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[Archport] Ainda o Sabor Amargo...

Subject :   [Archport] Ainda o Sabor Amargo...
From :   "Fernando Augusto Coimbra" <coimbra.fernando2000@hotmail.com>
Date :   Fri, 07 Sep 2007 16:56:00 +0100

Boa tarde

Algumas afirmações relativas ao afundamento de património arqueológico pela barragem do Sabor deixaram-me deveras perplexo pela ligeireza com que foram encaradas pelos seus autores, nomeadamente no que diz respeito à arte rupestre. Por exemplo,

Susana Silva escreveu:

 

"julgo que submergir elementos pode não ser o fim. Penso que os arqueólogos e demais técnicos ligados ao património devem começar a pensar em alternativas, pois estas bacias hidrográficas poderão ser encaradas como um novo desafio científico e turístico. Neste tipo de projectos podem conviver várias ciências, inclusive poderá dar-se um novo tipo de encontro entre a arqueologia subaquática e a da "terra"!"

 

Ora bem, na relação arte rupestre / barragens se a primeira ganhou no caso do Côa, perdeu nitidamente nos casos de Fratel, Pocinho, Alqueva e agora, ao que parece, perderá também no Sabor se as gravuras não forem estudadas com tempo suficiente.

Dizer que não se perde nada ao afundar arte rupestre è falso. Vejamos:

Pelo que fui informado, existem alguns abrigos pintados que se perderão na albufeira da barragem. No caso de pinturas, efectuadas com pigmentos constituídos por elementos orgânicos e minerais, solúveis em água, não é preciso muito tempo para desaparecerem inexoravelmente.

Se há gravuras (insculturas) que são visíveis razoavelmente quase a qualquer hora do dia, outras só o são com luz rasante, isto é, de manhã cedo e ao entardecer. Ora como aplicar este procedimento de baixo de água ? A arqueologia subaquática terá soluções para este problema ?

Mesmo utilizando iluminação artificial, existirá sempre o problema da refracção debaixo de água. E isto se a água estiver limpa, pois em muitos casos isso não acontece. Recordo que durante a polémica da barragem de Foz Côa houve quem mergulhasse na albufeira de Fratel para ver como estavam as gravuras. Verificou-se que apenas em cerca de 20 anos o desgaste dos motivos era assinalável devido a factores diversos. Para além disso as condições de luz eram péssimas devido à poluição do rio.

No caso de gravuras filiformes (muito finas) há exemplos muito dificilmente observáveis a olho nu. Ora se estiverem submersas então não serão mesmo detectadas. Almas gravuras deste tipo, estudadas por especialistas da Universidade de Salamanca, só foram detectadas anos depois, já após a publicação de vários artigos. Ora, quando se constrói uma barragem há pouco tempo disponível para o estudo do património que será afundado e não será possivel, anos depois, ir lá verificar com piores condições o que não se viu antes.

Em suma: se o levantamento de arte rupestre ao ar livre já é muitas vezes problemático, sê-lo-à muitíssimo mais no caso de ela se encontrar submersa. 

A Arqueologia Subaquática será muito útil para localizar gravuras afundadas e monitorizar o seu estado de conservação, entre outros aspectos, mas não o será para estudar arte rupestre caso isso não  tenha sido  efectuado ao ar livre. 

Por último, acho bizarro que arqueólogos encarem o afundamento de vestígios arqueológicos com a descontração e desportivismo que deixam transparecer nas suas afirmações, pensando que será muito bom para o "encontro entre a arqueologia subaquática e a da "terra", como refere S. Silva.  Esperemos que estas ideias não cheguem aos ouvidos de alguns políticos, pois então podem argumentar: se os arqueólogos não se importam com o desaparecimento do património então podemos afundá-lo à vontade. E nunca se sabe se um dia não vai aparecer alguém a pretender retomar o projecto da barragem de Foz Côa.

Que o diabo seja surdo !!   

Os colegas mencionados pensararam, talvez, utilizar esta questão do Sabor para promover a Arqueologia Subaquática, mas acho que os argumentos empregues não terão sido bem equacionados e reflectidos. De facto, todo e qualquer arqueólogo deve bater-se incondicionalmente pela sua dama - a Arqueologia. Todos devemos procurar, racionalmente, a defesa dos vestígios do passado. Todos sabemos como o património arqueológico é frágil e que as destruições em nome de um pretenso progresso continuarão a existir. Ora, pois bem, achar que se pode afundar o património  e que com isso não há problema é dar armas aos inimigos da Arqueologia. Não é isso que queremos, certamente.

 

Saudações,

 

Fernando Coimbra

Doutor em Pré-História e Arqueologia

Membro Permanente do Comité Científico do Centro Helénico de Arte Rupestre, Philippi, Grécia.   

  

 

 


 

 


 


From:  "Susana Silva" <srtcsilva@gmail.com>
To:  "msabreu@utad.pt" <msabreu@utad.pt>
CC:  archport@ci.uc.pt
Subject:  Re: [Archport] Sabor Amargo...
Date:  Mon, 3 Sep 2007 11:15:09 +0100

É sempre triste saber que mais uma parte do nosso património histórico e arqueológico vai ser "apagado" das nossas vistas! Mas também é verdade que temos de ser realistas e que o nosso país não consegue e não quer cuidar do pouco que já tem. Como prova disso, basta olhar para os outros pólos que existem, completamente dotados ao abandono depois de grandes campanhas alusivas à sua importância... enfim, não sejamos utópicos e deixemos que os outros sobrevivam...

Além disso julgo que submergir elementos pode não ser o fim. Penso que os arqueólogos e demais técnicos ligados ao património devem começar a pensar em alternativas, pois estas bacias hidrográficas poderão ser encaradas como um novo desafio científico e turístico. Neste tipo de projectos podem conviver várias ciências, inclusive poderá dar-se um novo tipo de encontro entre a arqueologia subaquática e a da "terra"!




On 01/09/07, msabreu@utad.pt <msabreu@utad.pt> wrote:
Li com tristeza a noticia que a barragem do Sabor vai ser construída.

E' verdade que nós Portugueses estamos habituados a ver o nosso
património, em especial, o arqueológico ir "por água abaixo " mas a
noticia não nos pode deixar indiferentes.


Segundo o EIA existem mais 190 sítios de "interesse" patrimonial no
Vale do Sabor -- incluindo "diversos abrigos pintados" e pelo menos
uma gravura de auroque em estilo paleolítico.

Pessoalmente, aquando das duas consultas publicas, pedi para que

fosse dada especialmente atenção ao fundo vale. Achei que o tempo
dado para os estudos não tinha sido suficiente para um terreno tão
difícil e que "os homens" no terreno não tinham sido suficientes.
Nunca recebi uma resposta satisfatória  a nenhuma das minhas

questões. Sei que existe pelo menos uma  figura que não consta do EIA.

Sou (ainda) completamente contraria a construção de mega-barragem.
Ver apresentar tais projectos como "amigos do ambiente" é uma farsa.
Concerteza que Portugal necessita de levar a sério o seu problema
energético mas penso que não é honesto apresentam um projecto como o
da barragem do Sabor como  "verde". Os danos ambientais vão ser
enormes e irreversíveis. Por outro lado, não necessitamos de mais

falsas ilusões sobre milhares de  postos de trabalho.  Não era uma
"guerra" entre bons e maus. Era uma decisão importante que tinha de
ser meditada. O Governo decidiu por achar que era uma projecto "
verdadeiramente estratégico para o país". Está decidido. Mas ver

apresentada a construção de uma barragem como um dos grandes
objectivos da próxima década para o nosso pais é preocupante. Casos
como o Côa e o Alqueva deixaram-nos provavelmente todos anestesiados
e com pouca força para protestar. Donde estou não sei se houve

reacção de alguém ligado ao património arqueológico.

Espero os colegas arqueólogos, que irão o fazer o acompanhamento da
obra, recebam dados todos os meios e  tenham todas as liberdades.

Custa-me dizer isto, mas no fundo, espero que não encontrem uma só

gravura....

Mila Simoes de Abreu

--
_[   ]_
/(*?*)\

Mila Simões de Abreu
Departamento de Geologia - Unidade de Arqueologia
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
Apartado 1013
5000-911 Vila Real (Portugal)

Ph: +351 259 350186   Fx: +351 259350480
e-mail: msabreu@utad.pt (mailto:msabreu@utad.pt)

URL:
http://www.europreart.net

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