Público, 19.06.2009,
Maria Antónia Zacarias
Trabalhos para a instalação das empresas do grupo
Embraer, que irão criar 500 postos de trabalho, prosseguem a ritmo normal
Os trabalhos de
acompanhamento arqueológico relativos ao loteamento do Parque da Indústria
Aeronáutica, da responsabilidade da Câmara de Évora, para onde está prevista a
instalação de duas empresas do grupo brasileiro Embraer, permitiram a
identificação de importantes achados, enriquecedores para o conhecimento do
passado histórico-cultural eborense. As obras, situadas junto do aeródromo
municipal, vão manter o seu ritmo normal de trabalho.
Isso mesmo já foi
explicado, em comunicado, pela autarquia, esclarecendo que a descoberta destes
contextos arqueológicos "não atrasa em nada as obras de loteamento, considerada
importante infra-estrutura para o crescimento económico da região, uma vez que
as máquinas foram deslocadas para outras frentes de trabalho".
Também os
arqueólogos reiteram esta acção, avançando mesmo com a informação de que "o
registo arqueo-lógico não está a ser comprometido, não se justificando o
embargo de uma obra que vai trazer cerca de 500 postos de trabalho à cidade".
Segundo Tânia Casimiro, arqueóloga da empresa contratada pelo município,
"foi identificada uma extensa e complexa área de necrópole, aparentemente
utilizada durante o final da II Idade do Ferro [época na qual se multiplicam os
contactos entre o substrato indígena e a cultura e colonos romanos], onde se
registaram, até ao momento, cerca de 100 sepulturas". Inicialmente, os
especialistas pensaram tratar-se de silos, mas depois perceberam que eram
"fossas de inumação", sepulturas onde eram depositados os restos mortais dos
corpos que eram cremados. "Encontrámos uma urna inteira, dentro da qual estavam
os restos funerários, as cinzas com pequenos fragmentos em osso, que era
colocada no fundo da sepultura e depois tapada com terra", explicou.
Estas
sepulturas consistem em escavações no substrato geológico, cuja profundidade
oscila entre os 20 e os 120 centímetros, possivelmente servindo diversas
funcionalidades. Ainda segundo Tânia Casimiro, não é muito comum no Sul do país
encontrar-se "fossas" com estas dimensões, "o que é uma novidade e que pode ter
muitas explicações, nomeadamente a posição social que tinham os defuntos".
A escavação destas estruturas funerárias permitiu já compreender que se
trata de sepulturas individuais, onde eram dispostos restos de cremação, no
interior de urnas em cerâmica, acompanhadas de pequenas oferendas. "Daí termos
encontrado contas, vidros, frascos de óleos balsâmicos que têm a ver com o
ritual de preparação do corpo antes da cremação", frisou a mesma responsável.
Com o alargamento da área onde se encontra a necrópole, foi descoberta uma
área com vestígios de cinzas, carvões e materiais carbonizados, que os
arqueólogos julgam tratar-se da zona de cremação daquele campo funerário. Os
mesmos especialistas afirmam também que, aparentemente, várias sepulturas
teriam sido violadas, ao longo de épocas históricas, desde o período romano até
à época medieval/moderna.
Descobertos 300 metros da via romana que fazia a ligação entre Évora e
Beja
19.06.2009
Uma
das 100 fossas de inumação já detectadas, onde eram depositados os restos
mortais dos corpos
a A arqueóloga Tânia Casimiro salientou também a
importante identificação de um troço da via romana que ligava Évora e Beja,
tendo sido encontrados já 300 metros. "Trata-se de uma via com cerca de 3,5
metros de largura, apresentando as técnicas construtivas características dos
caminhos romanos, com as bermas delimitadas por grandes blocos de pedra,
dispostos em cunha, e o leito constituído por pedras mais pequenas,
compactadas, faltando-lhe apenas a cobertura de lajes que poderia ter existido,
ou mais certamente ter desaparecido", frisou.
Telmo Silva, outro arqueólogo
responsável pelos trabalhos, explicou haver a ideia que nesta mesma zona exista
"um povoado que deve ser pré-histórico com alguma ocupação romana por cima,
resultado da cerâmica encontrada, ou seja, pequenos vestígios que nós vamos
ainda aprofundar". A via vai ser toda limpa para que os técnicos de arqueologia
possam confirmar todo o processo construtivo, contando os técnicos escavar um
metro para cada lado.
De salientar ainda que esta via, que servia para
transporte de pessoas, mercadorias, animais - pois, no fundo, eram as estradas
que faziam as ligações entre as cidades romanas importantes -, "era até há
pouco tempo utilizada pelas máquinas agrícolas, como os tractores e mesmo
jipes, porque era uma zona que estava mais consolidada e compacta, e isso é
muito interessante porque se trata da reutilização desta via".
A equipa de
arqueólogos salientou, contudo, que apenas a continuação dos trabalhos de
acompanhamento e escavação destas realidades arqueo-lógicas, a desenvolver
durante as próximas semanas por cerca de duas dezenas de arqueólogos e técnicos
de arqueologia, permitirá ampliar o registo e conhecimento "acerca deste frágil
e importante fragmento da História eborense". M.A.Z.