[Archport] Gravuras rupestres descobertas no concelho de Tondela
Gravuras rupestres descobertas no concelho de Tondela
Texto deAna Filipa Rodrigues Fotos deAna Filipa Rodrigues
É difícil acompanhar os passos apressados, mesmo até entusiasmados, do
professor de história da Escola Secundária de Tondela, Jorge Humberto
Gomes, enquanto este percorre parte dos caminhos isolados do Lugar de
Fial, também conhecido como monte dos Fiais, na freguesia de Vilar de
Besteiros. Dirige-se para junto do novo achado arqueológico do
concelho, do qual teve conhecimento no início do ano, através de um
caçador residente no concelho. "Trata-se da descoberta inédita de
património arqueológico de gravuras rupestres", explica o professor, à
medida que se embrenha no denso eucaliptal do Lugar de Fial.
Cerca de 15 minutos após o início da caminhada, o achado arqueológico
aparece sobe um afloramento granítico, que Jorge Humberto tapara com
vegetação. "Eu escondi as gravuras, pois era uma pena serem
vandalizadas", afirma. O painel de arte rupestre, para já classificada
como sendo do período Calcolítico ou Idade do Cobre, delimitado
cronologicamente no III milénio antes de Cristo, revela quatro figuras
ligadas ao campo mágico e religioso, bem como sinalética circular
(cupmarks) que, para o professor, poderiam representar "delimitações
territoriais" a nível sagrado ou geográfico. "Pensa-se que estas
'covinhas' marcassem zonas transcendentais, do infinito, mas não
existe unanimidade quanto à sua explicação", refere. Jorge Humberto
Gomes, que se encarregou de limpar as gravuras e de traçar os seus
contornos a giz, salienta que a primeira figura que lhe chamou a
atenção foi o desenho de uma serpente, um símbolo habitual nas
culturas dos povos deste período. "A serpente não tinha o cariz
negativo que a cultura cristã lhe atribui posteriormente. Este animal
era visto como um símbolo ligado ao campo sexual, à fecundidade
feminina e, em alguns casos, ligado à imortalidade".
No achado arqueológico é ainda possível visualizar duas figuras
humanas esquematizadas num contexto de postura espiritual.
Investigador, há já 20 anos, da cultura Megalítica, que abarca o
período Neolítico e Calcolítico, o professor de história defende que o
painel revela uma figura feminina, com a cabeça em forma de auréola, e
uma figura masculina. "Julgo que se trata de um painel de
agradecimento ao culto da fecundidade. O desenho com a cabeça em forma
de aureola confere à figura uma postura santificada. Poderiam estar a
realizar um ritual religioso. A figura masculina encontra-se numa
posição de oferecer algo a uma divindade". Jorge Humberto Gomes não
exclui a hipótese de se tratar da representação de um parto ou da
celebração do nascimento. As gravuras foram elaboradas na pedra
através de raspagem e fricção. Apesar de a laje se encontrar num
estado de conservação razoável, a inclinação do afloramento granítico
faz com que o escoamento da precipitação seja encaminhado para cima do
achado arqueológico. "Julgo que parte do desenho já terá estalado com
o frio e com o calor que a pedra sofreu".
Para o investigador, as gravuras constituem "uma forma de conhecer o
universo religioso do período calcolítico", tratando-se de mais um
documento precioso, de elevado valor histórico, que permite abrir uma
janela de conhecimento para o mundo simbólico, ritual e mítico dos
antepassados agro-pastoris. Segundo o professor de história, o
Instituto Português do Património Arqueológico já foi alertado para a
existência das gravuras, bem como já enviou as fotografias do local
para alguns arqueólogos que se dedicam ao estudo da cultura
megalítica. No dia 30, irá deslocar-se ao local, o arqueólogo André
Santos, em funções no Parque Arqueológico do Vale do Côa, para fazer a
classificação final das gravuras. Para já a única certeza de ambos os
investigadores, é que se trata de um "achado arqueológico
relevante".Jorge Humbero Gomes espera que o painel depois de
classificado seja preservado e aproveitado, não só para estudo, mas
também para fins turísticos.
JOrnal do Centro
ed. 315, 28 de Março de 2008
http://www.jornaldocentro.pt/?lop=conteudo&op=dc912a253d1e9ba40e2c597ed2376640&id=37c77fc83549b5204e788fb979887c92