Excelentíssima Senhora Ministra da Cultura.
Excelentíssima Senhora:
É como cidadão, com esse restrito e rigoroso estatuto, que, no uso do meu direito, ou talvez dever de interpelar Vossa Excelência, lhe dirijo esta. E dirijo-a tentando reproduzir o alcance que um cidadão comum com uma cultura média pode ter sobre o que se tem passado, ou tem vindo a lume, nos últimos meses, no que respeita ao Museu Nacional de Arqueologia. Sem sequer remontar aos estratos mais profundos e remotos que possam subjazer às mais recentes ocorrências.
E gostaria de deixar claro que, embora tenha obviamente os meus alinhamentos ideológicos, não tenho nem quero ter filiação ou alinhamento partidário, sou desse ponto de vista livre, para não contaminar a minha intervenção cívica com hipotéticos ou presumidos preconceitos. Fica claro.
Ora, tornou-se do meu ponto de vista óbvio, do ponto de vista também de qualquer outro cidadão comum, que a imposição que Vossa Excelência herdou, ou para Vossa Excelência terá sido transferida, de concluir um processo sem qualquer suporte operacional ou cultural que terá como consequência, mais do que visível já para todos, um grave atentado sobre um dos equipamentos culturais de mais consagrado valor simbólico no universo museológico e museográfico da Nação, não se suporta em razão alguma culturalmente alegável.
Existem momentos, Excelentíssima Senhora, em que devemos reflectir cuidadosamente na relação, sempre difícil de ponderar, entre as exigências do exercício de um poder que nos foi legitimamente conferido pela comunidade, tendo em vista o programa em referência ao qual recebemos o privilégio dessa transferência, e o ponto de ruptura em que, sem remissão, podemos estar a extravasar o sentido dessa legitimidade.
Não vou, porque já se tornou óbvio para todos, dissecar as razões porque para a comunidade transparece que os actos administrativos em curso não obedecem a programa algum de qualificação dos equipamentos culturais da Nação, mas resultam de um cúmulo de ocorrências sem qualquer nexo. Ou, o que seria ainda mais lamentável, existe um programa que não é revelado, para poder ser invocado a posteriori, para vanglória do exercício do poder e humilhação dos que, com os dados disponíveis, ajuizariam precipitadamente.
E é por isso que venho rogar a Vossa Excelência que ouça este apelo.
Existe sempre a possibilidade de encontrar remédio para uma decisão precipitada e para os contenciosos que pode gerar. Temos sempre à retaguarda campo aberto para regredir. Está nas mãos de Vossa Excelência suspender os actos administrativos em curso, cuja urgência ninguém entende nem aceita, e, em sede de diálogo aberto com a comunidade e com as entidades habilitadas à avaliação e ponderação técnica, em solidariedade cívica e culta, proceder à formulação de um programa coerente e qualificado, que não resulte em dolo contra o património da Nação.
Ou de apresentar à comunidade, com detalhe, as orientações programáticas que suportam as decisões já tomadas e a avaliação prévia da sua exequibilidade.
E se o fizer, Excelentíssima Senhora, só qualificará o exercício do mandato que lhe foi conferido e honrará a confiança que em si depositaram. E todos nós ombrearemos com Vossa Excelência, porque então, quem o não fizer, representar-se-á de má fé.
É um apelo em desespero de causa, que penso reunir o sentir de muitos, ou de quase todos.
Fica à ordem da consciência de Vossa Excelência a decisão de o ouvir. Não penso que mais alguém lho possa dirigir a tempo de evitar um confronto que parece inevitável de Vossa Excelência com a Cultura.
Os meus cumprimentos.
Coimbra 6 de Abril de 210.
Manuel Maria Guimarães de Castro Nunes
Bilhete de Identidade nº 1461450.
Avenida Fernando Namora, nº 201, 4º Dto, 3030-185 COIMBRA.
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