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[Archport] Publico Digital

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Subject :   [Archport] Publico Digital
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Date :   Thu, 15 Nov 2007 21:58:41 GMT

Notícia do PÚBLICO, em nome de Graça


A loucura do Rei Tut chega a Londres
15.11.2007

Em 1972, a exposição do tesouro do túmulo
de Tutankhamon foi o primeiro blockbuster deste tipo
na capital britânica. Trinta e cinco anos depois, regressa novamente em grande. Uma oportunidade única,
ou a disneyficação do faraó? Por Alexandra Prado Coelho


a Quando, em Novembro de 1922, o arqueólogo britânico Howard Carter entrou no túmulo do faraó egípcio Tutankhamon, perguntaram-lhe "consegue ver alguma coisa?". De dentro do túmulo escuro, fechado ao mundo e esquecido pelos homens durante séculos, veio a resposta de Carter: "Sim, coisas maravilhosas."
Quase cem anos depois, não é preciso habituarmos os olhos à escuridão para vislumbrar os tesouros do túmulo de Tutankhamon. Eles chegam agora a Londres - a exposição Tutankhamon e a Idade de Ouro dos Faraós inaugura hoje no O2 (antigo Millenium Dome), onde ficará até Agosto - com todos os focos apontados, num verdadeiro espectáculo de pirotecnia (veja-se as colunas de fogo que se erguem ao lado da máscara funerária do Rei Tut no site que anuncia a exposição, com um relógio em contagem decrescente). O Museu Britânico - que tem actualmente outro blockbuster, o Exército de Terracota chinês - teve que recusar o Rei Tut por falta de espaço.
Ninguém tem dúvidas: este regresso de Tutankhamon (parte do tesouro foi mostrado na capital britânica pela primeira vez em 1972) vai ser um estrondoso blockbuster, há 325 mil bilhetes pré-comprados e por todo o lado se anuncia que "a Tut-mania está de volta a Londres".
Difícil era falhar. Tudo foi, desde o início, feito em grande. Em Outubro uma estátua dourada gigante do deus Anúbis desceu o Tamisa, em direcção a Trafalgar Square, num pré-anúncio de que "o rei vinha aí". Depois, crianças vindas de todo o mundo construíram, com o artista Romero Britto, uma pirâmide de 14 metros em Hyde Park. E agora, que o "rei" está mesmo a chegar, estão previstos, entre outras coisas, três grandiosos banquetes no restaurante temático O Palácio do Faraó.
E Tutankhamon no meio de tudo isto? Bom, a excitação que a sua chegada provoca não será totalmente novidade para o jovem faraó, que morreu com 18 anos, tendo subido ao trono com apenas nove. A exposição de 1972 é recordada até hoje como o primeiro blockbuster deste tipo: um recorde absoluto de 1,7 milhões de visitantes ao longo de seis meses, filas imensas de mais de oito horas, uma verdadeira febre egípcia a percorrer os londrinos.
Além disso, os tesouros do Rei Tut, como é carinhosamente chamado, vêm dos Estados Unidos, onde fizeram uma tournée de dois anos (e para onde voltarão depois de Londres, desta vez para Dallas) durante a qual foram vistos por cerca de quatro milhões de pessoas.
Estilo Indiana Jones
Rachel Cooke, do Guardian, viu-os em Filadélfia, e escreveu para o jornal um relato bastante sugestivo da sua experiência. A descrição pode ser assustadora. Na manhã em que foi, Cooke partilhou a visita com 500 crianças de escolas. "Estes miúdos não tornam a minha visita fácil", escreve, "sobretudo porque (rezem para que esta moda não atravesse o Atlântico) muitos têm iPods com microfones para os quais lêem alto as notas que acompanham a exposição. É de enlouquecer".
Mas Cooke enfrentou outros obstáculos aos seus esforços para se concentrar. "Habituada à calma reverencial do Museu Britânico, levo um bocado a habituar-me a isto - os tapetes e as colunas falsas que, embora sejam obviamente feitas para criar atmosfera (é suposto que os tapetes pareçam areia) têm o efeito oposto, tornando mais difícil do que nunca acreditar que os objectos para os quais estou a olhar têm 3000 anos."
À saída há todo o merchandising deste tipo de exposições, desde chapéus de basebol com o Rei Tut, até às réplicas do adorno da cabeça do faraó, passando - e isso foi o que mais espantou Cooke - pelo chapéu estilo Indiana Jones igual ao que usa o secretário-geral do Conselho Supremo de Antiguidades do Egipto, o carismático e polémico Zahi Hawass.
No meio das colunas falsas e tapetes (a descrição de Cooke é para a exposição americana, e não significa que esta tenha sido reproduzida assim em Londres) estão 130 tesouros egípcios, dos quais 50 são peças do túmulo de Tutankhamon, incluindo o diadema real do faraó e um caixão miniatura para guardar as vísceras - o que não está lá (embora nos EUA muita gente tivesse acreditado que sim, por ser essa a imagem usada na promoção) é a célebre máscara funerária de Tutankhamon, que esteve em Londres em 1972 mas que, por receio de que se possa deteriorar, actualmente já não sai do Cairo. A exposição inclui também peças de outros túmulos, nomeadamente os de Amenhotep II e Thutmose IV.
Parte dos lucros reverterão para o Conselho Supremo de Antiguidades do Egipto, responsável pelo Museu Egípcio do Cairo que, explica o Times, tem hoje muito mais peças e visitantes do que quando abriu, no início do século XX, e cuja capacidade atingiu os limites. O Telegraph, que descreve a "atmosfera soberbamente romântica", com "os estores cheios de pó, os tectos com tinta a cair, as velhas vitrinas e as etiquetas com a tinta a desaparecer", diz mesmo que este é "o tipo de museu que devia ser posto num museu".
A situação levou o secretário-geral do Conselho, Zahi Hawass, a tomar a decisão de construir o Grande Museu Egípcio, junto das Pirâmides. Nas novas instalações, as peças retiradas dos túmulos dos faraós terão espaço e condições climáticas - nomeadamente ar condicionado - essenciais para a sua preservação.
"Não vemos um tostão"
A exposição que hoje inaugura em Londres é o resultado de uma parceria entre o Conselho Supremo de Antiguidades do Egipto, a empresa privada Arts and Exhibitions International e a National Geographic Society (onde Hawass é explorador residente), e é o exemplo de uma nova tendência, em que empresas privadas vão substituindo o papel dos museus.
Por detrás disto, explica o artigo do Guardian, está uma nova atitude dos países de origem das peças, como o Egipto, que já não estão dispostos a deixá-las sair e ser mostradas pelo mundo sem receberem nada em troca. Zahi Hawass di-lo sem meias palavras: "No passado, o Egipto deu muitas exposições de graça. Os museus fizeram muito dinheiro, mas nós não fizemos quase nenhum. [...] O Metropolitan Museum of Art ainda ganha dinheiro hoje com réplicas do Rei Tut [dos anos 70] na sua loja, e nós não vemos um tostão disso."
A transferência, no início do mês, da múmia do faraó mais célebre de sempre do sarcófago onde repousava para uma urna transparente, onde será mantido em condições ideais para evitar a deterioração do corpo, é vista também como um aproveitamento de toda a excitação em torno da exposição, para chamar mais turistas ao Vale dos Reis, no Egipto - a operação, comandada por Hawass, foi, aliás, filmada pela National Geographic e o Discovery Channel.
Haverá, com todo o aparato que rodeia o actual périplo do tesouro do rei Tut, o risco de transformar uma das maiores descobertas arqueológicas de sempre numa espécie de grande parque temático Disney? Há, de facto, uma tendência para o aparecimento de "exposições temporárias muito espampanantes", mas Luís Raposo, director do Museu Nacional de Arqueologia, acha que não podemos dizer à partida se isso é uma boa ou má ideia. "É preciso analisar caso a caso, ver as motivações, a seriedade científica e o que acrescentam" ao que pode ser visto nos museus que albergam as colecções.
O que tem acontecido cada vez com mais frequência é que aparecem "produtoras de eventos culturais que concebem projectos e os vendem aos donos das colecções", explica Luís Raposo. "Não tenho nada contra isso, embora ache que deve haver cautela quanto às motivações, porque muitas vezes as coisas são feitas numa lógica meramente empresarial." Depois há o lado dos proprietários das colecções, que muitas vezes são os Estados, como é o caso do Egipto. "Acho legítimo que um país entenda que, por falta de recursos, deve permitir que outros vejam o seu património mas que paguem por isso."
O que fica para os museus?
No meio disto, a "questão mais sensível", para Luís Raposo, é "o que fica para os museus?". Estes começaram por ser uma espécie de armazéns para guardar as peças das colecções das famílias reais, por exemplo. Depois evoluiu-se para o museu "como instrumento activo da promoção cultural". E agora, considera o director do Museu de Arqueologia, "há o risco de que os governantes deixem resvalar, e os gestores de eventos culturais conduzam intencionalmente, os museus novamente para a figura de meros armazéns, onde se podem ir buscar peças".
Isto acontece, em grande parte, porque "as políticas culturais gerem-se muito em torno de acontecimentos que possam mobilizar momentaneamente a atenção pública". É aquilo a que Luís Raposo chama "a cultura aos soluços", que deixa os museus "numa apagada e vil tristeza". Não é contra os grandes acontecimentos, sublinha. "Têm sem dúvida aspectos positivos, mas não podem ser feitos em detrimentos dos arquivos de memória que são os museus."
Depois há o espectáculo. Se por um lado chama mais público, por outro pode-se cair em excessos, como o que o director do Museu de Arqueologia viu numa exposição fora de Portugal, em que um capacete romano, "uma peça maravilhosa, em bronze, um original com dois mil anos", aparecia rodeado de coisas de plástico, para criar ambiente. "As peças têm uma dignidade própria, não podem ser aviltadas", diz. "Os museus devem ser um espaço de confronto com o tempo, de calma, os originais precisam de algum recolhimento." Fazer demasiado espectáculo à volta deles pode também desvalorizá-los. Se se fizer uma recriação fantástica, "as peças arqueológicas originais passam a ser cacos e ossos partidos" no meio de um parque temático.
Por isso, defende Raposo, "essas exposições pirotécnicas devem ser feitas com conta, peso e medida". E os museus não devem esquecer que "a sua aparente fraqueza é a sua força", porque "as pessoas fazem muitos quilómetros para ver uma peça original, por muitas réplicas que existam". Há espaço para coisas diferentes, para exposições temporárias mais espectaculares, e para o tempo de um museu. Este, conclui Luís Raposo, "não ganha nada em travestir-se em grande centro de acontecimentos, quase com vergonha dos seus originais".
Mesmo que sejamos um em muitos milhões de visitantes e rodeados pelo barulho das luzes, é bom sentirmo-nos um pouco como Howard Carter a habituar os olhos à escuridão do túmulo e, ao olharmos para o tesouro de Tutankhamon, podermos dizer: "Vejo coisas maravilhosas."
Não é exactamente a exposição de Londres, mas para os portugueses é mais perto: no Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas, Sintra, está, até 31 de Dezembro, uma exposição sobre o embalsamamento egípcio, que é uma homenagem ao cientista Rómulo de Carvalho (também conhecido como o poeta António Gedeão). "O objecto central é um sarcófago egípcio com a múmia de uma dama, que pertence ao museu arqueológico do Carmo", diz o egiptólogo Luís Manuel de Araújo, coordenador científico
da mostra. Há ainda outros objectos de vários museus nacionais - cerca de 60 das peças são inéditas -, entre os quais uma múmia falcão, amuletos, estatuetas mágicas e vasos de vísceras.



 

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