[Archport] A Segunda Pele.
De novo o Museu Nacional de Arqueologia
O circo das argumentações para suportar incoerências
Coimbra, Évora, Braga, Porto, enfim, será que Paio Pires não encontrará também um argumento para sediar o Museu Nacional de Arqueologia? Ou o Funchal?
Quando o draconiano prazo e topográfico destino estão estabelecidos, qualquer imaginária solução alternativa me parece não pretender mais do que justificar o desalojamento. Só agora os regionalistas despertaram para o apetite?
E, na ausência de política coerente de administração da Rede Nacional de Museus, todos têm o direito por pugnar por melhores e mais qualificados equipamentos museológicos. Seja, os museus estão em agonia. Que tem isso que ver com a questão do desalojamento do MNA? Eu não encontro associação alguma.
Como é óbvio, a actual sede do MNA não é com certeza, do ponto de vista, o espaço operacionalmente mais adequado. Necessitaria, obviamente, de se estender progressivamente para outros espaços habilitados ao cumprimento do seu papel como equipamento museológico. Esta questão é muito antiga, nem necessitamos de perder tempo a detalhá-la.
Para tal, todavia, a sua sede visível, que é quase o cartão da sua identidade, não devia ser alienada. Porque é ali que o imaginário da comunidade o identifica e o representa, mesmo para o exterior. É, como o já disse antes, património imaterial, mau grado a sua incontornável materialidade.
Não existem, do meu ponto de vista, razões operacionais que justifiquem o desalojamento. As questões operacionais teriam sempre solução.
A única razão parece ser, objectivamente, um negócio por detrás da porta, uma vez que para a maioria dos portugueses os contornos nem são óbvios.
Mas a questão do MNA afigura-se-me como uma metáfora. A Segunda Pele. Seja, estamos a confrontar-nos com um Estado que parece ter a intenção de fundar uma Nação nova. Para se representar na sua pujança de imaginária revolução, necessita de edificar as suas novas insígnias e rasurar as velhas. Quem não compreender este fenómeno, vai continuar a esgrimir argumentos de circunstância sugeridos pela aflição.
Será que veremos a residência do Primeiro Ministro desalojada de São Bento para um condomínio fechado na Quinta da Marinha? A sede da Presidência da República para a Torre Vasco da Gama? O Ministério da Cultura desalojado do decrépito Palácio da Ajuda para um edifício de raiz a construir no âmbito da re-urbanização do Funchal?
Todos os paradoxos seriam imagináveis.
Porque do que se trata é de vestir a Nação com fato novo para lhe desmantelar a identidade. A Segunda Pele.
É novo? Não. Já acontecera com Duarte Pacheco, quando se reclamava a milenaridade da Nação para lhe subverter a identidade.
Repetiu-se em alguns sussurros, depois.
Agora, está à vista a derrocada. È da mesma sede que dimana a atenuação do peso da disciplina de História dos currículos da escolaridade básica.
Também… da forma como ela era já transmitida…
Para a compreensão desta intervenção remeto para uma anterior:
A propósito da peregrina ideia de supressão do Museu Nacional de Arqueologia
Bem, não há ideia que, do ponto de vista doutrinário, não seja válida como proposta de reflexão e ponderação. E se não houver ideias novas, mesmo que venhamos a verificar que não têm nem tinham qualquer sentido ou oportunidade, ficaremos circunscritos às velhas, que foram, no acto e tempo da sua formulação, novas.
Vem isto a propósito do retomar da questão no âmbito de uma troca de intervenções em archport a propósito da forma como se encontram expostos os monumentos epigráficos recolhidos no Museu de Idanha.
Não sendo esse o propósito desta breve intervenção, devo exprimir o meu apoio à ideia de destacar, através de pintura da cavidade de incisão dos caracteres, o texto. Nem compreendo que critério pressupostamente fundamentalista o impediria. Acrescentaria que na época da sua execução as cavidades incisas correspondentes aos caracteres deviam ser, em muitos dos casos, preenchidas com betume, colorido com pigmentos, metodologia a que se recorreria nos séculos XVI, XVII e XVIII. Mas esta é outra questão para outra oportunidade.
Porque a matéria extravagou para outra, a da supressão do Museu Nacional de Arqueologia. Cerca de um mês após se saber que o seu actual Director fora reconduzido no cargo. Pelo que o assunto parece assumir duas vertentes.
Uma, política e circunstancial, relaciona-se, do meu ponto de vista, com efemeridades políticas. Seja: uma vez reconduzido no cargo um dos mais acérrimos opositores à desinstalação do Museu da sua actual sede, sem um consistente programa de reinstalação, pois então suprima-se, fica o assunto arrumado, com os espólios empacotados na Cordoaria, à espera que os museus regionais e locais, na maioria moribundos, os possam realojar.
Outra vertente entronca numa doutrina muito antiga, que reflecte sobre a oportunidade e o sentido dos museus nacionais.
E esta questão, sim, tem toda a legitimidade, como proposta de reflexão capaz de produzir novas doutrinas e práticas no domínio da museologia e da gestão dos equipamentos museológicos.
Pretendo contribuir de forma estruturada para o desenvolvimento do tema. E fá-lo-ei estruturado por dois tópicos:
A reinstalação do Museu Nacional de Arqueologia não pressupõe necessariamente a alienação do espaço de referência onde permanece instalado desde 1906, aberto ao público, desde 1900, afectação do edifício. Pressupõe a afectação de novas instalações operacionais que lhe permitam desempenhar e reforçar o seu papel.
O Museu Nacional de Arqueologia não vale pelos espólios que alberga. Vale como instituição, como referência indelével e axial na História da Arqueologia em Portugal. Como já o afirmei, é património cultural material e imaterial. Como símbolo e insígnia, a ocupação do seu domínio no Mosteiro dos Jerónimos deve ser considerado património imaterial da História da Arqueologia em Portugal.
Que o Museu Nacional de Arqueologia não devia ser o único e singular repositório não só de espólios materiais, mas também de referências imateriais, está subjacente a um processo de diligências e medidas concretas que se consubstanciam entre os anos de 1971 e 2001.
O Museu Nacional de Arqueologia não é necessariamente um agressor dos anseios de uma consistente musealização de proximidade, que refira a cultura arqueológica aos seus tópicos de referência e procedência. Só o reforço programado e consistente da rede nacional de museus permitirá, no futuro, redefinir o papel insubstituível do Museu Nacional de Arqueologia.
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Manuel de Castro Nunes