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[Archport] Em L'Aquila a natureza voltou a destruir a arte

To :   "Archport" <archport@ci.uc.pt>
Subject :   [Archport] Em L'Aquila a natureza voltou a destruir a arte
From :   "Rui Gomes Coelho" <ruigomescoelho@gmail.com>
Date :   Tue, 14 Apr 2009 14:46:54 +0100

In Público, P2, 14-4-2009, p. 8

 

Em L'Aquila a natureza voltou a destruir a arte

 

14.04.2009, Luís Miguel Queirós

 

Há momentos em que a oposição entre natureza e cultura se torna tragicamente literal.
O sismo de L'Aquila é o capítulo mais recente de uma história que inclui Pompeia e Lisboa

 

Ainda é cedo para avaliar com um mínimo de detalhe os danos reais que o terramoto do passado dia 6 provocou no património artístico e cultural de L'Aquila, em Itália. Se a destruição de edifícios históricos, como a basílica de Santa Maria de Collemaggio (século XIII) ou as igrejas de São Bernardino, Santo Agostinho e Santa Maria do Sufrágio, é tristemente visível a olho nu, inventariar as obras de arte que se perderam irremediavelmente, soterradas nos escombros, é uma tarefa árdua e morosa.


O Ministério da Cultura italiano já disponibilizou 30 milhões de euros para resgate e recuperação de património e tem 14 equipas de especialistas a trabalhar no terreno. Os últimos dias trouxeram algumas boas notícias. O mausoléu de Clemente V, que viveu no século XIII e foi o único Papa a renunciar ao cargo, foi encontrado intacto, enterrado debaixo das ruínas de uma parede da basílica de Santa Maria de Collemaggio. E, hoje mesmo, uma equipa de bombeiros e polícias retirou da sede do episcopado e da catedral de L'Aquila, outros dois edifícios bastante danificados, cerca de 500 peças, incluindo cruzes, cálices e outros objectos de culto, avaliados em um milhão de euros. O receio de novas réplicas do sismo levou as autoridades a resgatar com carácter de urgência este tesouro da diocese, que será agora provisoriamente guardado em Roma.


A cidade das igrejas


L'Aquila é conhecida como a cidade das 55 igrejas, e poucas escaparam completamente ilesas ao sismo do dia 6 e às réplicas que se fizeram sentir nos dias seguintes. Para lá dos casos já referidos, na cidade e nas povoações próximas, sofreram danos graves, entre dezenas de outras, as igrejas de Santa Maria Paganica - da qual foi ainda possível salvar uma valiosa estátua da Virgem com o Menino, mas cujo portal gótico, do início do século XIV, ficou totalmente destruído -, a de São Pedro de Coppito, cuja fachada e parte da cúpula ruíram, ou a de S. Silvestre, com vastas fissuras a requerer intervenção urgente.


Um recente ponto da situação aponta mais de 30 igrejas com estragos já identificados, e mesmo as que parecem estar intactas precisarão de vistorias, para avaliar possíveis danos estruturais.
Alguns destes edifícios, como a catedral de L'Aquila, já tinham sido reconstruídos após um anterior e violento sismo que a mesma região sofrera em 1703. O de dia 6, além de ter devastado a região de Abruzzo, provocou estragos a 100 quilómetros do seu epicentro, designadamente em Roma, onde os famosos Banhos de Caracala, do século III, sofreram alguns danos.


Os especialistas consideram que o sismo de L'Aquila, embora muito mais grave em perdas humanas, que já vão quase em 300, terá provocado perdas patrimoniais mais ou menos comparáveis às do terramoto que atingiu em 1997 a região vizinha de Umbria. Há 12 anos, só se registaram dez vítimas mortais, mas dezenas de igrejas e outros edifícios medievais ficaram destruídos, incluindo a célebre basílica de S. Francisco de Assis, na cidade onde nasceu este santo.


Com este terramoto, L'Aquila repete agora a sua presença na longa lista de catástrofes culturais provocadas pelas forças da natureza, das quais a mais famosa ainda será a da cidade romana de Pompeia, que, no ano 79 ficou literalmente sepultada sob as cinzas expelidas pela erupção do vulcão Vesúvio.


No capítulo dos sismos, talvez nenhum tenha tido tanto impacto como o que teve, na época, o terramoto, seguido de um tsunami, que devastou Lisboa em 1755, matando pelo menos dez mil pessoas - há quem fale de 90 mil, o que corresponderia a cerca de um terço da população - e arrasando perto de 90 por cento das suas construções, incluindo numerosos palácios, bibliotecas, conventos e igrejas. Lisboa era uma das capitais culturais do mundo, no século XVIII, e a sua destruição consternou os intelectuais, como Voltaire, que lhe reserva extensas passagens do Cândido. A própria sismologia moderna nasceu, em boa medida, com este sismo, que permitiu estudar o efeito de um grande terramoto.


O terramoto mais intenso de que existe registo continua a ser o de 1960 em Valdivia, no Chile, que atingiu 9,5 na escala de Richter. E o mais mortífero ocorreu em 1556 no centro da China, em Shansi, tendo custado a vida a pouco menos de um milhão de pessoas. Também na China, o recente sismo de 2008 em Sichuan destruiu mais de 1500 peças de cerâmica antiga, um templo com dois mil anos e sete das célebres estatuetas de guerreiros em terracota. Enquanto catástrofe cultural, o que atingiu Tóquio em 1923 foi também um dos mais trágicos, provocando a perda de milhares de peças de arte japonesa antiga.


E os desastres naturais, descontando já os incêndios, onde é sempre difícil descartar a possibilidade de intervenção humana, não se resumem a vulcões e sismos. Calcula-se que as cheias do Arno em Florença tenham destruído ou danificado, em 1966, cerca de 1400 obras de arte, incluindo o célebre crucifixo de Cimabue conservado na basílica da Santa Cruz.


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