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[Archport] "A ILHA DE PRETOS": ANÁLISE DA FECUNDIDADE E ILEGITIMIDADE NA FREGUESIA DE SÃO ROMÃO DO SÁDÃO ENTRE 1679 - 1729

To :   <archport@ci.uc.pt>
Subject :   [Archport] "A ILHA DE PRETOS": ANÁLISE DA FECUNDIDADE E ILEGITIMIDADE NA FREGUESIA DE SÃO ROMÃO DO SÁDÃO ENTRE 1679 - 1729
Date :   Wed, 23 Apr 2008 02:30:27 +0100

Em resposta ao pedido de Graça Cravinho.
 
 

"A ILHA DE PRETOS": ANÁLISE DA FECUNDIDADE E ILEGITIMIDADE NA FREGUESIA DE SÃO ROMÃO DO SÁDÃO ENTRE 1679 - 1729 - PARTE I

Maria Raquel R. Gomes*
http://adpa.no.sapo.pt/neponlin.htm

Introdução

São Romão do Sádão é actualmente uma pequena aldeia com   cerca   de   35   habitantes2.   Localiza-se   na   área margeada pelo Sado e encontra-se a 15 km da sede do concelho, Alcácer do Sal. Percorrendo as suas ruas (bem como a da aldeia mais próxima - Rio de Moinhos) é fácil identificar traços negróides nalguns moradores: cabelo encarapinhado, pele muito morena, lábios grossos, nariz largo...O interesse histórico por este tema tem motivado estudos científicos em diversas áreas, tornando-se apaixonante sobretudo para aqueles que, tal como eu, desde o berço vão ouvindo histórias e lendas sobre essas gentes, cujo sangue ainda corre nas veias de muitos de nós. De facto, em Alcácer do Sal é bem conhecida a existência dos "Pretos de S. Romão" que, fruto da miscigenação, se misturaram com a população branca e se espalharam, naturalmente, por toda a região. José Leite de Vasconcelos, na sua obra Etnografia Portuguesa faza seguinte descrição:

«Ultimamente tive ocasião de ver alguns exemplares dos mesmos Mulatos  (...).  Eles próprios dizem que são atravessadiços, isto é, "mestiços", em sentido geral. A cor varia: há indivíduos que são, por assim dizer, pálidos ou morenos, e outros muito foscos, quase pretos(...) Os vizinhos chamavam dantes a esta gente Pretos do Sado ou Pretos de São Romão, porque havia lá realmente muitos pretos. "São Romão era uma ilha de Pretos", ouvi referir a vários mulatos; ou "algum tempo havia lá muito preto encarapinhado". Ainda hoje se usa Preto como alcunha ou apelido: "Fulano Preto, Fulana José Preta"! Pouco a pouco a raça vai-se diluindo no grosso da população   circunvizinha(...).   Pena   é   que   não   sedescobrisse ainda algum documento que nos esclarecesse acerca da data em que na Ribeira do Sado se fixou a raça africana ("raça negra") cujos descendentes estão diante de nós.»

Vasconcelos, José Leite de, Etnografia Portuguesa, Livro II, pp. 47-48..

A delimitação da unidade espacial de estudo Ao decidir estudar o fenómeno da ilegitimidade dos nascimentos nos séculos XVII-XVIII, a escolha da unidade espacial de análise - São Romão - foi propositada, com o objectivo de captar a população escrava que aí se fixou. Como refere Leite de Vasconcelos, desconhece-se a data em que os escravos, oriundos de África, se fixaram na então Freguesia de São Romão do Sadão.

Julga-se que o fraco povoamento do Alentejo e a necessidade de mão-de-obra para os trabalhos agrícolas terão sido a causa da fixação do colonato de escravos. Não se sabe, ao certo, que tipo de culturas se faziam na altura. Se o Alentejo era considerado o celeiro do reino, muito provavelmente predominava também aqui o cultivo dos cereais: trigo, centeio, cevada, aveia. A utilização destes cereais como provimento nas viagens marítimas (para o fabrico do biscoito) fomentou, na época, o aumento da sua produção. Em paralelo, terão existido actividades pecuárias, principalmente de gado suinícola, tiragem de cortiça e apanha de bolota. Quanto ao arroz, cultura que hoje predomina na região, não existem provas de  que  já   fosse   cultivado   nos   séculos  XVII-XVIII.

* Sócia da ADPA. Socióloga. Mestre em Estudos da População e Ecologia Humana.

1   O artigo aqui apresentado consiste no resumo de um trabalho mais
extenso, desenvolvido no âmbito da Demografia Histórica e que, para efeitos
c!e publicação, foi dividido em quatro partes.

Fonte: XIV Recenseamento Geral da População (2001).

Sabe-se que a entrada deste cereal no reino remonta à época das Descobertas. Contudo, se ele aqui foi introduzido de imediato não o sabemos. Mas Pedro Muralha, nas Monografias Alentejanas, descreve que nos finais do século XIX, "Manuel Rosa Dourado adquiriu naquela parte do Sado uma grande porção de terrenos ainda por arrotear, isto é, terras virgens, cobertas de matos e que até ali era terra sem valor algum económico.(...) Foi ele, com José Maria dos Santos e o velho Lynce que desenvolveram em Portugal a cultura do arroz, e essa cultura é também hoje, uma grande fonte de riqueza pública."

Os terrenos a que Pedro Muralha se refere são a Herdade da Quinta de Cima, muito próximo de São Romão, e faz-nos supor que só no século XIX se iniciou a produção intensiva do arroz.

Desconheço, até à data, quaisquer documentos que possam esclarecer os reais motivos da sua fixação e o modo como aqui chegaram ou quaisquer outros pormenores que elucidassem sobre os seus costumes e a forma como se integraram na comunidade (aculturação). De qualquer modo, volvidos mais de três séculos, a memória popular, sempre curta para guardar factos históricos, apenas fez perdurar a lenda da "Ilha de Pretos" e as cantigas que ainda hoje ecoam ao ritmo do Ladrão3:

Quemquezervermoças Dacordocravão, Vá dar um passeio AtóS. Romão.

Veja o nosso Sado, Não tenha receio, Até São Romão Vá dar um passeio.

Quando eu chegui À Rebêra do Sado Vi lá uma preta De beco virado.

Se tiver resposta Responda-me à letra De beco virado Vi lá uma preta.

O Senhor dos Mártires Cá da Carvalheira É o pai dos pretos De toda a Ribeira.

Lavrador João Quem lho diz sou eu: Se ele é pai dos Pretos Também o é seu.

 

A metodologia de estudo - um exemplo de adaptação às fontes disponíveis

Definido o objecto de estudo, seguiu-se uma outra escolha: a delimitação do período temporal. Para isso, o conhecimento dos dados existentes foi fundamental. Os Registos Paroquiais de Baptismo, depositados no Arquivo Distrital de Setúbal, dispõem de dados ininterruptos desde 1665 a 1902, ano em que foi extinta a Freguesia de São Romão do Sádão. A intenção de distinguir os comportamentos das duas populações, respectivamente a escrava e a livre, determinou o ano em que se deu inicio ao levantamento dos registos de baptismo e que corresponde ao ano em que aparecem as primeiras referências a baptismos de escravos: 1679.

Por outro lado, a opção do estudo de um período de 50 anos fundamentou-se em dois pressupostos metodológicos: 1) analisar o comportamento da variável fecundidade, ao nível da i/legitimidade, num período mais ou menos longo, de modo a que não fosse influenciado por conjunturas de curto prazo; 2) trabalhar com um número significativo de baptismos para que constituíssem um universo estatístico relevante e que servisse de suporte às conclusões que se pretendem retirar (durante este período ocorreram por ano, em média, 40 baptismos. O estudo vai, assim, desde o ano em que aparecem as primeiras referências a baptismos de escravos - 1679 -até 1729, perfazendo os 50 anos. A maior dificuldade metodológica sentida e que poderia por em risco um dos objectivos do trabalho (estudar o comportamento sazonal da natalidade e da fecundidade) foi o facto dos registos apenas referirem a data do baptismo e omitirem a data do nascimento. Contudo, a falta de dados em Demografia Histórica compele-nos, muitas vezes, a "inventar" metodologias que permitam superar essas lacunas e o presente estudo é exemplo deste desafio. A ausência das datas dos nascimentos "obrigou-nos" a desenvolver um método de estimativa do período de tempo que medeia os dois acontecimentos recorrendo à onomástica. Numa população maiorita­riamente cristã é vulgar atribuir-se ao recem-nascido o nome do santo celebrado nesse dia. A detecção de algumas coincidências deste género conduziu-nos à comparação exaustiva dos dias em que os santos são celebrados e o nome das crianças baptizadas nos dias subsequentes e que não são comuns no resto do ano4. Dos trinta casos considerados, verificou-se que o período mínimo entre o nascimento e o baptismo foi de quatro dias e o máximo de doze dias. A média estima-se em sete dias, ou seja, uma semana.

Atendendo a que a análise dos acontecimentos será efectuada por meses e que a distância entre o baptismo e o nascimento, neste contexto, não pode ser considerada significativa, optámos por não efectuar quaisquer correcções, sob pena de provocar ainda mais enviesamentos.

3 Ladrão do Sado é uma cantiga dolente, típica do Vale do Sado. 1A título de curiosidade, enumeram-se os nomes considerados: Amaro, Martinho, Lourenço(a), Mateus, Silvestre, Clara, Bernardo, Nicolau, Estêvão, Henrique, Miguel, Simão e Brás.

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 Maria Raquel R. Gomes *

 ANÁLISE DA FECUNDIDADE

 No período de tempo em que incidimos a análise, verificou-se que a evolução anual do número de baptismos (aqui equivalente a registos de nascimentos) traduz flutuações significativas, o que não constitui surpresa quando se trabalha com pequenas populações. Para minimizar esse impacto, optou-se por substituir a série completa de factos anuais por uma série de médias anuais calculadas por períodos de dez anos. Ao passar do anual para o decenal, foi possível identificar uma clara tendência de aumento progressivo do número de nascimentos ao longo destes cinquenta anos.

O movimento sazonal da fecundidade

 Nascimentos

Para uma mesma duração, o número de nascimentos varia durante o ano sob a influência do clima, dos trabalhos agrícolas, dos interditos religiosos, etc. Fazendo equivaler os baptismos aos nascimentos, é possível observar as flutuações sazonais dos nascimentos em S. Romão, durante os cinquenta anos considerados.

Verifica-se, assim, que entre 1679 e 1729, existe maior frequência de nascimentos nos meses de Outono/Inverno e uma diminuição no período da Primavera/Verão. Os meses em que ocorrem mais nascimentos são Janeiro e Outubro e o mês que regista menor frequência é Julho.

Concepções

A ocorrência dos nascimentos  depende das concepções e, por este motivo, torna-se muito mais interessante estudar este fenómeno. Embora as concepções pertençam ao  domínio privado de um casal, a sua maior ou menor frequência está associada a fenómenos e causas económico-sociais.

Após a utilização de dois métodos para se analisar a mensalidade dos acontecimentos (método das percentagens[1] e método dos números proporcionais[2] a concepção revelou o seguinte esquema: nos meses de Primavera ( Abril, Maio e Junho ) ocorre o maior número de concepções para depois diminuir no período de Verão. A partir de Outubro e até Janeiro, a sua frequência volta a aumentar, verificando-se uma quebra nos meses de Fevereiro e Março.

Ora, a evolução mensal das concepções permite apontar algumas hipóteses explicativas sobre o comportamento reprodutor:

1) A quebra do número de concepções nos meses de Fevereiro e Março estará relacionada com a Quaresma, período correspondente à prática de abstinência sexual por motivos religiosos;

2) Consequentemente, o período posterior será caracterizado por um aumento significativo do número de concepções, acrescido do facto dos primeiros meses do ano não imporem uma sobrecarga dos trabalhos agrícolas;

3) A diminuição de concepções no período de Verão poderá ser explicado pelas exigências dos trabalhos agrícolas. Sendo a época de colheitas, o horário de trabalho (de sol a sol) e as deslocações para zonas mais afastadas da sede da herdade, associadas à diferenciação do trabalho, dificultam o relacionamento sexual.

4) De Outubro a Janeiro, a fecundidade volta a aumentar, provavelmente motivada pela normalização da  vida económica.

"A ILHA DE PRETOS?: ANÁLISE DA FECUNDIDADE E DA ILEGITIMIDADE NA FREGUESIA DE SÃO ROMÃO DO SÁDÃO ENTRE 1679-1729  - PARTE 3

Maria Raquel R. Gomes*

A FECUNDIDADE ILEGÍTIMA

A noção de ilegitimidade da época

O conceito de ilegitimidade  designa os nascimentos ocorridos fora do casamento.

Ao longo dos cinquenta anos em que centrámos o estudo, aparecem várias formas conceptuais de ilegitimidade, as quais poderemos agregar do seguinte modo:

1 - Omissão do nome do pai: poderá verificar-se por esquecimento  mas o mais provável é tratar-se de casos de desconhecimento porque se verificaram vários registos em que o nome é esquecido mas a omissão acaba por ser corrigida com uma nota à margem do registo.

2 - Pai incerto/incógnito/não sabido: situação em que a paternidade não é declarada no acto baptismal.

3 - Deu-lhe por pai: casos em que a paternidade é assumida, pressupondo-se existir uma união estável entre os progenitores ou, pelo menos, uma relação do conhecimento da comunidade e em que não há razão para a esconder.

4 - Expostos: a exposição corresponde ao abandono de crianças, não se conhecendo nenhum dos progenitores.

À luz da doutrina cristã, todas estas expressões descrevem nascimentos ilegítimos, na medida em que ocorrem fora do casamento. Nesta perspectiva, estimou-se a percentagem de  nascimentos ilegítimos em 5,9%, entre 1679-1729, ou seja, em cada 100 nascimentos ocorridos neste período, 6 eram ilegítimos.

Contudo, as várias categorias do conceito de ilegitimidade revelam diferentes tipos de relações reprodutivas, isto é, tipos de relacionamentos sexuais de que resultaram nascimentos e que assumiram diferentes formas sociais:

 

1) Desconhecimento do pai: caracteriza o tipo de relação que se tenta ocultar, não revelando a paternidade do baptizado. As razões para ocultar, ou pelo menos, para não assumir a paternidade poderão explicar-se pelo facto de se ter tratado de uma relação esporádica ou porque a relação poderia não ser aceite pela comunidade e implicar sansões sociais ( por exemplo, no caso de adultério ou  de indivíduos de condição social diferente);

2) Exposição : O abandono de menores pode dar origem a um duplo registo dos nascimentos porque a criança pode ter sido baptizada antes de ser exposta. No entanto, numa pequena comunidade como se crê ter sido S. Romão ( e que ainda é na actualidade),  onde o controle social é eficaz, julga-se que o exposto  proviria de zonas mais afastadas para que não fosse reconhecido. Deste modo, não parece traduzir o sobre-registo a nível local. Aliás, como refere Louis Henry, ? na maioria dos casos, o exposto é fruto de uma relação ilegítima?[1], razão pela qual o abandono é mais frequente;

3) Atribuição de paternidade: ao atribuir-se a paternidade na acto do baptismo, reconhece-se a união existente entre os progenitores que, em princípio, se encontra instituída socialmente. Embora não se tenha considerado neste trabalho o estudo da nupcialidade e das uniões estáveis ( através da permanência dos casais nos registos de baptismo ), é frequente verificar-se que uma mulher dá por pai o mesmo homem em vários registos e que estes residem no mesmo local. Significa, portanto, que, pelo menos, na maioria, estas situações se traduzem em relações duradouras de que resultam vários filhos. O comportamento da fecundidade nestes casais é idêntico ao dos casais legalmente casados.

 

Conceito sociológico de ilegitimidade

A união de facto traduz o mesmo modo de vida do casamento. Vários estudos têm justificado os elevados índices de ilegitimidade no Alentejo pela menor religiosidade da população: a influência dos valores religiosos nunca se fez sentir como em outras regiões e sempre dificultou o equilíbrio entre casamento e fecundidade.

Pelo tempo decorrido e pela falta de relatos sobre o local nesta época, será difícil apontar as verdadeiras causas da constituição de famílias sem celebração do casamento religioso. O que se afigura bastante seguro afirmar é que, nestes casos, a noção de ilegitimidade corresponde exclusivamente a uma categoria formal e resulta do facto do casal progenitor não ter oficializado a sua união através do casamento.

Por isso, tornou-se necessário construir um conceito de ilegitimidade que correspondesse à realidade social. Entende-se, assim, por fecundidade ilegítima, os nascimentos que são declarados e em que pelo menos um dos progenitores não é revelado.

É com base neste conceito que se irá analisar o fenómeno da fecundide ilegítima.

 

A dimensão da ilegitimidade

Se atrás estimámos a fecundidade ilegítima em 5,9%, ela reduz-se para 3,5% se excluirmos os casos em que a paternidade é assumida.

Não dispondo de padrões de comparação que nos permitam extrapolar algumas considerações, apenas há a salientar que a taxa de variação da ilegitimidade foi de -47,7%, quando excluimos as uniões estáveis.

 

A sazonalidade da ilegitimidade

A análise da sazonalidade dos nascimentos ilegítimos só faz sentido quando incluimos apenas os casos de paternidade desconhecida ( expostos e desconhecimento do pai).

Coloca-se, à partida, a hipótese de que a ilegitimidade aumenta em períodos de maior intensidade do trabalho agrícola, que exige a vinda de mão-de-obra de fora, ou melhor, de homens que se fixam temporariamente no local e estabelecem estratégias de reprodução com mulheres da comunidade.

Para verificar a hipótese, partiu-se da mensalidade dos baptismos para se encontrar o mês de concepção.

 

Sazonalidade das concepções ilegítimas

Verifica-se que os meses em que existe uma maior  frequência  de concepções ilegítimas são Janeiro e Maio e que os meses de menor intensidade são Fevereiro, Julho e Setembro.

Ora, sabendo que a produção agrícola requere mais mão-de-obra na fase de plantação e de colheita ( Fevereiro/Março e Agosto/Setembro, respectivamente ) a hipótese inicial não é corroborada. A existir relação entre a ilegitimidade e o trabalho agrícola, ela será inversa pois tende a diminuir nos períodos de maior azáfama.

Os períodos de menor ilegitimidade poderão ser explicados por duas razões:

1) o período de Quaresma, em que a abstinência sexual reduz o número de concepções;

2) o período de maior azáfama agrícola, que não propicia a reprodução, talvez pelo alongamento diário do período de trabalho e pela mobilidade dos trabalhadores na vastidão da herdade.

 

Quanto aos meses em que se verifica a ocorrência de maior número de concepções ilegítimas, não se antevê explicação evidente. A hipótese da mão-de-obra de fora influenciar a ilegitimidade está de todo afastada.

 

Ilegitimidade diferenciável: livres e escravos

 

Até aqui temos vindo a estudar as questões relacionadas com a fecundidade e a ilegitimidade em termos globais. Porém, logo de início revelámos a intenção de distinguir a população escrava da população livre a fim de verificar se existiram comportamentos diferenciados face à ilegitimidade.

Como não dispomos de informação  sobre o total da população em idade fértil, é óbvio que as comparações só poderão ser efectuadas tendo em conta o peso que os nascimentos legítimos e ilegítimos representam no seu total e no interior de cada grupo populacional.

Incluímos, nesta fase, os expostos como categoria distinta de modo a que o seu peso no total dos nascimentos possa ser comparado com  as outras duas.

A análise inter-grupal evidencia, claramente, a noção da existência de ilegitimidade diferenciável: ela verifica-se sobretudo na população escrava enquanto que na população livre assume valores muito baixos. De facto, do total de nascimentos de filhos de mães escravas, cerca de 59% eram ilegítimos . Ao invés, na população livre apenas 1% dos nascimentos podem ser  considerados ilegítimos.

Em relação ao peso que os nascimentos ilegítimos representa no total de nascimentos declarados, constata-se que 2,3% ocorrem na população escrava enquanto que apenas 1% ocorre na população livre. Os expostos não representam, neste período, um peso relevante, estimando-se em apenas 0,3%.

 

Que razões terão existido para que se verificasse uma ilegitimidade diferenciável tão acentuada?

Ao verificar-se a assimilação de valores religiosos na população escrava, traduzida no baptismo dos seus filhos, por que razões não terá sido transposta para a prática do casamento?

A  abordagem destas questões passa pela compreensão da trajectória  social da população escrava em Portugal, da sua função na sociedade e da inter-acção com a população livre, que a última parte pretende analisar mais pormenorizadamente.

 

* Sócia da ADPA. Socióloga. Mestre em Estudos da População e Ecologia Humana.

 


[1]  Técnicas de Análise em Demografia Histórica, p.71.


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