[Archport] "silly season": A resposta
Caros Archportianos,
(e Exmo. Prof. Dr. José Encarnação, estimado gestor do Archport)
Depois de ler, com estupefacção, o comentário assinado pelo Exmo. Prof. Dr.
Victor Gonçalves, intitulado "silly season", a minha reacção inicial foi,
simplesmente, ignorar o meu direito de resposta. Contudo, e após ser
contactada por vários colegas e amigos que, em Portugal, ficaram mais
surpreendidos do que a própria visada, concluo que é minha obrigação deixar
aqui uma respeitosa missiva, dirigida ao Ilustre Prof. Dr. Victor
Gonçalves. Faço-o, em nome da arqueologia, do progresso académico e da
investigação em Portugal e, principalmente, em nome de todos os estudantes
que têm, tiveram, ou querem ter a coragem de realizar investigação de
qualidade, em que acreditam. Possa, o meu contributo, evitar que outros
estudantes sejam presenteados com o mesmo tipo de escrita comediante, e já
terá valido a pena.
São várias, as cogitações, convites e humildes sugestões, que o comentário
do Exmo. Sr. Prof. Victor Gonçalves gerou nesta minha "silly" mente:
1)O comentário a artigos publicados na Nature, Science ou outra qualquer
revista científica credível, baseado em notícias jornalísticas, ou na
leitura de "abstracts-resumos", aumenta exponencialmente o risco de serem
cometidos erros grosseiros, devidos à falta de conhecimento da matéria
comentada. Para atenuar o desconhecimento do Exmo. Sr. Prof., deixo aqui a
referência bibliográfica do nosso artigo, pois estou certa que o lerá, na
íntegra, com o maior interesse e, com o seu inconfundível espírito crítico
(ver ponto número 4, para indicações de como submeter uma critica formal ao
nosso artigo).
2)Se eu despendesse o meu precioso tempo de investigação a escrever
comentários prazenteiros e galhofeiros deste teor e que, claramente,
procuram achincalhar de forma totalmente gratuita, trabalhos sérios de
investigação realizados por outros colegas, certamente eu NÃO teria: A) 17
colaboradores internacionais disponíveis para publicar comigo; B) algum
artigo publicado numa revista deste prestígio.
3)Deixo aqui um convite sincero ao Prof. Dr.: As portas estão abertas para
nos visitar em Cambridge, onde eu, e os meus Profs. de Arqueologia e
Primatologia/Antropologia, gostaríamos muito de o receber, e conversar
sobre essa esotérica ligação entre a arqueologia, a primatologia e a
evolução humana.
4)Deixo ainda aqui um segundo convite: Utilize os meios
mais apropriados para divulgar a sua indignação e submeta uma resposta na
mesma revista, porque a Nature, como sabe, divulga os comentários
pertinentes aos artigos publicados, e eu estou certa que o Exmo. Prof. Dr.
submeterá algo que será aceite para publicação.
5)Estou disponível para fornecer ainda todos os contactos dos meus colegas
co-autores (aqueles que denomina de "refugiados iranianos ou tailandeses em
fuga"). Tendo todos eles sido alvo da mesma atenção noticiosa que eu, no
seu próprio país, não tiveram, porém, a mesma sorte de ser premiados com um
brilhante e prazenteiro comentário, sobretudo quando proveniente de um
ilustre Prof. Catedrático. No entanto, todos se encontram à sua disposição,
para prestar detalhes adicionais sobre a nossa "silly" actividade.
6) Deixo ainda, Exmo. Prof. Dr., uma pequenita e humilde nota: Macaco não é
Chimpanzé (e, já agora, Homem é Primata). Achei que seria de bom-tom
evocarmos estes detalhes no ano em que se comemoram os 200 anos de Darwin.
E, já agora, deixo também, mais uma referência bibliográfica: O artigo que
correu mundo em 2007, e que foi considerado uma das 10 maiores descobertas
da década, onde está publicado o resultado da escavação de um local
abandonado por chimpanzés há 4.300 anos onde, imagine-se, foram recuperadas
as ferramentas líticas utilizadas por estes primatas não-humanos!
7) Finalmente, ainda gostaria, se me é permitido, de deixar uma pontinha de
novidade científica (A) e um estimado agradecimento (B): A) (suponhamos
que) durante a nossa última "silly season", terminada há duas semanas atrás
em Koobi Fora, no Lago Turkana, Quénia, se encontravam, em depósitos com
mais de 3 milhões de anos, martelos e bigornas quase quase iguaizinhos aos
utilizados hoje por chimpanzés???!!! B) Agradeço, sinceramente, o
comentário: São estas pérolas da arqueologia portuguesa, que me fazem
garantir publicamente que, ao contrário de outros colegas que perderam a
paciência (e com razão), eu estarei de volta ao meu país para trabalhar,
mesmo que isso incomode alguma gente (e especialmente por isso mesmo).
Esperando, ainda, que muitos outros possam seguir o meu exemplo.
Para marcar a despedida, dedico a seguinte passagem, de um dos meus
escritores favoritos, a todos os estudantes de Arqueologia, em Portugal:
"Do que você precisa, acima de tudo, é de se não lembrar do que eu lhe
disse; nunca pense por mim, pense sempre por você; fique certo de que mais
valem todos os erros se forem cometidos segundo o que pensou e decidiu do
que todos os acertos, se eles foram meus, não são seus. Se o criador o
tivesse querido juntar muito a mim não teríamos talvez dois corpos
distintos ou duas cabeças também distintas. Os meus conselhos devem servir
para que você se lhes oponha. É possível que depois da oposição, venha a
pensar o mesmo que eu; mas, nessa altura, já o pensamento lhe pertence. São
meus discípulos, se alguns tenho, os que estão contra mim; porque esses
guardaram no fundo da alma a força que verdadeiramente me anima e que mais
desejaria transmitir-lhes: a de se não conformarem." (Agostinho da Silva,
"Cartas a um jovem filósofo")
Estimadas saudações arqueológicas e primatológicas,
Susana Carvalho
PS - Gostaria ainda de assegurar a todos os colegas e amigos
que, conhecendo-me, estarão certamente surpreendidos com esta minha
intervenção no Archport: Eu não darei continuidade a folhetins, porque
considero e respeito o Archport como um espaço construtivo de divulgação
científica e nutro, pelo Prof. José Encarnação, o mais sincero respeito.
Como tal, comentários sarcásticos terão a devida resposta, em local
mais apropriado.
Referências:
Haslam, M.; Hernandez-Aguilar, A.; Ling, V.; Carvalho, S.; de la Torre, I.;
DeStefano, A.; Du, A.; Hardy, B.; Harris, J.; Marchant, L.; Matsuzawa, T.;
McGrew, W. C.; Mercader, J.; Mora, R.; Petraglia, M.; Roche, H.;
Visalberghi, E.; Warren, R. (2009). Primate archaeology. Nature, 460:
339-444.
Mercader, J., Barton, H., Gillespie, J., Harris, J., Kuhn, S., Tyler, R., &
Boesch, C. (2007). 4,300-year-old chimpanzee sites and the origins of
percussive stone technology. Proceedings of National Academy of Sciences of
the USA, 104: 1-7.
E ainda
Carvalho, S.; Cunha, E.; Sousa, C.; Matsuzawa, T. (2008) Chaînes
Operatóires and Resource Exploitation Strategies in Chimpanzee Nut-cracking
(Pan troglodytes). Journal of Human Evolution - 55: 148-163,
http://www.science-direct.com/science/journal/00472484, Download the
article here.
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Susana Carvalho
PhD Student
Leverhulme Centre for Human Evolutionary Studies
Department of Biological Anthropology
University of Cambridge
Henry Wellcome Building, Fitzwilliam Street
Cambridge CB2 1QH
United Kingdom
www.human-evol.cam.ac.uk/
www.greenpassage.org
Telf: +44 (0) 1223764720
Fax:+ 44 (0) 1223764710
Queen's College, Cambridge