[Archport] Gado, charruas e acácias estão a destruir necrópoles junto à ilha do Pessegueiro
Gado, charruas e acácias estão a destruir necrópoles junto à ilha do Pessegueiro
Público, 21.10.2008, Ana Henriques e Raul Oliveira
Arqueólogo diz sentir "uma profunda vergonha" perante o que considera
ser "um crime lesa-património". Instituto de Conservação da Natureza
garante que desconhecia situação
Os vestígios de duas necrópoles pré-históricas defronte da ilha do
Pessegueiro desapareceram de vez e outras seis jazidas situadas no
mesmo terreno de Porto Covo, no concelho de Sines, arriscam-se a ir
pelo mesmo caminho, graças à acção do gado, das charruas e das
acácias, que são uma planta infestante.
O alerta foi dado este fim-de-semana, num encontro sobre a história do
litoral alentejano, pelo arqueólogo Carlos Tavares da Silva, que nos
anos 80 e 90 participou nas escavações que ali decorreram. O
especialista diz sentir "uma profunda vergonha" perante o que
considera ser "um crime lesa-património".
"Levava muitas vezes os meus alunos do mestrado da Faculdade de Letras
da Universidade de Lisboa a visitar o local", relata, explicando que a
destruição começou há cerca de quatro anos, depois de a entidade
responsável pelos vestígios, o Parque Natural do Sudoeste Alentejano e
Costa Vicentina, ter perdido os funcionários que tinha ao seu serviço
para tomar conta deles.
Aos que quiserem saber mais sobre os usos e costumes dos habitantes
pré-históricos deste sítio resta visitar uma exposição que o Museu de
Arqueologia do Distrito de Setúbal está a preparar para abrir até ao
final do ano e que integra espólio encontrado no Pessegueiro:
cerâmica, punhais, machados e outros instrumentos de pedra polida, bem
como colares em metal. Dos esqueletos de quem ali habitou é que não há
rasto: a acidez dos terrenos arenosos decompuseram-nos há muito. Numa
área pouco superior a um hectare, Carlos Tavares da Silva deu de caras
há duas décadas com um verdadeiro manancial: um cemitério do período
neolítico (5000-4000 a.C.) com seis sepulturas - no seu entender um
dos mais importantes achados do Pessegueiro, entretanto destruído-,
seis necrópoles da Idade do Bronze (1700-1300 a.C.) e ainda uma oitava
necrópole da Idade do Ferro (séc. IV a.C.), construída por cima de uma
povoação da Idade do Bronze.
"Foi a primeira vez que se encontrou um povoado desta época no
Sudoeste da Península Ibérica", realça. Fundos de cabana, alguns
empedrados, restos de lareiras e milhares de fragmentos de recipientes
de cerâmica comprovaram a descoberta. Os habitantes do local eram
gente que pescava e tecia, como mostram os anzóis de cobre e os pesos
de tear também encontrados. Carlos Tavares da Silva recorda-se de o
terreno, que fazia parte da Herdade do Pessegueiro, ter sido comprado
pelo Estado algures no final da década de 70, de modo a salvaguardar
os vestígios.
Com o passar dos anos as acácias foram abrindo caminho por entre as
vedações do sítio arqueológico, que entretanto se degradaram. "Além
disso, as actividades agro-pecuárias da herdade ocuparam mais de um
terço do local", assegura Tavares da Silva, acrescentando que o gado
passou a ir pastar para a zona dos vestígios. As necrópoles foram
lavradas? "Devem ter usado charruas mecanizadas", opina. Além do
cemitério neolítico, desapareceu uma das seis necrópoles da Idade do
Bronze.
Afirmando-se surpreendido com o relato do arqueólogo, que garante
nunca o ter alertado para o problema, um responsável do Instituto da
Conservação da Natureza, João Alves, explica que os recursos deste
organismo são limitados e que e as obras de reabilitação forte
filipino que ali existe consumiram muitos deles. Quando os
funcionários que zelavam pelos vestígios se reformaram, não foi
possível substituí-los. Mesmo assim, o instituto diz-se disponível
para equacionar uma intervenção de emergência.