[Archport] Desabafo - arqueologia num outro ponto de vista
Olá,
Acedo à lista archport desde 2003 e estou a intervir pela 1ª vez.
Conheço muitos dos contribuidores desta lista através dos e-mails que
recebo e leio diariamente e pelas intervenções e debates que tenho
vindo, atentamente, a "assistir". Aproveito para felicitar as
intervenções do Professor José d? Encarnação cujo papel de moderador
muito tem contribuído, de forma positiva, para esta lista.
Já estive várias vezes para dar a minha opinião em vários temas e
assuntos que ao longo destes anos têm vindo a ser divulgados e
debatidos nesta lista, cujo papel informativo e de espaço para troca
de opiniões tão importante revelou ser, mas por várias razões nunca o
realizei e agora penso que é oportuno.
Já muito me ri com as intervenções publicadas na archport, tal como
outras emoções mais tristes me ocorreram, tal como a estupefacção,
incredulidade e a desilusão.
Sim, sou uma dessas pessoas que, por vezes, são referidas na lista
como não detentoras de formação de base em arqueologia e trabalharam
na área. Também estou inscrita como arqueóloga na base de dados do IPA
devido a vários trabalhos que realizei e não sou arqueóloga de formação.
Efectivamente, trabalhei em várias empresas, mesmo antes de concluir a
minha licenciatura e, realizei desde escavações a acompanhamentos
terrestres e de dragagens (também faço mergulho).
Considero-me, de formação e pela experiência adquirida, bastante
polivalente e penso que a pluridisciplinaridade é uma mais-valia
profissional. Já realizei escavações, acompanhamentos, trabalhos
topográficos associados, desenhos de estruturas, trabalhos de
laboratório tal como tratamento materiais, desenho de peças e
conservação e restauro (sim, também tenho formação na área).
Fiz um hiato no meu percurso porque para além ser solicitada várias
vezes para estar à frente de trabalhos arqueológicos (que acabei por
estar na prática), não achava correcto (legalmente), tomar o lugar de
um arqueólogo quando efectivamente não o era.
Mas essa, é a minha consciência pessoal.
O meu percurso na área que tanto estimo, a arqueologia, correu
bastante bem, ainda sou bastante contactada para realizar trabalhos,
talvez como resultado da dedicação, motivação e preocupação na
aplicação das melhores metodologias aos diversos contextos
arqueológicos. Devo dizer que esta área me está, efectivamente, no
sangue.
Existe, porém, uma contrariedade: a desilusão que tenho em relação à
forma como esta comunidade interage e se posiciona perante os
problemas o que, lamento dizer, por vezes me envergonha.
Analisando, desprendidamente e com algum distanciamento os debates
desta lista, devo dizer que se fizeram progressos em várias vertentes
através de diálogos construtivos que aqui se mantiveram ao longo
destes anos, no entanto, é algo recorrente a intromissão de querelas
pessoais e, por vezes, discussões que em nada dignificam esta
comunidade.
O meu desabafo, que não resulta de uma arqueóloga de formação, talvez
não tenha (a vosso ver), o mesmo valor de um arqueólogo/a (é um
facto), até porque sei que existe uma grande demarcação entre o
arqueólogo de base e o arqueólogo formado à posteriori, que será
olhado para sempre ao longo da sua carreira com certa "desconfiança".
Podemos dar como exemplo, os vários arqueólogos que leccionam em
universidades portuguesas (trabalhei com alguns deles), cuja a
formação de base não foi a arqueologia e, ocorre com frequência, as
suas opções de escavação serem questionadas e postas em causa tendo
em conta essa premissa. Isso acontece, mesmo que seja por um aluno do
1ª ano de arqueologia a escavar pela 1ªa vez e que sabe o "segredo" de
que afinal o Prof. não é arqueólogo de raiz (isto é bastante cómico, e
decerto que levo estes assuntos com bastante leveza). Não se deve,
porém, deixar passar erros crassos mas posturas destas... (penso que o
problema se inicia na própria universidade).
Neste momento a "Vossa" comunidade está tão fechada que já me
aconteceu pretender tirar uma formação cuja ocorrência e oferta é
escassa, e ser barrada a minha participação por não ser arqueóloga,
apesar do currículo (licenciatura em área afim). Sinceramente não fico
incomodada porque sei como funciona a área e contorno as situações de
outra forma...
Neste momento, por exemplo, pretendo fazer uma especialização
específica na área e vou no final do ano para fora do país para
adquirir conhecimentos que me são negados cá, isto, porque ainda não
conclui o mestrado em arqueologia (que, penso eu, me poderá resolver o
problema, ou não...).
Espero, com este e-mail, não ter afectado a susceptibilidade e
melindrado ninguém devido à minha confissão de intrusão na "Vossa
área" que tanto pretendem proteger ( e devem faze-lo de forma
organizada e saudável).
Só a consciência e postura aberta de que a arqueologia só pode evoluir
e enriquecer através pluridisciplinaidade e a conjugação de saberes,
poderá fazer a diferença.
Podemos por isso afirmar: "cada um no seu lugar". Existem arqueólogos
sem vocação a fazer asneiras (umas mais conscientes que outras), é um
facto. Os bons profissionais não se vêm pela formação de base mas por
uma avaliação das suas competências profissionais e científicas e de
trabalho no terreno.
Enfim, fosse este o único problema na arqueologia portuguesa. Urgem
assuntos mais emergentes, tratem desses primeiro.
Agradeço a V. atenção e tempo dispensados.
Carla