[Archport] "Construção de passadiço em Matosinhos desvenda vestígios de conservas romanas"
Construção de passadiço em Matosinhos desvenda vestígios de conservas romanas
Público, 13.06.2008, por Jorge Marmelo
Há três semanas que decorrem, em Angeiras, Matosinhos, escavações que
fornecem dados sobre a existência de uma indústria conserveira do
período romano
A Divisão de Cultura e Museus da Câmara de Matosinhos está a
aproveitar a necessidade de realizar sondagens arqueológicas antes da
construção de um passadiço de madeira sobre as dunas da parte norte do
concelho para ficar a conhecer um pouco melhor os vestígios de uma
indústria conserveira do período romano existentes na zona balnear de
Angeiras. Os trabalhos estão a decorrer há cerca de três semanas e
puseram já a descoberto um novo tanque de salga escavado nas rochas.
Segundo o presidente da Câmara de Matosinhos, Guilherme Pinto, que
ontem visitou o local, a autarquia pretende aproveitar os
conhecimentos adquiridos na escavação em curso para manter a memória
daquela indústria, eventualmente com o recurso à construção de uma
réplica, já que o local voltará a ser coberto de areia assim que as
marés voltarem a tocar aquela parte da praia. O autarca manifestou
ainda a vontade de ver a edilidade promover uma reconstituição do
garum (ou garo), uma conserva produzida pelos romanos com a mistura de
vários peixes e a adição de vinhos, vinagres e azeites, a qual era
exportada da costa portuguesa para todo o império, da Escócia ao Norte
de África, passando pela Roménia.
"Não sei se houve uma continuidade desta prática ao longo do tempo,
mas foi aqui que começou a indústria das conservas de Matosinhos",
sublinhou Guilherme Pinto, adiantando que, caso as escavações em curso
verifiquem a existência de elementos ainda não conhecidos, a autarquia
admite prolongar os trabalhos por mais algum tempo. Para já, as
sondagens obrigaram a desviar o traçado do passadiço, de modo a que as
respectivas fundações não toquem o sítio que agora está a ser
escavado, já classificado como monumento nacional desde a década de
1970.
No local, e para além dos já referidos tanques de salga (dos quais
existe, junto à marginal de Angeiras, uma réplica que será objecto de
beneficiação no âmbito da obra de construção do passadiço), é ainda
conhecido um pavimento de seixos rodeado por um murete, no qual se
julga ter sido produzido sal para a salmoura que ali funcionava, bem
como o alicerce de uma construção.
Pequena unidade
Segundo Joel Cleto, chefe da Divisão de Cultura e Museus, a unidade de
Angeiras seria de uma pequena unidade de produção de conservas, se
comparada com as existentes a sul de Peniche (e sobretudo em Tróia,
onde havia a maior fábrica de conservas do império romano), mas, ainda
assim, com uma grande importância regional nos séculos III e IV.
Atesta-o o facto de terem já sido descobertos 32 tanques de salga em
seis núcleos diferentes, ignorando-se se existiram outros, ocultos sob
o areal. A norte de Peniche, aliás, são relativamente raros os
vestígios de conservas romanas, havendo apenas memória de uma
instalação semelhante na Póvoa de Varzim.
Ainda segundo os arqueólogos, supõe-se que o complexo conserveiro
funcionasse em estreita relação com uma villa romana de que foram
encontrados sinais no Fontão e cujos mosaicos e restos cerâmicos estão
depositados no Museu de Etnografia do Porto.