Lista archport

Mensagem

[Archport] Reunião da Direcção da AAP com o Ministro da Cultura

Subject :   [Archport] Reunião da Direcção da AAP com o Ministro da Cultura
From :   José Morais Arnaud <direccao@arqueologos.pt>
Date :   Thu, 23 Jun 2016 15:05:53 +0000

 

Ministro da Cultura recebeu Associação dos Arqueólogos Portugueses

Na sequência de pedido de audiência oportunamente apresentado, a Direcção da Associação dos Arqueólogos Portugueses (AAP) foi recebida hoje pelo Senhor Ministro da Cultura a quem entregou a Declaração “O Património Arqueológico nacional: recurso estratégico do futuro” (ver em anexo).

Durante a troca de impressões havida, a Direcção da AAP sublinhou em particular a sua preocupação pela situação do Parque Arqueológico, Museu e Fundação do Côa; com a gestão patrimonial das colecções arqueológicas acumuladas resultantes da intensificação dos trabalhos arqueológicos de campo, nomeadamente os que tiveram e têm lugar no cumprimento da legislação de mitigação dos impactes de grandes obras públicas; e com a degradação da capacidade operacional do Centro Nacional de Arqueologia Naval e Subaquática. Estas preocupações foram enquadradas pelo “plano de salvaguarda do património e de relançamento da actividade arqueológica nacional” que a AAP considera indispensável promover e no qual se inclui ainda a necessidade absoluta e urgente de proceder a reconfiguração do organismo de consulta do Governo em matéria de políticas arqueológicas, dotando-o da necessária representatividade social – o que implica corrigir o grave erro cometido nos anos de 1990 de, pela primeira vez desde a Monarquia Liberal, ter retirado de tal organismo a representação da AAP.

A Direcção da AAP regozija-se pelo clima de cordialidade e franqueza verificados, situação que potencia a disponibilidade manifestada para a colaboração com o Ministério da Cultura, no âmbito das suas competências e no quadro da exigência democrática que lhe cumpre defender.

Lisboa e Museu Arqueológico do Carmo, em 22 de Junho de 2016

A Direcção da Associação dos Arqueólogos Portugueses

 

 

A N E X O:

 

 

O Património Arqueológico nacional: recurso estratégico do futuro

Assinala-se este ano o duplo centenário do nascimento de D. Fernando II, rei mecenas do património e das artes, protector e presidente honorário da Associação dos Arqueólogos Portugueses (AAP), e bem assim os duzentos e dez anos de nascimento e cento e vinte anos da morte do fundador da AAP, Joaquim Possidónio Narciso da Silva. Residindo em ambas estas personalidades uma das raízes mais esclarecidas e fecundas do patrimonialismo português, entende a AAP, no quadro dos actos evocativos de tais efemérides, e dando-lhes início, ser oportuno registar o testemunho da sua avaliação do estado atual do património arqueológico nacional, e da própria actividade arqueológica, procurando que nele se reconheça um dos mais sólidos e perenes recursos estratégicos inerentes à construção do nosso futuro colectivo.

A matriz patrimonialista constitui um dos traços distintivos da AAP, desde a origem e sistematicamente ao longo do mais de século e meio de existência. Cabe-lhe a preparação das primeiras listas de sítios arqueológicos a classificar como “monumentos nacionais”, a recolha e guarda em bom recato de peças e colecções que de outra forma se teriam perdido, a intervenção de terreno em locais os mais emblemáticos da Arqueologia portuguesa, a exigência de legislação de protecção dos bens e de enquadramento da actividade arqueológica, a defesa e estudo do património da cidade de Lisboa, com a criação dos estudos olissiponenses e das bases do Museu da Cidade, a promoção de jornadas arqueológicas, a representação dos arqueólogos portugueses nas mais variadas instâncias, inclusive nos organismos 2

 

consultivos do Governo. Em toda a sua intervenção social, a AAP pautou-se sempre pela mais estrita independência relativamente aos poderes políticos, religiosos e mesmo corporativos. Sempre lhe interessou acima de tudo a defesa e valorização da memória patrimonial da Nação, materializada nos bens arqueológicos, imóveis e móveis – e só nessa medida também, as condições para o seu adequado estudo e conservação.

Em mais de um século, a Arqueologia e, mais ainda, as ciências do património cultural, evoluíram no nosso País, como noutros, de fases de entrega abnegada às causas cívicas, tendo por base o mais estrito amadorismo, para outras em que sobrelevam indicadores de consistência teórica e metodológica, dando também origem à emergência de verdadeiros grupos profissionais. Assim aconteceu desde muito cedo, no século XIX, com as áreas da Arquitectura e Engenharia; assim veio a suceder muito mais tarde, sobretudo na segunda metade do ou até apenas já no último quartel do século XX, com os domínios da Arqueologia e da Antropologia, entre outros, nos quais se manteve, em todo o caso, até recentemente, um paradigma eminentemente público, alicerçado no ensino, na investigação e na gestão patrimonial por parte dos serviços do Estado.

Assistiu-se, todavia, nas duas últimas décadas a uma alteração profunda, a uma quase uma inversão da anterior realidade, longamente sedimentada. As intervenções orientadas por critérios ditos de ”investigação fundamental” (decorrentes tanto de programas de pesquisa suportados institucionalmente, mormente pelas universidades, como da iniciativa individual de investigadores independentes) e as próprias acções de iniciativa dos serviços centrais do Estado, foram esmagadoramente suplantadas pelas que decorrem de imperativos ligados à aplicação das legislações europeia e nacional de minimização de impactes ambientais. Onde antes havia agentes isolados ou funcionários públicos, existem 3

 

hoje predominantemente trabalhadores em regime liberal ou assalariados de empresas do sector, desenvolvendo muitas vezes relações contratuais situadas no limite da legalidade e, não raro, indignas dos requisitos exigíveis ao exercício da Arqueologia, senão mesmo à condição humana. Esta alteração, acompanhada pela instauração do princípio legal da “conservação pelo registo”, que deveria ser aplicado apenas em casos extremos, mas tende incorrectamente a banalizar-se, envolveu ainda uma profundíssima “crise de crescimento”, traduzida no aumento exponencial de intervenções de campo, de que resultam colecções acumuladas em armazéns a que dificilmente pode chamar reservas, as quais correm sérios riscos de destruição física, sem sequer terem sido noticiadas, muito menos devidamente publicadas. Por outro lado, os sítios arqueológicos, eles próprios, e até aqueles que em décadas recentes foram objeto de intervenção, por vezes de aquisição e musealização por parte do Estado, central e local, encontram-se em condições de grande degradação, não raro em absoluto situação de abandono.

O Estado, e nomeadamente a área da Cultura, onde se situa a tutela do Património e da própria Arqueologia enquanto actividade de terreno, não somente não tem acompanhado, como seria sua obrigação, este novo quadro social, patrimonial e científico, como regrediu assinalavelmente na sua capacidade operacional e visão estratégica, a tal ponto que parece terem deixado de existir verdadeiras políticas públicas para o sector.

No plano consultivo, abandonaram-se configurações com sedimentação histórica de muitas décadas (desde a Monarquia à Democracia inicial), e que se julgariam adquiridas. Aos antigos conselhos e comissões de monumentos nacionais ou de arte e arqueologia, da Monarquia e da 1ª República, às juntas, secções e comissões de escavações e antiguidades, arte e arqueologia, ao Conselho Superior de Arte e Arqueologia da Monarquia e 1ª República, aos conselhos de escavações 4

 

arqueológicas, de educação, belas artes, arte e arqueologia, do Estado Novo, aos sucessivos organismos ad-hoc emergentes da Revolução de 1974, aos conselhos consultivos dos organismos do património cultural na Cultura, até 1995, onde nomeadamente a AAP sempre esteve representada, sucedeu um auto-designado Conselho Nacional de Cultura (CNC), de cuja Secção de Património Arqueológico e Arqueológico foram excluídas quase todas as entidades independentes e representativas dos cidadãos, dando lugar a um enclausuramento totalmente inaceitável em regime democrático e que nem a ditadura ousara concretizar.

No plano executivo, depois de toda uma fase de procura crescente de qualificação dos serviços do Estado, que levou desde a criação de Serviços Regionais de Arqueologia em 1980 até à formação de um Instituto Português de Arqueologia em 1997, assistiu-se a um evidente desinvestimento na capacidade operacional dos departamentos de tutela da Arqueologia, o qual atinge níveis tais que tornam praticamente inviável o cumprimento das mais elementares disposições de monitorização e intervenção cautelar ou correctiva que são exigidas ao Estado, enquanto representante do bem comum. A situação de quase inoperacionalidade ou abandono de serviços nas áreas da Arqueologia náutica e subaquática e da arte rupestre, neste caso acentuados pela situação escandalosa a que se deixou chegar o Museu do Côa, aí estão para o demonstrar.

Ora o património cultural, em todas as suas dimensões e designadamente nos planos arqueológico, arquitectónico e museológico, constitui um dos principais ativos estratégicos de qualquer país, não apenas no sentido mais nobre e fundamental da promoção de cidadania, como também na dimensão estritamente económico-financeiro que hoje é de uso enfatizar. No domínio do turismo, maxime do turismo direcionado para estrangeiros, é este o traço essencial que nos diferencia de outros destinos assentes somente na dupla sol e praia - avaliação que os próprios turistas 5

 

fazem ao indicar ser essa uma das principais razões para nos visitar. Assim se origina um fluxo económico que está ainda longe de ser devidamente calculado, ou sequer apenas reconhecido, sendo certo que o investimento em património cultural produz efeitos muito positivos, especialmente em épocas de crise, porque gera significativo emprego local, em todo o território, mesmo nas zonas mais deprimidas, produz bens e serviços não deslocalizáveis para o estrangeiro, promove o pequeno comércio e, por último mas não menos importante, versa sobre valores identitários de grande consenso nacional.

No quadro da caracterização exposta até aqui, a AAP considera que se torna prioritária a tomada das seguintes medidas, no âmbito do que bem se poderia designar como plano de salvaguarda do património e de relançamento da actividade arqueológica nacional:

-Elaboração de um Plano Estratégico para o Desenvolvimento da Arqueologia, no qual se realize um levantamento dos recursos instalados nos diferentes departamentos do Estado (com relevo para os da Educação Superior, nomeadamente Universidades, Investigação Científica, Administração Territorial, Ambiente e Cultura), estabelecendo entre todos as sinergias cooperativas que permitam tirar o maior partido das capacidades de cada um, tendo como prioridade a salvaguarda das colecções acumuladas nos últimos anos e a preservação dos sítios postos a descoberto e em risco eminente de destruição.

-Abertura pela Fundação para a Ciência e Tecnologia de Linhas de Financiamento para a investigação aplicada em Arqueologia, desenvolvendo privilegiadamente a sua dimensão patrimonial.

-Instalação de uma Rede de Reservas Arqueológicas, dotadas das condições de salvaguarda de colecções e documentação, acessíveis aos investigadores e 6

 

preferencialmente anexas a museus, conforme o disposto da Lei-Quadro dos Museus Portugueses. Esta necessidade faz-se especialmente sentir no que respeita aos materiais provenientes dos projetos de grande impacte territorial, como é o caso das barragens, com relevo para o Alqueva e sua vastíssima área de regadio.

-Democratização das políticas patrimoniais e arqueológicas, através da criação de um Conselho Superior de Arqueologia ou da reformulação profunda das secções atinentes (património arquitectónico e arqueológico, museus, conservação e restauro e património imaterial) do Conselho Nacional de Cultura, respeitando os princípios básicos da sua representatividade, qualificação e independência, o que pressupõe serem compostas maioritariamente por representantes das entidades com relevante intervenção dos respetivos setores, como desde logo se reclama ser a AAP.

-Reconfiguração do aparelho de Estado da Cultura, dotando-o de capacidade operacional, o que implicará forçosamente a opção por soluções orgânicas ágeis e dotadas dos quadros de pessoal necessários ao bom desempenho das suas missões.

-Neste particular, merece especial referência o único bem arqueológico português classificado como Património Mundial pela UNESCO, a arte rupestre do Vale do Rio Côa, cujo estudo científico e valorização patrimonial deveriam constituir prioridade absoluta. O modelo fundacional pode continuar a constituir a melhor opção, se verdadeiramente assumido pelo Estado e dotado de instrumentos de financiamento credíveis, suportados também em práticas de gestão ambiciosas e inovadoras, decorrentes do preenchimento da sua direcção máxima através de concurso público internacional.

Finalmente, o esforço de reposicionamento e requalificação que é exigível ao Estado, deve também ser seguido pela própria sociedade em geral e, dentro dela, pelos seus segmentos mais acreditados para a defesa cívica e intervenção 7

 

profissional nos diferentes domínios do vasto campo do Património Cultural nacional. Noutro plano importa aprofundar a auto-regulação deontológica da profissão de arqueólogo, assim como instituir recomendações de boas práticas, promovendo, quando necessário, a legislação de enquadramento que se revele necessária. Ciente da sua responsabilidade associativa, também nestes domínios, a AAP, que constituiu recentemente, por decisão da sua Assembleia Geral, uma Comissão de Arqueologia Profissional, exorta todos os intervenientes, sociedades científicas, associações patrimonialistas, empresas, sindicatos e profissionais em geral a juntarem esforços no sentido de promoverem e respeitarem escrupulosamente todas as convenções, cartas e demais tratados internacionais relevantes, bem como os códigos éticos e legislação laboral aplicável.

A defesa do maior recurso estratégico que qualquer País possui, a sua memória colectiva, materializada nos seus sítios, monumentos, conjuntos patrimoniais e colecções museológicas, deve ser obra de todos. Essa é a responsabilidade que devemos assumir perante o futuro, assumindo as nossas responsabilidades presentes e no respeito pelas gerações que passaram e nos permitiram ser o que somos.

A Direção da AAP, em 22 de Junho de 2016

 

 





Mensagem anterior por data: [Archport] Ciclo de Fotografia encerra com projeto 10 Vidas. 10 Olhares Próxima mensagem por data: [Archport] Call for Papers - ALIMENTAÇÃO ANTES E DEPOIS DA CIDADE - 23 de Novembro
Mensagem anterior por assunto: [Archport] Religiões pré-romanas em análise Próxima mensagem por assunto: [Archport] Revista Arqueología Iberoamericana