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[Archport] Conferência

To :   "Archport" <Archport@lserv.ci.uc.pt>
Subject :   [Archport] Conferência
From :   "Leonor Rocha" <lrocha@ipa.min-cultura.pt>
Date :   Thu, 3 Apr 2008 13:40:34 +0100

Conferência do Professor Doutor Vítor Oliveira Jorge, na Universidade de Évora:

"Património arqueológico na sociedade contemporânea: contributos pessoais
para uma reflexão sociológica, filosófica e psicanalítica"

Dia 21 de Abril, 17h,30, Sala 111, Palácio do Vimioso.
Entrada Livre.

 

Resumo


O autor desta conferência é arqueólogo. Pelo menos assim o ³certifica²
oficialmente a sua especialidade de doutoramento, as matérias que é suposto
ensinar e as áreas em que sedimentou alguma competência; campos mínimos da
grande ³nebulosa² que é a arqueologia.
Mas nas últimas décadas, a par da extrema especialização, deu-se também um
movimento no sentido da diluição de fronteiras disciplinares, por um lado,
da ³alta² e da ³baixa cultura², por outro, e uma grande tendência para, numa
sociedade mediática e hedonista, se poder (e de se ser mesmo compelido a)
atravessar ³limiares² que dantes eram barreiras intransponíveis. Um ensino
que se confinasse hoje à transmissão de conhecimentos, com distância entre
formadores e formandos, sem afectividade nem aproximação aos problemas reais
de cada aluno, e sem a assumida subjectividade de cada professor, seria um
ensino ineficaz, criador de tensões e de exclusão.
O património arqueológico é um tema tão ³bom² como qualquer outro para uma
perspectiva sociológica, filosófica, e mesmo psicanalítica da
contemporaneidade. E também um ³bom lugar², ou ponto de vista, para pensar
uma nova forma de aprendizagem, de vivência, de investigação e de
comunicação. Uma, não: múltiplas, tantas quantas as pessoas que sobre ele
queiram reflectir e com ele queiram actuar, interagir.
Pensar por exemplo de que é que ele é sintoma. Por que é que, ao mesmo
tempo, desperta tantas paixões (e vocações recalcadas, de pessoas que
escolhem outros ³cursos² porque a arqueologia tradicionalmente não dá para
viver, ou só dá à custa da abdicação de alguns princípios e práticas que
alguns consideram fundamentais, como o primado da investigação) e é alvo de
tanto escárnio ou, pior, indiferença por parte dos poderes e dos saberes,
públicos ou privados (com indiferença pela sua destruição contínua, como se
não fosse um valor do território, mas antes uma excrescência).  Por que
razão é que as pessoas valorizam tanto ­ como ³bem² e ³recurso² a preservar
­ certos valores, e a outros são praticamente indiferentes, nem conseguindo
ter sobre eles uma opinião consistente, informada? Ou seja, por que é que o
³património arqueológico² é, ao mesmo tempo, sacralizado, ou canonizado, e
carnavalizado? E qual desse património é assim ³tratado², por quem, e
quando? Eis o que dá um interessante ³retrato² de um pais e do mundo em que
vivemos, com os seus paradoxos e contrastes avassaladores. Lado a lado, a
exaltação por certos valores e a perfeita indiferença por outros, desde as
pessoas às coisas. Em muitos pontos do planeta multidões morrem por dia em
luta pela sobrevivência, ou em campos de batalha, mais ou menos incógnitas;
noutras, multidões (igualmente incógnitas, mas cada uma composta por
indivíduos com a sua motivação ³muito própria²) fazem filas de horas à porta
de museus para verem uma nova exposição, despertando curiosidade o que leva
tanta gente a querer contemplar, simultaneamente em massa e cada um de forma
pessoal, diferente.
O coleccionismo, por exemplo, é uma actividade bem antiga, e sabemos como a
psicanálise surge ao mesmo tempo da arqueologia, da vontade de fixar o tempo
em objectos, como tão bem se vê igualmente na fotografia, tudo fenómenos do
séc. XIX.
Mas é realmente com o desenvolvimento do turismo de massas no séc. XX (e em
ampliação constante) e a constituição da mobilidade quase como um princípio
ontológico (se não viajo, não me produzo, quer dizer, não sou: para ser
tenho de ser um vulto de mim ­ cultura da instantaneidade, do glamour, do
espectáculo, da sedução) que o frenesim atinge o seu ápice. O frenesim de um
mundo onde a profundidade é a pele, e onde a duração é a retenção
fotográfica do instante, quer dizer, do que nunca antes tinha existido. Por
isso as pessoas sacam de máquinas fotográficas e de telemóveis a todo o
instante: são as ³próteses de ligação², de reconhecimento e de registo, de
inscrição, de indivíduos totalmente desencantados.
É sobre este e outros ³sintomas² que, sem ser sociólogo, nem filosofo, nem
psicanalista, e reconhecendo que embora cada um desses campos tenha a sua
herança própria, ele é, sobretudo para quem está de fora, um ³campo de
inspiração² ­ que me atreverei a falar, sobretudo na ânsia de ouvir os
outros, a sua crítica, a sua reacção, ou seja, aquilo que talvez me ajude a
pensar eventualmente melhor. É preciso abrir concavidades no saber para
acolher, para ir mais longe do que o diálogo: para fazer da
con-vivialidadade e da interacção sustentada uma nova forma de saber, de
ser, e de viver. Substituir à postura assertiva (mesmo quando o parece) uma
atitude de receptividade. Nesse sentido, a arqueologia está em rede com tudo
o resto, uma rede onde passam correntes, por vezes, de alta tensão.



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Vítor Oliveira Jorge
Prof. Univ. Porto; investigador do CEAUCP
http://www.architectures.home.sapo.pt
http://configuracoes.planetaclix.pt
http://www.uc.pt/iauc/cea/membros/vjorge.html
blog: http://trans-ferir.blogspot.com/
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