Re: [Archport] Fwd: desabafo
Não concordando, percebo a sua intervenção. Percebo, sinceramente quando revela que os "notáveis" (entendo eu esta expressão como aqueles que falam, falam e não dizem nada...e continuam a falar anos e anos e a situação continua na mesma...ou pior.) "não irão nunca - por falta de motivo ou por decoro ético- debater um assunto que não é seu"... percebo a comodidade de quem monta a besta... acredite. Mas esta situação não será unicamente uma situação a ser tratada pelos arqueólogos dependentes ou a recibos verdes.
Está na altura de mudar, para isso todos devem contribuir. Alhearmo-nos desta situação é estarmos coniventes com a mesma.
Esta situação diz respeito a todos, acredite que também aos "notáveis" e ao patronato. Está-se aqui a discutir o futuro de uma profissão. A comodidade de lançar a pedra e fugir provocou, como sabemos, esta crise sem precedentes.
Anos e anos se houve falar desta precariedade laboral, mas de facto, o que foi feito para inverter esta situação? Criam-se blogues de conversação onde se expôem ideias (é um começo!). Criam-se blogues pidescos onde a única função é a lavagem de roupa suja... Percebo o desespero por esta situação. Eu também já me senti explorado, já fui literalmente roubado, mas sempre lutei, lutei ao não concordar com certos "atrasos" e saí. Procurei melhor, lutei por isso... por este facto me preocupo, pois o panorama e a gestão cada vez mais danosa desta profissão me preocupa como profissional da área, mas sobretudo como cidadão.
Penso que chega de conversas, não querendo tomar partido por nenhuma facção política (por favor não me interpretem mal, pois respeito todas as facções políticas), o povo é quem mais ordena! Se quisermos organizamo-nos, se quisermos conseguimos lutar (já o demonstramos anteriormente)
Estamos a falar de reivindicações justas. A criação de tabelas salariais mínimas não é mais do que a regulamentação de um sector, para bem de todos. Ao subirem-se os preços, também o patronato terá mais margem de manobra para enfrentar o dia-a-dia, para aplicar métodos inovadores, apostar em formação,etc... nada de outro mundo, todas as grandes empresas fazem isto.
Penso que a questão estará também no brio profissional, penso que aí estamos muito por baixo. O facto de poder haver casos dúbios respeitantes às relações entre empresas e donos de obra, de cedências a fim de não atrapalhar muito a obra, deixa-me mesmo muito triste. Não foi isto que idealizei, o patronato deveria pensar mais afincadamente nisto, pensar que é muito bom pagarmos as dívidas a tempo e horas, respeitar os trabalhadores, pois são eles a força motora que movimenta e desenvolve a empresa. Por outro lado, deveriamos poder criar condições para exigir aos promotores de obras o pagamento e o cumprimento atempadamente das obrigações (do mesmo modo na entrega dos relatórios a horas, por parte das empresas de arqueologia e dos arqueólogos), a fim de se evitarem "atrasos" na cadeia de pagamentos, arrastando por último o que menos pode...o arqueólogo.
Como se costuma dizer, quem os quer bons, estima-os.
Para quando a marcação de um encontro a nível nacional, em grande escala, onde se possa debater estas questões? (os encontros que se tem promovido (Al-madan p.ex.) é um excelente exemplo que a discussão saudável é possível. Será um ponto de partida para algo em grande escala, participando todos os arqueólogos, dependentes, a recibos verdes, patronato e quem sabe, até mesmo professores. Seria deveras útil.
Jorge Pinho
---------------------- MENSAGEM ORIGINAL ----------------------
Os "notáveis" (sejam eles quem forem) não irão nunca - por falta de motivo
ou por decoro ético - debater um assunto que não é seu. Como alguém disse
atrás, as relações contratuais resolvem-se entre as partes, através de
contrato - escrito ou oral - celebrado dentro dos termos da legislação em
vigor. Havendo divergências, as partes poderão renegociar as condições ou,
pura e simplesmente, abandonar a tentativa de contratualização. A
posteriori, havendo ainda divergências, estas deverão (já que vivemos num
Estado de Direito) ser dirimidas em tribunal arbitral ou judicial.
Ou seja, trocando por miúdos e dando um exemplo: eu até percebo a luta dos
professores, até porque já fui um durante 4 anos, sindicalizado e tudo. Mas,
como agora já não sou e mesmo tendo a minha opinião sobre a questão, vejo-me
constrangido em a dar porque, simplesmente "já não é comigo" - é com eles.
Como quem monta a besta é que sabe o cómodo que ela dá, caberá apenas aos
professores resolver com o seu empregador os seus problemas laborais - o que
não invalida, no entanto, que me coiba de emitir a minha opinião sobre o
estado da educação em Portugal, questão para a qual, como cidadão
contribuinte, vejo ser canalizada parte do meu ordenado no final do mês.
2008/6/6 arqueox@kanguru.pt:
Muito pertinente este último mail, muito oportuno o mail de André de Sousa.
Finalmente parece haver uma discussão sustentada sobre o real facto da crise
que hoje vivemos. Tempos adversos parecem aproximar-se, por isso, acho
pertinente este tipo de discussão. É necessário idealizar formas de
intervenção mais activa... caramba, se conseguimos no Côa, porque não
agora?! Simplesmente, porque até aí não havia pseudo-empresários, que não
percebem nada de gestão (porque também não querem deixar de ser
arqueólogos...)e, simplesmente, porque o dinheiro fácil ainda não tinha
chovido... a questão é esta: se de facto queremos alguma coisa, porque é que
neste fórum, quando se lançaram questões acerca das tabelas salariais
minimas, pouco depois se abafou o tema, passando para outras questões... os
"notáveis" (sejam eles quem forem) da arqueologia agora deviam vir para a
praça debater com seriedade estas questões... toda a gente devia
participar..!
Vamos para a rua se assim for necessário, não durmam à sobra da bananeira
que um dia esta sombra, que dela agora beneficiam, pode deixar de existir em
virtude das constantes tempestades... e depois é tarde...
já começou...a trovejar!
Jorge Pinho
---------------------- MENSAGEM ORIGINAL ----------------------
Interessante, este desabafo. O meu ex-professor de Economia, Tomaz
Dentinho,
chamar-lhe-ia um figo e usá-lo-ia como exemplo para as suas aulas. Um pouco
excêntrico, começava sempre as hostilidades da cadeira com uma pergunta do
género: porque é que há restaurantes que, apesar de cobrarem 120 euros per
capita e por refeição, estão sempre cheios e com lista de espera de dias
enquanto que ao lado há restaurantes que levam 5 euros por refeição e têm
sempre lugares vazios?
As respostas dos alunos eram as mais variadas: era pelo luxo, pela comida
que serviam, porque havia prestigio em se ir almoçar ao restaurante caro,
porque o restaurante barato era uma espelunca, etc...
Depois de um compasso de espera, o homem olhava, abria o sorriso e dizia: o
restaurante caro está à pinha sempre porque há sempre gente disposta a
pagar
120 euros por uma refeição. A partir do momento em que não haja alguém que
esteja disposto a pagar tanto por esse serviço, o restaurante ou baixa os
preços, ou fecha.
Ou seja, aqui, e invertendo a lógica, os preços que se praticam - que,
imagino eu devem estar quase que na classificação de "dumping" - só se
praticam porque há quem esteja disposto a receber assim tão pouco para
prestar esse serviço. O que me leva a pensar, em sequência, várias coisas:
1) num mercado em que há muita oferta e pouca procura, os preços são
baixos;
2) num mercado em que o que conta é o serviço ser executado, não interessa
se bem feito ou se mal feito, ou seja, em que a qualidade do serviço
prestado é irrelevante, a única coisa que distingue os ofertantes dos
serviços (presume-se que sejam todos qualificados legalmente para prestar
esse serviço) é o mínimo denominador comum - a oferta que prometer a
execução mais célere (com o mínimo de incómodos para o promotor) e pelo
preço mais barato é a ganhadora;
3) num mercado em que vigora o ponto 2), todo e qualquer ofertante que
proponha um tempo de execução mais consentâneo com a boa prática
arqueológica, que até dispõe de recursos humanos com qualidade (arqueólogos
experientes que detectam vestigios que os mais inexperientes não
detectariam) e que até tem potencial para vir a perturbar o mercado
(reclamando para a tutela, exigindo coisas idiotas como preservação in
situ,
ou análises de radiocarbono ou, pasme-se, publicação e musealização) está
simplesmente condenado a ser ultrapassado pelo arqueólogo low cost.....
2008/6/6 André Sousa andrebsousa.g@gmail.com:
---------- Forwarded message ----------
From: André Sousa andrebsousa.g@gmail.com
Date: 2008/6/6
Subject: desabafo
To: archport@ci.uc.pt
*A propósito da temática que tem vindo a assolar o panorama arqueológico
português, nomeadamente, as ditas tabelas salariais mínimas, condições
laborais, conivência ou não por parte dos trabalhadores de arqueologia,
muito se poderá especular.*
*Existe, no entanto, um variado número de pontos que terão
obrigatoriamente de ser debatidos por esta comunidade, sob o risco de esta
situação pouco digna continuar a assolar o nosso horizonte. *
*São situações muito graves e que levarão, certamente, a um futuro de
incertezas. Atente-se às mais recentes manifestações por melhores
condições
de trabalho face ao aumento do gasóleo e também contra a precariedade do
emprego nas mais variadas profissões... as pessoas vão para a rua a
exigirem
melhores condições laborais.*
*Face a este cenário e tendo em consideração aquilo que vivemos
actualmente como profissão, não se vislumbram tomadas de posição sérias e
saídas para a rua em protesto... não, aquilo que se vê não é mais que uma
letargia inexplicável, tendo em conta esta situação alvitrante que hoje
vivemos. *
*Ora vejamos:
-Arqueólogos que se prestam a trabalhar 11 e 12 horas seguidas sem
receberem horas extras;
-Empresas que apresentam propostas de trabalho para 12 horas/dia a um
valor
inferior a 1500 euros/mês (1200 ) para estradas ou 3000 para promotor
particular.
-Empresas que não contabilizam o custo do relatório Final nem o tratamento
e estudo de materiais (será que o arqueólogo redige o relatório e faz o
tratamento e estudo dos materiais gratuitamente?)
-As empresas que trabalham em Lisboa tem que entregar, no mínimo, 3
exemplares de um relatório (IGESPAR; DRCLVT e Dono de Obra). A edição
destes
relatórios tem custos de impressão (papel tinteiros, electricidade, etc.)
e
custos de mão-de-obra (tem que estar uma pessoa a imprimir, montar) como é
que não se contabiliza este custo?
Uma empresa tem custos que se designam como custos de sede**.
Aqui estão englobados, entre outros, os alugueres ou amortizações da sede,
electricidade,água, telefone, comunicações, desgaste de material,
vencimentos dos empregados que estão na sede e que asseguram a retaguarda
(secretária, administrativos, informático, desenhadores, entre outros).
Tem
custos com a empresa e contabilidade, seguros de trabalho, seguros de
responsabilidade civil, custos com as viaturas (seguros, imposto de
circulação, manutenção, desgaste das viaturas, combustível). Tem os custos
dos consumíveis (papel, tinteiros, sacos de plástico, contentores) e de
matérias primas incorporadas (canetas de marcar materiais, verniz, etc.).
Todos estes custos tem que ser imputados aos trabalhos, para além do custo
da mão-de-obra (no caso, técnicos superiores).
Com os valores praticados, mesmo que o gestor seja excepcional, onde é que
estes custos estão imputados ao serem apresentados valores mensais de 1200
euros? *
*Tendo em conta os custos de sede onde é que se vai buscar o valor para os
mesmos? E caso se retire aos 1200 euros quanto é que sobra para pagar ao
arqueólogo? Ou já estão a pensar em pagar ao arqueólogo daqui a um ano...*
*Temos, assim, que uma empresas de construção paga pelos serviços de um
arqueólogo 1200 euros, quando essa mesma empresa vende ao dono de obra o
trabalho de um indiferenciado (entre 75 e 90 euros/dia) ou seja entre 1650
e
1980 euros/mês!?*
*Com estes valores, as empresas de arqueologia (?) estão a desvalorizar
uma actividade que é cientifica e estão a matar o mercado....(aquela
entidade de que todos falam como regulador até, por exemplo, terem
aumentado
os combustíveis) e os arqueólogos, (ao aceitarem!) estão a participar
nessa
morte anunciada... são coniventes e não se podem ilibar de
responsabilidades!*
*Quem não se valoriza não pode ser valorizado pelos outros...
Os arqueólogos ao aceitarem esta exploração estão: *
*A desvalorizarem-se enquanto profissionais; *
*A contribuirem para que empresas sérias percam mercado;
A colocarem em perigo o posto de trabalho dos arqueólogos que estão em
empresas que não praticam estes valores; *
*As empresas (não sei se posso chamar empresas a essas coisas) só vão até
onde os arqueólogos deixarem....
Ou então, as outras empresas tem que passar a alinhar no mesmo esquema,
senão não sobrevivem.... Acontece que eu pessoalmente duvido que a estes
valores se possa chamar arqueologia aquilo que esses actores realizam.
As preocupações são muitas e a nossa condição é muito séria. Espero que
este fórum sirva, mais uma vez, para a saudável discussão e que daqui se
criem bases futuras para protestos sustentados.*
* A imagem que hoje temos da arqueologia não se coaduna com a condição
laboral séria. Esta situação ao acontecer irá enfraquecer as suas bases...
(contudo, podemos afirmar que a profissão de arqueólogo não possui bases
fortes capazes de aguentar as constantes tempestades hoje vividas, logo
cairá... mais tarde ou mais cedo).
Essa situação depende de nós...*
**
*André de Sousa*
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