[Archport] Descoberta de um conjunto importante de estruturas públicas romanas em Mértola
Boa tarde caros colegas!
Tenho o prazer de vos dar a conhecer em "primeira mão" a recente descoberta
de um conjunto importante de estruturas romanas, pertencentes a um edifício
público, no decorrer de uma acção de acompanhamento arqueológico seguida de
sondagens, realizadas no âmbito de um projecto de reabilitação urbana e
realojamento de um casal de idosos desenvolvido na "Casa Fagulha",
propriedade da Câmara Municipal de Mértola.
No decorrer das intervenções arqueológicas foi identificada uma estrutura
com 9m de comprimento à vista (não foram identificados os topos que deverão
localizar-se nas casas vizinhas), no sentido E/W e 1,60m de largura até à
actual parede da casa, continuando sob esta, pelo que não se conhece a sua
extensão.
Foi possível observar que na construção desta estrutura que a topografia do
terreno foi ultrapassada com a construção de socalcos, verificando-se que,
sensivelmente a meio da supra mencionada estrutura, esta entroncava com uma
outra (estrutura 2) que lhe era perpendicular, seguindo no sentido N/S, e
que tinha uma dupla função de suporte de um socalco e delimitação de um
espaço. Assim, na zona situada a ocidente da estrutura 2 a altura máxima
preservada é de 1,30m e a oriente a altura máxima preservada é pouco
superior a 2,10m, notando-se no terreno que a estrutura foi parcialmente
desmontada no século XVIII, ou já no século XIX, em cerca de 60cm, pelo que
deveria atingir os 2,70m.
Sobre esta estrutura de grandes dimensões foi construída outra (estrutura 3)
que preserva cerca de 2m de comprimento e serve de alicerce à actual parede.
É perfeitamente paralela à que lhe serve de base, distando a sua face sul da
face da estrutura 1 cerca de 1,18m em toda a sua extensão.
A estrutura número 2, preserva à vista (até ao limite do compartimento onde
foi detectada)1m de comprimento por 1,18m de espessura e cerca de 1, 60m de
altura.
Num comparimento contíguo, numa sondagem de 2x2m foi identificada uma
segunda parede de suporte de socalco, quase no enfiamento da anterior (com a
mesma orientação, mas localizada mais 27cm para ocidente, suspeitando-se da
existência de uma quinta parede entre as duas últimas estruturas
mencionadas), com cerca de 2m de comprimento, 1,18m de espessura e 0,65m de
altura na zona norte, notando-se que foi desmantelada até à base na zona
sul, muito provavelmente no século V ou no século VI, altura em que foi
coberta por depósitos aluviais provenientes de uma grande cheia. No seu
interior foram recolhidos fragmentos de ânforas do tipo Dressel 1, Dressel
25, Mañá C2a, fragmentos e almofarizes e cerâmicas pré e proto-histórias,
reutilizadas na construção.
O aparelho de todas as estruturas identificadas é constituído por pedras de
xisto de pequenas e médias dimensões fortemente ligadas com opus
caementicium de óptima qualidade, cujas amostras se encontram em fase de
estudo. Nota-se que as pedras foram colocadas em camadas, não havendo uma
espécie de recheio interior, facto que permitiu ultrapassar a menor rigidez
das pedras utilizadas, compactando mais a construção. Nas paredes são ainda
observáveis zonas com reboco "grosso" sobre o qual poderão ter sido
colocadas placas de mármore (foram recolhidos alguns fragmentos de placas no
decorrer da intervenção).
Foram identificados pavimentos em "opus caementicium" associados a estas
estruturas, sobre os quais foram descobertos fragmentos de ânforas do tipo
Dressel 7, Dressel 10, Dressel 12, Haltern 70/Classe 15, Haltern 70/Classe
15a, Mañá C2b, Castro Marim 1, Classe 67 (Bética) Classe 67/Sala1,
sigillatas itálicas (Consp. 13.2, 15.1 e 50.1), lucernas, cerâmica de
paredes finas e cerâmica comum.
Tudo isto permite pensar que estamos perante um edifício construído no
decorrer da 2ª metade do século I a.C., com maior probabilidade para que tal
tenha ocorrido, com mais precisão, nos últimos 20 anos dessa centúria. Nesse
sentido, será contemporâneo da atribuição do "Ius Lateri Veteri" a
"Myrtilis" (ou "Murtilis") e da sua elevação à categoria de Município.
O tipo de estruturas identificadas permite-me colocar a hipótese de se
tratar do "podium", com a respectiva "cela", de um templo romano, associado
a outras estruturas, eventualmente pertencentes ao "forum". Não é de excluir
a existência de um criptopórtico, a acreditar no testemunho de algumas
pessoas idosas que se recordam da existência, na rua voltada ao rio, de
arcos muito profundos.
A concorrer para esta classificação, devo acrescentar que todas as
esculturas de Mértola foram identificadas nas imediações. A saber: os
togados, sob a actual Igreja da Misericórdia, situada a cerca de 40m da
intervenção; a cabeça de Tiche/Cibele, a cabeça de Augusto e a cabeça de
Dionisio na rua, bem próximo da casa onde se efectuaram os trabalhos.
Para além dos materiais supracitados, é ainda de referir que foram
recolhidos nesta mesma intervenção um fragmeto de ábaco (que indicia a
existência de pilatras adossadas à "cela") reutilizado numa casa do século
XVI, um silhar almofadado reutilizado como elemento de portal manuelino,
quadrantes de coluna,, materiais islâmicos, que mostram a reocupação do
local entre os séculos X e XIII, e um abundante conjunto de materiais do
período moderno.
Na "Torre do Rio" observa-se a existência de reaproveitamento de materiais
de um edifício público romano, tendo de lá sido recolhido um pedestal datado
do século II, consagrado à "Dea Sancta".
Creio ser possível, como já indiquei, afirmar que se localizou o Forum
romano de Mértola, numa zona próxima do rio e, consequentemente, do porto.
No entanto, tenho ainda algumas dúvidas, pelos que todos os colegas queiram
visitar o espaço poderão fazê-lo até final deste mês, altura em que terei de
tapar a estrutura, podendo ajudar-me a clarificar a minha opinião.
A todos os colegas que já o fizeram, desde já agradeço a atitude louvável
que tiveram para comigo.
Um abraço a todos,
Jorge Feio
_________________________________________________________________
Mensagens em garrafa? Seja audaz, use o Messenger!
http://www.communicationevolved.com/pt-pt/