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[Archport] Para evitar pilhagem e castigo

Subject :   [Archport] Para evitar pilhagem e castigo
From :   Manuel Castro Nunes <arteminvenite@gmail.com>
Date :   Sat, 16 May 2009 10:34:57 +0100

Caro Alexandre Monteiro.
 
Prezo muito que intervenha neste debate, com o empenho e lucidez que tem revelado, de resto, em outras intervenções. As questões, todas, que coloca são bastante relevantes, não me atreveria a desenvolver com tal exaustão a matéria no forum archport, inibido pela eventualidade de poderem alegar que estaria a maçar os restantes intervenientes e a ocupar indevidamente demasiado espaço.
Penso que concordará comigo, pelo menos, acerca de que um exaustivo debate destas questões, algumas de grande complexidade como veremos, se impõe cada vez com mais urgência, em ambiente aberto, sereno e construtivo, no senido de procurarmos consenso no que toca à optimização dos dispositivos de protecção, salvaguarda e valorização, tanto os preventivos, como os punitivos.
Discordo da sua opinião acerca de que os problemas em terra sejam de mais fácil resolução ds que ocorrem em ambiente subaquático. Conheço com alguma profundidade o que tem ocorrido nas intervenções subaquáticas e poderia comentar consigo alguns detalhes, não sendo para mim um dado adquirido que hoje se pilhe menos. O que diria é que existem pilhagens que estiveram e poderão continuar a estar ao abrigo da protecção de dispositivos de movimentação de influências políticas e financeiras cujo rastreio continua a ser difícil. A tendência para acentuar a tónica na propriedade legítima de um estado sobre os bens jacentes no seu território subaquático, que dá origem a disputas como a que ocorreu sobre o caso Namíbia, pode dar cobertura à orientação política manifestada por alguns estados para contratarem e continurem a contratar concessões de exploração como as que ocorreram com Cabo Verde e Moçambique, envolvendo a Arqueonautas. E, nesses casos, trata-se então de procedimentos com cobertura legal, pelo menos formal, pelo que a acção penal se exclui. As disputas enquadram-se geralmente no quadro do direito cível internacional.
Todavia os problemas em terra têm a sua própria complexidade.
Insisto na tónica de que uma lei penal deve apresentar-se enquadrada em contextos que a envolvam em dispositivos preventivos, deve ser produzida tendo por objectivo dispensar, até ao limite das possibilidades operativas, a necessidade da sua aplicação, E este é um princípio m minha opinião inquestionável do direito humanista. A montante da aplicação dos dispositivos penais, devem situar-se os dispositivos preventivos. Ora, é nesta questão que eu me foco, não questiono substancialmente os dispositivos penais, questiono a sua eficácia na ausência de dispositivos preventivos.
O que eu tento questionar é o discurso renitente que clama por castigo para acções já ocorridas, sem percorrer o raciocínio que conduz à dedução de que, se houvera prevenção não fora necessário clamar por castigo. Mas como não houve prevenção não há quem castigar, porque o dolo não tem autoria atribuída. E esta dedução é tão liminar que se continua a clamar por castigo, mas não se enxerga quem se há de castigar. E assim continuaríamos se a questão não se invertesse.
Bem, no que respeita à aplicação de castigos, penso ainda que a sua aplicação nunca seria equitativa. Seja, as entidades tutelares podem praticar dolo sobre o património, em circunstâncias que se apresentam obviamente no alcance dos dispositivos penais, mas são elas que decidem sobre as circunstâncias em que um dispositivo penal deve ser aplicado, ou pelo menos intervêm nessa decisão, porque lhes compete autorizar ou não o dolo.
Talvez não fosse dspropositado iniciar um estudo rigoroso quantitativo, associando várias variantes. O recenseamento das intervenções dolosas e das circunstâncias em que ocorrem ou ocorreram, A ratio entre devastações e pilhagens, programadas ou circunstanciais. A ratio entre dolos denunciados e detectados e processos penais com conclusão, ou meramente atribuição de autoria. Etc., etc., etc.. Sem estes instrumentos, talvez não consigamos produzir um raciocínio operacional. Continuaremos a verberar, caso a caso, contra as ocorrências recenseadas a posteriori, sem conseguir evitar alguma.
É óbvio que tem razão quando alega que os dispositivos penais são, eles também, dispositivos preventivos, enquanto dissuasores. Mas quando verificamos que na prática não tiveram eficácia, deixaram de ser dissuasores.
Não nos podemos esquecer de que o desenvolvimnto deste nosso diálogo tem como motivo próximo o comentário de uma intervenção que refere explicitamente o caso espanhol, denunciando um panorama tenebroso que refere intervenções de vulto em sítios classificados, escavações a bem dizer, não apenas prática ocorrente de detectorismo, que não tiveram consequências penais.
Eu não adiro, de ânimo leve, à teoria das conspirações. Prefiro, neste caso, pôr em destaque o desleixo. Seja, uma efectiva política de preservação, de vigilância e de valorização, em regime de proximidade, mobilizando a comunidade e a sua participação e fruição activa do património. Para tal, seriam necessários muitos mais animadores culturais de proximidade, do que arqueólogos. E porque não haveriam os arqueólogos de desempenhar esse papel, escavando-se menos sem um programa consistente de trabalhos arqueológicos?
Bem, poderia alegar ainda que o vencimento de um magistrado cobriria o montante dos de três ou quatro arqueólogos e que os custos de um processo judicial excederiam em muito os de muitas acções preventivas eficazes. Transferindo a matéria para o território da economia doméstica e do rol das mercearias.
A complexidade destas matérias vai-nos dar oportunidade para trocarmos muitos comentários.
 
Manuel de Castro Nunes

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Manuel de Castro Nunes

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