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[Archport] Sobre a Necrópole Romana de Évora

To :   ARCHPORT [Lista de Discusão] <archport@ci.uc.pt>
Subject :   [Archport] Sobre a Necrópole Romana de Évora
From :   Gerardo Vidal <gerardo.vidal.goncalves@gmail.com>
Date :   Thu, 15 Oct 2009 22:52:53 +0100

Ex. mos colegas e amigos:

Após assistir a trocas de mensagens e exposições na lista de discussão ARCHPORT sobre a "Necrópole Romana de Évora", como responsável científico pela intervenção, gostaria de esclarecer algumas questões sobre o assunto em causa. Não vou, como seria de esperar, debruçar-me sobre questões que possam ser mais polémicas e que consigam percorrer o limiar do campo das especulações e juízos de valor. Posto isto, gostaria de começar pelo início.

1.       A descoberta da primeira necrópole romana de Évora encontra-se inserida nos trabalhos de acompanhamento arqueológico de obra realizados na Escola Secundária Gabriel Pereira

2.       O acompanhamento arqueológico que deu origem ao desenrolar da descoberta foi realizado no âmbito do “programa de modernização da rede pública de escolas secundárias e outras afectas ao Ministério da Educação”, desenvolvido pelo PARQUE ESCOLAR, E.P.E. (pessoa colectiva de direito público de natureza empresarial).

3.       A necrópole em causa foi identificada após mais de 5 meses de acompanhamento arqueológico de obra no interior e exterior da escola.

4.       O programa de modernização da rede pública de escolas secundárias e outras afectas ao Ministério da Educação implicava a remodelação de alguns edifícios no interior da escola, implantação de infra-estruturas, edificação de novas instalações, abertura de valas e implantação de um sofisticado sistema de refrigeração conhecido pela designação de AVAC. As informações podem ser documentadas em ESGP

5.       O acompanhamento arqueológico de obra foi assegurado em toda e qualquer situação em que se viesse a verificar movimentação de terras, taludes, abertura de roços, remoção ou implantação de fundações e limpeza de alguma vegetação na envolvência.

6.       As primeiras evidências de contextos funerários verificaram-se com a abertura de um canal ou vala, no interior do antigo pavilhão A3, para implementação do já referido sistema AVAC de refrigeração.

7.       Foram identificados, no interior desta edificação, dois contextos funerários de incineração. Estes contextos funerários e a intervenção consequente foram acompanhados, do ponto de vista arqueológico, pela Dr.ª Teresa Matos Fernandes, responsável pelo Laboratório de Antropologia de Universidade de Évora.

8.       Na sequência do acompanhamento arqueológico, relativo à implementação do sistema AVAC, foram identificados, já no exterior do edifício (pavilhão A3), um outro conjunto de contextos funerários, também de incineração, certamente relacionados, espacial e cronologicamente, com as referências do ponto 7.

9.       A intervenção arqueológica em contexto de necrópole sofreu o seu apogeu com a descoberta deste segundo conjunto de elementos funerários.

10.   Posso, em primeira mão, referir que a intervenção arqueológica incidiu sobre três tipos de estruturas funerárias a saber:

 

a.       Sepultura estruturada em caixa

b.    Sepultura estruturada em telhado de duas águas, constituído por materiais de construção reaproveitados

c.       Ritual de incineração em urna, implantada em pequena cova ao nível de circulação, definido por piso/calçada

 

11.   Toda, repito, toda a intervenção seguiu os critérios e metodologias habituais de uma intervenção arqueológica.

12.   Foram recolhidos todos os sedimentos presentes nos contextos de incineração para serem posteriormente estudados pela equipa de antropologia biológica da Universidade de Évora, dirigida pela Dr.ª Teresa Matos Fernandes.

13.   As urnas e todo o conteúdo que nelas foi depositado será, como foi referido no ponto anterior, alvo de estudo por parte da equipa de antropologia biológica da Universidade de Évora.

14.   A necrópole, como foi referido na peça da SIC, publicada no final do mês de Agosto (31.08.2009), poderá ser enquadrável cronologicamente no espaço de tempo que percorre desde a primeira metade do século I até, presumivelmente os finais do século II. Facto este atestado, em parte, por dois numismas (…VDIVS CAESAR AVG – SC Min. & M.AGRIPA) e algum espólio cerâmico bastante específico ainda em estudo.

15.   Relativamente a outras questões de carácter mais logístico gostaria ainda de referir que a intervenção foi realizada durante o mês de Agosto com uma equipa constituída por arqueólogos e técnicos que, com garantido empenho, dedicação, qualidade e esforço, dedicaram 12 horas de trabalho diário durante os sete dias da semana. Gostaria ainda de referir que os trabalhos de escavação não foram suspensos. A escavação foi dada por concluída no final de Agosto e os trabalhos de acompanhamento arqueológico na zona envolvente à estação arqueológica tiverem a continuidade garantida, agora com um especial cuidado pois já existiam referências contextuais, topográficas e espaciais que alertavam para eventuais réplicas contextuais.

16.   Gostaria ainda de referir o incondicional apoio da delegação regional do IGESPAR na pessoa da Dr.ª Leonor Rocha, quem sempre se mostrou disponível para avaliar as situações derivadas dos habituais contextos de acompanhamento arqueológico de obra, intervenções de salvaguarda, e intervenções de emergência que, a julgar pela experiência que tenho tido, distam bastante dum outro tipo de actividade programada já nos domínios da investigação “pura e dura”. Gostaria ainda de agradecer ao Dr. Rafael Alfenim por ter disponibilizado a notícia na lista de discussão, ao Dr. José d'Encarnação e aos restantes membros da lista que, de uma forma ou de outra, discerniram sobre o tema.

Já fora dos números e pontos que se repetem do 1º ao 16º… gostaria de referir que a “destruição controlada”, alegadamente proferida por Conceição Maia, responsável pelo organismo que, legalmente, efectuou os trabalhos arqueológicos, isto é, ARKEOHABILIS, Arqueologia e Paisagem , encontra-se bastante descontextualizada pela comunicação social, pois a destruição controlada refere-se ao acompanhamento arqueológico de obra e não à uma “destruição controlada” da necrópole com o intuito de recolher as peças e espólio artefactual.

Gostaria ainda, como responsável científico pelos trabalhos, de agradecer a toda a equipa que tornou possível a escavação integral da área arqueológica a começar por Conceição Maia e Frederico Carvalho, I. Santos, Nuno Fortunato, colaboradores e técnicos do consorcio económico que, no obstante a importância do factor económico sobre o cultural, colaboraram para garantir a escavação arqueológica, o registo, estudo e até uma eventual componente museológica no interior da escola.

Gostaria também agradecer a todos a preocupação que tem demonstrado com as questões da salvaguarda do património histórico e arqueológico e as dificuldades que todos certamente sentimos nos contextos de arqueologia de salvaguarda.

 

Uma cordial saudação para todos aqueles que usufruem da paixão pela arqueologia e pela história.

 

Sem mais assunto,

 

Gerardo




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