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[Archport] Entrevista ao Ministro da Cultura no Público

Subject :   [Archport] Entrevista ao Ministro da Cultura no Público
From :   Alexandre Monteiro <no.arame@gmail.com>
Date :   Sat, 25 Jul 2009 12:02:07 +0100

Disse que ia fazer mais por menos e tem orgulho nisso

Público, 25.07.2009, Bárbara Reis (PÚBLICO) e Maria João Costa (Rádio
Renascença) e Rui Gaudêncio (foto)

Pinto Ribeiro é hoje um ministro cheio de "contentamento" depois de
Sócrates ter admitido o erro de não ter dado mais dinheiro à Cultura

Em fim de legislatura, o primeiro--ministro, José Sócrates, acaba de
assumir como erro ter investido pouco na Cultura. Num momento em que
há decepção pública na área, José António Pinto Ribeiro, segundo
ministro da Cultura do Governo socialista, fala de projectos, feitos e
por fazer, e pergunta-se: "O que é que andei cá a fazer?" E dá a
resposta. "Qualificar as pessoas, dar--lhes condições para serem
livres."

Estava à espera dessa admissão pública do primeiro-ministro? Afinal é
preciso mais dinheiro para a Cultura, ao contrário do que disse no
início do seu mandato?

Aquilo que disse não foi que queria menos dinheiro, foi que era
necessário fazer mais e melhor com menos. Isso significa sobretudo
multiplicar aquilo que se tem e fazer com que aquilo que se tem
permita fazer muito mais e melhor. Sobretudo, a noção de que cada uma
das coisas que se faz custe menos: poupar no esbanjamento e na
redundância e pensar em parceria com outros, numa rede, de modo a
envolver outras pessoas, entidades, agentes culturais, autarquias.

O que fez a seguir à admissão de Sócrates? Falou com o
primeiro--ministro? Já acordaram um reforço orçamental?

Essa declaração do primeiro--ministro encheu-me de contentamento.
Significa que ao longo deste ano e meio o convenci da essencialidade
do investimento na Cultura. A Cultura tem que ser uma política
transversal e de comprometimento. O que fiz foi explicar que era
preciso - depois de o Governo ter investido extraordinariamente em
Conhecimento e Ciência - juntar a esses dois "c", outros dois: os "c"
da Cultura e da Criatividade. É preciso passar de uma cultura do saber
para uma cultura do fazer.

Qual foi o impacto deste desinvestimento na Cultura?

Não houve desinvestimento na Cultura, pelo contrário, houve um
acréscimo do investimento na Cultura. Fazer mais e melhor com menos é
compreender que é preciso um grande rigor na execução dos orçamentos.
É preciso orçamentar bem e aplicar bem aquilo que se tem, ou seja,
gastar tudo aquilo que se tem. Se um ministro não gasta tudo, não tem
legitimidade nem razão para ir ter com o primeiro-ministro e dizer;
"Eu preciso, no próximo Orçamento, de mais."
Por várias razões, houve muitos anos em que não se gastou aquilo que
estava orçamentado. Em 2008, gastámos mais do que tínhamos. Pela
primeira vez, tal como em 1998, gastou-se mais do que tínhamos.

Não se arrepende, portanto, de ter dito que ia fazer mais com menos?

Não, não... Eu disse que era preciso... eu vou ler: "... Fazer mais e
melhor com menos, isto só é possível com a mobilização das pessoas,
dos agentes culturais e de toda a população."

Essa será a sua marca política. Tem orgulho em ter essa marca?

Sim, com certeza. Aquilo não foi dito inconscientemente. Aquilo em que
me empenhei fazer foi isso: parcerias e rede com outros para fazer
mais.

Quase parece que afinal não é preciso mais dinheiro...

Não, mas quando cheguei o Orçamento estava fechado.

É possível ser ministro da Cultura com 0,4 por cento do Orçamento
total do Estado?

É sempre possível face às circunstâncias fazer alguma coisa - não
fugir a elas, enfrentá-las e fazer algumas coisas. O orçamento deve
crescer? Obviamente que sim. O Orçamento do Estado deve dedicar à
Cultura - porque desempenha uma função absolutamente essencial -
recursos para o fazer.

E atingir o mítico 1 por cento?

Sim.

Onde é que houve a multiplicação de que fala?

O cheque-obra, o INOV-Art, a compra do Vieira Portuense, a compra do
espólio do Fernando Pessoa, a parceria para a vinda do Sena, as
parcerias com a Igreja Católica para a remodelação de 25 catedrais, o
trabalho com autarquias para restauro dos quatro principais mosteiros
- Jerónimos, Tomar, Alcobaça e Batalha. Tudo isso é feito usando
recursos de outros.

No cheque-obra (um por cento das obras públicas é dado pelo construtor
para recuperar património), quanto é que o ministério já recebeu?

650 mil euros [de dois concursos]. Um, eu gostava que fosse para o
Palácio de Queluz para limpar e pintar a cantaria, porque é um
edifício classificado e emblemático e é usado pela Presidência da
República para receber hóspedes do Estado.

Mas há um sentimento de mal--estar geral na Cultura. Reconhece que
decepcionou muitas pessoas?

Não tenho essa leitura, logo veremos se decepcionei ou não nos
resultados eleitorais, na pequena parte que me caiba.

Não é muito subjectivo - são manifestos escritos.

O que esses manifestos dizem é que é preciso mais dinheiro para a
Cultura e é preciso preservar o património. Essas duas coisas têm sido
feitas: gastámos 93 milhões de euros a restaurar património.

As pessoas não falam só de dinheiro. Por que é que há sempre esta insatisfação?

Mas por que é que diz isso? É óbvio que é necessário investir mais na
Cultura. Vou falar do INOV-Art: 442 jovens vão passar nove meses fora
de Portugal fazendo estágios profissionalizantes onde escolheram.
Passámos de 16 para 19 milhões de apoio às artes, apoiámos mais
artistas e mais companhias. Aumentámos em 20 por cento esse valor.

Alguns projectos notórios, como o Museu dos Coches, o Africa.cont ou a
exposição Encompassing the Globe não tiveram liderança da Cultura.
Parece que há dois ministros da Cultura.

O Encompassing the Globe é integralmente feito pelo Ministério da
Cultura, e resulta de uma parceria com o Turismo a dar o dinheiro -
fazer mais com menos. Em relação aos outros: quando cheguei ao
Ministério da Cultura, o Museu dos Coches estava decidido, em função
de um conjunto de decisões sucessivas tomadas por Santana Lopes,
Carrilho e, sobretudo, pelo Governo Durão Barroso, quando era ministra
das Finanças Manuela Ferreira Leite: usar as verbas do Casino de
Lisboa para esse efeito.


"Por que é o Museu da Viagem extraordinário?"


O presidente da Parque Expo acaba de dizer que entregou um
anteprojecto ao Governo para se criar no Pavilhão de Portugal "um
centro para mostrar a presença portuguesa no mundo". Ele está a falar
do futuro Museu dos Descobrimentos?

O que é o objectivo do Ministério da Cultura? O que é que andei cá a
fazer? Qualificar as pessoas, dar-lhes condições para serem livres,
terem espírito crítico e inteligência cultural. Como se faz isso?
Através da sua qualificação enquanto pessoas que pensam através da
língua. A língua é que lhes dá liberdade para serem diferentes, para
andarem no tempo e no espaço, para lerem o que outros leram, o que
outros pensaram. Mas é preciso dar às pessoas instrumentos de memória
- património - através dos quais construam a sua identidade.

Vai ser no Pavilhão de Portugal?

Há uma proposta entregue ontem [anteontem], um estudo prévio. Por que
é que o Museu da Viagem é extraordinário? Porque é extraordinário o
que fizemos, porque a viagem foi o que primeiro ligou o mundo, porque
nos permitiu sermos maiores do que somos. E essa viagem foi feita à
base de energias renováveis - correntes de mar e vento - e os modelos
que se seguiram, baseados nas energias fósseis, vieram a revelar-se
não democráticos e insustentáveis. Hoje estamos a regressar a uma
lógica de energias renováveis. Isto permite-nos fazer uma releitura do
nosso passado.

Não será dos Descobrimentos, mas da Viagem?

Pode ser de muitas maneiras, dos Descobrimentos, da Viagem, da Globalização...

Os especialistas sublinham que mapas e documentos fundamentais estão
no estrangeiro e até os defensores dizem que terão de ser tiradas
peças dos museus nacionais.

As peças não existem isoladamente. Estarem cinco peças isoladas em
Coimbra, três no Porto, duas em Guimarães, sete em Belmonte... ninguém
quer empobrecer isso.

Como não se empobrece?

Está-se a enriquecer, a criar massa crítica, a fazer uma coisa
articulada. Essas peças, nesses museus, não estão a criar uma
narrativa sobre nós. Quando fazemos um livro, pegamos em letras para
dar palavras, para dar frases, para dar um texto, para dar um livro.

Porquê fazer novos museus quando há tantos sem verbas, sem acervo, sem obras?

Talvez seja, exactamente, tocar com a mão na ferida. Muitos museus não
têm acervo, não têm dimensão, não têm algo que justifique as suas
visitas e, por isso, são pouco visitados. Temos que repensar o nosso
acervo museológico para ser eficaz na sedução das pessoas.

Vai resolver a questão antes das eleições?

Não governo para as eleições. Se não for ministro da Cultura no
próximo governo, alguém virá a seguir e terá o trabalho feito.

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