---------- Mensagem encaminhada ----------
De:
Manuel Castro Nunes <arteminvenite@gmail.com>
Data: 14 de Março de 2010 02:54
Assunto: A História em perigo. Confusão ideológica.
Para:
histport@ml.ci.uc.pt
Pois claro, a História em perigo. Grande surpresa...
Por mim, continuo a pensar que, enquanto os debates sobre o Sistema Educativo, nomeadamente os ciclos da Escolaridade Obrigatória, continuarem circunscritos a questões circunstanciais, como a avaliação dos professores, o Estatuto da Carreira Docente, a disciplina e a autoridade, etc., podem propor-se todos os disparates na estrutura curricular, vai tudo dar ao mesmo. Porque a grande questão que continua a substituir, ficou em suspenso na precipitação da última reforma estrutural do sistema, que acabou por redundar, mau grado o discurso envolvente que aparentemente a suportava, numa reforma curricular tecnocrata.
Seja, ficou por definir a finalidade do sistema, do ensino e da sua obrigatoriedade.
Numa sociedade democrática, a obrigatoriedade do ensino, ou se suporta em valências explícitas, ou é um paradoxo.
Houve então vozes dissonantes? Muito poucas. O Sistema Educativo resumia-se a uma equação: currículo e empregabilidade. Nem vale a pena trazer à colacção a matéria da formação técnico-profissional.
Mas os historiadores andam idelogicamente desorientados. Ainda há pouco recebeu honras de acolhimento com palmas uma entrevista de Francesco Alberoni que transcrevo:
Transcrito de De Rerum Natura.
O sociólogo, escritor e jornalista Francesco Alberoni (na foto) publicou a 2 de Novembro no Corriere della Sera uma crítica ao ensino italiano, cuja versão portuguesa saiu no dia 10 de Novembro no jornal "I". Vale a pena republicá-lo aqui:
"Nos últimos 40 anos, os pedagogos quase destruíram as bases do pensamento racional e os fundamentos da nossa civilização. E fizeram-no com a ajuda de uma única decisão: eliminando as datas, acabando com a obrigatoriedade de apresentar os factos por ordem cronológica. Agora é normal ouvir dizer que Manzoni viveu no século XVI. Não há razões para espanto porque na escola já não se ensinam os acontecimentos pela respectiva ordem temporal, dizendo, por exemplo, que Alexandre Magno viveu antes de César, que, por sua vez, viveu antes de Carlos Magno, e só depois vem Dante e, em seguida, Cristóvão Colombo.
Esta pedagogia foi importada dos Estados Unidos, um país sem história que tenta anular as raízes históricas dos seus habitantes para que se tornem cidadãos norte-americanos. Aplicá-la a Itália, produto de uma estratificação histórica com três mil anos, e ao resto da Europa, que tem raízes culturais gregas, romano e judaico-cristãs, é equivalente a destruir-lhes a identidade. Ao contrário de nós, as civilizações islâmica e chinesa estudam obstinadamente a sua história, para se conhecerem melhor e se reforçarem.
Perder a capacidade de ordenar cronologicamente os acontecimentos significa igualmente perder a identidade pessoal. Quando perguntamos a alguém "Quem és?", essa pessoa conta-nos o que fez e o que faz nesse momento. Quando procuramos trabalho, apresentamos o nosso currículo. Quando nos apaixonamos, contamos a nossa vida à pessoa que amamos. Hoje vemos muita gente que já não sabe ordenar aquilo que viveu e vê o passado apenas como uma sucessão caótica de acontecimentos.
A desordem no pensamento reflecte-se na língua. A escola já não ensina gramática, análise cronológica ou consecutio temporum. Há quem não distinga o passado próximo do passado remoto, quem não perceba a lógica do conjuntivo e do condicional e alguns confundem até o presente com o futuro. É a desagregação mental, a demência.
Cara ministra Gelmini, peço-lhe que me dê ouvidos e afaste todos os pedagogos desta corrente nefasta. E depois, por favor, obrigue todos os professores a fazerem um curso de História com datas e um curso de Gramática. Finalmente, mande instalar em todas as salas de aula um grande cartaz horizontal onde estão assinalados, por ordem cronológica, todos os episódios significativos da história, para que os nossos jovens possam habituar-se à sucessão temporal. Uma muleta para o cérebro."
Ora bem. O sistema ainda não encontrou a sua finalidade. A História anda mesmo às aranhas...
Pensemos, então.
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Manuel de Castro Nunes