não restasse nada."
Para Trinkaus, o novo estudo tem aspectos positivos. "Mostra que os
neandertais não são humanos modernos, como sabemos desde 1856.
Mostra que os traços dos neandertais são raros nos humanos
actuais."
Mas o trabalho, acrescenta, é só um teste para ver o que são
capazes de fazer: "É tecnicamente impressionante, mas é pouco
provável que, no futuro próximo, contribua substancialmente para a
compreensão da evolução humana."
O projecto de sequenciação do genoma do Neandertal precisará de
20 gramas de osso, o que leva Trinkaus a dizer: "Nenhum conservador
de museu dará uma amostra tão grande. Os dois mil milhões de
euros a ser gastos neste projecto financiariam escavações em
diferentes partes do mundo que melhorariam o registo fóssil e a
compreensão da evolução."
Teresa Firmino