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[Archport] "silly season": A resposta

Subject :   [Archport] "silly season": A resposta
From :   Susana Carvalho <scr50@cam.ac.uk>
Date :   10 Aug 2009 16:21:45 +0100


Caros Archportianos,

(e Exmo. Prof. Dr. José Encarnação, estimado gestor do Archport)


Depois de ler, com estupefacção, o comentário assinado pelo Exmo. Prof. Dr. Victor Gonçalves, intitulado "silly season", a minha reacção inicial foi, simplesmente, ignorar o meu direito de resposta. Contudo, e após ser contactada por vários colegas e amigos que, em Portugal, ficaram mais surpreendidos do que a própria visada, concluo que é minha obrigação deixar aqui uma respeitosa missiva, dirigida ao Ilustre Prof. Dr. Victor Gonçalves. Faço-o, em nome da arqueologia, do progresso académico e da investigação em Portugal e, principalmente, em nome de todos os estudantes que têm, tiveram, ou querem ter a coragem de realizar investigação de qualidade, em que acreditam. Possa, o meu contributo, evitar que outros estudantes sejam presenteados com o mesmo tipo de escrita comediante, e já terá valido a pena.

São várias, as cogitações, convites e humildes sugestões, que o comentário do Exmo. Sr. Prof. Victor Gonçalves gerou nesta minha "silly" mente:

1)O comentário a artigos publicados na Nature, Science ou outra qualquer revista científica credível, baseado em notícias jornalísticas, ou na leitura de "abstracts-resumos", aumenta exponencialmente o risco de serem cometidos erros grosseiros, devidos à falta de conhecimento da matéria comentada. Para atenuar o desconhecimento do Exmo. Sr. Prof., deixo aqui a referência bibliográfica do nosso artigo, pois estou certa que o lerá, na íntegra, com o maior interesse e, com o seu inconfundível espírito crítico (ver ponto número 4, para indicações de como submeter uma critica formal ao nosso artigo).

2)Se eu despendesse o meu precioso tempo de investigação a escrever comentários prazenteiros e galhofeiros deste teor e que, claramente, procuram achincalhar de forma totalmente gratuita, trabalhos sérios de investigação realizados por outros colegas, certamente eu NÃO teria: A) 17 colaboradores internacionais disponíveis para publicar comigo; B) algum artigo publicado numa revista deste prestígio. 3)Deixo aqui um convite sincero ao Prof. Dr.: As portas estão abertas para nos visitar em Cambridge, onde eu, e os meus Profs. de Arqueologia e Primatologia/Antropologia, gostaríamos muito de o receber, e conversar sobre essa esotérica ligação entre a arqueologia, a primatologia e a evolução humana.

4)Deixo ainda aqui um segundo convite: Utilize os meios mais apropriados para divulgar a sua indignação e submeta uma resposta na mesma revista, porque a Nature, como sabe, divulga os comentários pertinentes aos artigos publicados, e eu estou certa que o Exmo. Prof. Dr. submeterá algo que será aceite para publicação. 5)Estou disponível para fornecer ainda todos os contactos dos meus colegas co-autores (aqueles que denomina de "refugiados iranianos ou tailandeses em fuga"). Tendo todos eles sido alvo da mesma atenção noticiosa que eu, no seu próprio país, não tiveram, porém, a mesma sorte de ser premiados com um brilhante e prazenteiro comentário, sobretudo quando proveniente de um ilustre Prof. Catedrático. No entanto, todos se encontram à sua disposição, para prestar detalhes adicionais sobre a nossa "silly" actividade.

6) Deixo ainda, Exmo. Prof. Dr., uma pequenita e humilde nota: Macaco não é Chimpanzé (e, já agora, Homem é Primata). Achei que seria de bom-tom evocarmos estes detalhes no ano em que se comemoram os 200 anos de Darwin. E, já agora, deixo também, mais uma referência bibliográfica: O artigo que correu mundo em 2007, e que foi considerado uma das 10 maiores descobertas da década, onde está publicado o resultado da escavação de um local abandonado por chimpanzés há 4.300 anos onde, imagine-se, foram recuperadas as ferramentas líticas utilizadas por estes primatas não-humanos!

7) Finalmente, ainda gostaria, se me é permitido, de deixar uma pontinha de novidade científica (A) e um estimado agradecimento (B): A) (suponhamos que) durante a nossa última "silly season", terminada há duas semanas atrás em Koobi Fora, no Lago Turkana, Quénia, se encontravam, em depósitos com mais de 3 milhões de anos, martelos e bigornas quase quase iguaizinhos aos utilizados hoje por chimpanzés???!!! B) Agradeço, sinceramente, o comentário: São estas pérolas da arqueologia portuguesa, que me fazem garantir publicamente que, ao contrário de outros colegas que perderam a paciência (e com razão), eu estarei de volta ao meu país para trabalhar, mesmo que isso incomode alguma gente (e especialmente por isso mesmo). Esperando, ainda, que muitos outros possam seguir o meu exemplo.

Para marcar a despedida, dedico a seguinte passagem, de um dos meus escritores favoritos, a todos os estudantes de Arqueologia, em Portugal: "Do que você precisa, acima de tudo, é de se não lembrar do que eu lhe disse; nunca pense por mim, pense sempre por você; fique certo de que mais valem todos os erros se forem cometidos segundo o que pensou e decidiu do que todos os acertos, se eles foram meus, não são seus. Se o criador o tivesse querido juntar muito a mim não teríamos talvez dois corpos distintos ou duas cabeças também distintas. Os meus conselhos devem servir para que você se lhes oponha. É possível que depois da oposição, venha a pensar o mesmo que eu; mas, nessa altura, já o pensamento lhe pertence. São meus discípulos, se alguns tenho, os que estão contra mim; porque esses guardaram no fundo da alma a força que verdadeiramente me anima e que mais desejaria transmitir-lhes: a de se não conformarem." (Agostinho da Silva, "Cartas a um jovem filósofo")


Estimadas saudações arqueológicas e primatológicas,

Susana Carvalho


PS - Gostaria ainda de assegurar a todos os colegas e amigos que, conhecendo-me, estarão certamente surpreendidos com esta minha intervenção no Archport: Eu não darei continuidade a folhetins, porque considero e respeito o Archport como um espaço construtivo de divulgação científica e nutro, pelo Prof. José Encarnação, o mais sincero respeito. Como tal, comentários sarcásticos terão a devida resposta, em local mais apropriado.


Referências:


Haslam, M.; Hernandez-Aguilar, A.; Ling, V.; Carvalho, S.; de la Torre, I.; DeStefano, A.; Du, A.; Hardy, B.; Harris, J.; Marchant, L.; Matsuzawa, T.; McGrew, W. C.; Mercader, J.; Mora, R.; Petraglia, M.; Roche, H.; Visalberghi, E.; Warren, R. (2009). Primate archaeology. Nature, 460: 339-444.

Mercader, J., Barton, H., Gillespie, J., Harris, J., Kuhn, S., Tyler, R., & Boesch, C. (2007). 4,300-year-old chimpanzee sites and the origins of percussive stone technology. Proceedings of National Academy of Sciences of the USA, 104: 1-7.

E ainda	

Carvalho, S.; Cunha, E.; Sousa, C.; Matsuzawa, T. (2008) Chaînes Operatóires and Resource Exploitation Strategies in Chimpanzee Nut-cracking (Pan troglodytes). Journal of Human Evolution - 55: 148-163, http://www.science-direct.com/science/journal/00472484, Download the article here.




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Susana Carvalho
PhD Student
Leverhulme Centre for Human Evolutionary Studies
Department of Biological Anthropology
University of Cambridge
Henry Wellcome Building, Fitzwilliam Street
Cambridge CB2 1QH
United Kingdom

www.human-evol.cam.ac.uk/
www.greenpassage.org

Telf: +44 (0) 1223764720
Fax:+ 44 (0) 1223764710

Queen's College, Cambridge







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