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[Archport] Depósito votivo de Garvão

To :   "archport" <archport@ci.uc.pt>
Subject :   [Archport] Depósito votivo de Garvão
From :   José d'Encarnação <jde@fl.uc.pt>
Date :   Fri, 21 May 2010 23:25:37 +0100

Com a devida vénia, dou conhecimento desta iniciativa. - J. d'E.

----- Original Message ----- From: <conlopes@fl.uc.pt>
Sent: Tuesday, May 18, 2010 10:49 PM
Subject: História e Arqueologia não é só Desvendar o Passado é Também Construir o Futuro





caros colegas, permitam-me que vos dê conhecimento de um projecto
inovador e multidisciplinar, financiado pela FCT, em que o Centro de
Estudos Arqueológicos das Universidades de Coimbra e Porto se encontra
envolvido.


Permitam-me, ainda, que vos dê conhecimento dele por via de uma
entrevista aos mentores do projecto, José António Paulo Mirão, lider
do projecto GODESS,
Professor Auxiliar da Escola de Ciências e Tecnologia da Universidade
de Évora, Doutorado em Geologia, membro do Departamento de Geociências
e do Centro de Geofísica de Évora e Director do Laboratório de
Microscopia e Microanálise do Centro HERCULES – Herança Cultural,
Estudos e Salvaguarda e
António José Estêvão Grande Candeias, Professor Auxiliar da Escola de
Ciências e Tecnologia da Universidade de Évora, Doutorado em Química,
Director do instituto josé de Figueiredo, membro do Departamento de
Química e do Centro de Química de Évora, membro colaborador do Centro
de Geofísica de Évora e Director do Centro HERCULES – Herança
Cultural, Estudos e Salvaguardano, no  momento da criação do CENTRO DE
ARQUEOLOGIA CAETANO DE MELLO BEIRÃO (CACMB), em Ourique


Uma parceria entre a Universidade de Évora, a Câmara Municipal de
Ourique e a  Direcção Regional de Cultura do Alentejo, permitiu a
criação de: “uma estrutura municipal, única a nível regional, cuja
primeira acção foi a reivindicação do espólio do Depósito Votivo de
Garvão para a sua região de origem, constituindo assim um motivo de
interesse para visitantes e factor de desenvolvimento para o Concelho.”
•           O que é o depósito votivo de Garvão

À área de Garvão parece ter tido uma intensa ocupação, pelo menos,
desde a idade do Bronze. Durante um determinado período, provavelmente
na idade do Ferro, nas proximidades da povoação de Garvão terá
existido uma estrutura religiosa. O Culto incluía oferendas, estas
acumularam-se até ao momento em que foram depositadas.

Em 1982, após a sua descoberta acidental durante a instalação de
infra-estruturas sociais, realizaou-se uma campanha de trabalhos
arqueológicos, dirigidos por Caetano de Mello Beirão, na altura
Director do Serviço Regional de Arqueologia da Zona Sul. Esta
escavação deu a conhecer o Depósito Votivo da II Idade do Ferro, na
encosta do Cerro do Castelo, em Garvão, que suscitou o interesse e o
entusiasmo da comunidade científica face à dimensão e qualidade do
espólio que encerrava, constituído por cerâmicas, metais e alguns
vidros, intencionalmente depositados e cuidadosamente organizados de
modo a optimizar o espaço disponível. Na área foi escavada uma
cavidade para armazenar as oferendas não desejadas. É elíptica, com
cerca de 10 por 5 metros e uma profundidade de aproximadamente de 0,80
m, concluída na segunda metade do século III a. C.

Com excepção de alguns exemplares seleccionados e restaurados que
integraram o acervo do Museu Nacional de Arqueologia, este conjunto de
materiais ficou armazenado, desde o final dos anos 80, primeiro em
Évora, depois em Conímbriga, a aguardar a oportunidade para ser
tratado, estudado e apresentado ao público.


1.         Como é que a Universidade de Évora tomou conhecimento do
depósito votivo de Garvão? Porquê o interesse da UÉ em investir neste
projecto?

A Universidade de Évora colabora há mais de 6 anos com a Direcção
Regional da Cultura do Alentejo em diversos projectos que visam o
estudo material, a valorização e conservação do Património da região.

Conscientes do carácter excepcional dos materiais arqueológicos do
depósito votivo de Garvão (uma das grandes descobertas da arqueologia
portuguesa), a Universidade de Évora colaborou com a Câmara Municipal
de Ourique e a  DRCALEN na recente criação do Centro de Arqueologia
Caetano de Mello Beirão (CACMB), uma estrutura municipal, única a
nível regional, cuja primeira acção foi a reivindicação do espólio
para a sua região de origem constituindo assim um motivo de interesse
para visitantes e factor de desenvolvimento para o Concelho.

Simultaneamente, foi obtido junto da Fundação para a Ciência e
Tecnologia os fundos necessários (projecto GODESS) para o estudo
material e investigação arqueológica do espólio e da zona envolvente
do depósito.

Obviamente, a Universidade de Évora apesar do seu cariz universalista
tem sempre todo o interesse em contribuir e desenvolver projectos na
região onde se insere. Diríamos mesmo, é um dos seus principais
objectivos.


2.         Porquê a UÉ e não outra instituição?

A resposta a esta pergunta pedia que respondêssemos por outras
instituições, situação para a qual não estamos capacitados. Podemos,
no entanto sublinhar que a Universidade de Évora é uma Instituição de
Ensino Superior de referência na Região e tem-se empenhado firmemente
e criado as infra-estruturas necessárias para este tipo de estudos.
Neste âmbito, foi recentemente criado o Centro Hercules  – Herança
Cultural, Estudos e Salvaguarda  cujo principal objectivo é o estudo
material e salvaguarda de património arqueológico e artístico.
Queríamos ainda salientar que, o projecto de investigação GODESS
compreende diversos parceiros designadamente o Centro de Estudos
Arqueológicos das Universidades de Coimbra e Porto, e a DRCALEN que
contribuem com o seu conhecimento científico e técnico constituindo
assim uma equipa multidisciplinar

3.         Em que contexto histórico se enquadra o espólio de Garvão?

Na Ibéria, a Idade de Ferro é um período de sucessivas transformações
sociais e políticas, algumas resultando em conflitos. Estas
transfigurações começam com as primeiras invasões (ou migrações)
celtas, que impõem uma forte influência continental em toda a ibéria,
contra sociedades inspiradas por modelos orientais, como o Reino de
Tartessos. O movimento desses povos para Sul é constante ao longo de
todo o período. Entretanto, as civilizações semitas exercem forte
controlo no sul da Península Ibérica, pela presença de cidades
autónomas com fortes ligações comerciais e culturais com o
Mediterrâneo. Este quadro geopolítico geral é destruído em 218 a.C.
pelos romanos ao desembarcarem na península, no contexto da segunda
guerra cartaginesa.

Durante a 2ª Idade do Ferro, o território no sul da Península Ibérica
parece ser controlado por cidades centrais com grande número de
habitantes que dominam um grande território, com importantes recursos
naturais. Estes povoados são também importantes centros manufactores
e, por vezes, os centros políticos e religiosos são indistintos. A
longa distância, as influências culturais parecem ser controladas
pelos níveis sociais mais elevados da população.

Neste contexto geral, em torno de 200 a.C., Garvão está em território
Cónio que corresponde ao sudoeste de Portugal i.e. ao Baixo Alentejo e
ao barlavento algarvio. Apesar de algumas incertezas, parece que esta
região é marcada por forte influência cultural tártissica, mas os
habitantes são etnicamente celtas. De facto, o território Cónio parece
funcionar como uma zona de integração entre a área Celta (étnica e
cultural) que está localizada a norte e a Turdetana localizada a leste.

4.         Na sua opinião, qual a importância destas peças para o
período histórico em causa? E para a freguesia de Garvão?

O estudo das cerâmicas do depósito votivo de Garvão irá permitir
conhecer as tecnologias e a proveniência dos materiais. Espera-se que
este conhecimento seja um contributo para entender o papel destes
centros religiosos nas sociedades do Sul de Portugal, as relações
comerciais e culturais que mantinham com os seus vizinhos e a
capacidade tecnológica que dispunham.

As conclusões dos estudos que empreendemos irão valorizar as
descobertas já efectuadas e irão aumentar o interesse no sítio
arqueológico de Garvão, possibilitando  às autoridades locais e
regionais o empreendimento de acções que valorizem o sítio para
visitantes.

5.         De que forma a UÉ vai explorar o depósito?

O estudo que pretendemos efectuar não é um estudo tradicional de
arqueologia. De facto, as únicas escavações que estão previstas são
pequenas sondagens. O trabalho irá compreender a identificação,
selecção e seriação arqueológica das peças, o estudo material das
peças com técnicas analíticas  de ponta, a aplicação de técnicas
piloto de prospecção geofísica e o desenvolvimento de metodologias de
conservação e restauro adequadas.

6.         Quantas pessoas e com que tipo de especializações vão estar
a cargo deste processo?

Bem, a equipa de investigação é muito longa. Sublinhamos apenas que é
uma equipa multidisciplinar composta por geólogos, químicos,
geofísicos, arqueólogos e conservadores-restauradores  e que irá
envolver igualmente jovens investigadores que pretendem adquirir os
graus académicos de Mestrado e Doutoramento. Tal como mencionámos
anteriormente, trata-se de um projecto que para além da Universidade
de Évora e dos seus centros e estruturas de Investigação (Centro de
Geofísica de Évora, Centro de Química de Évora e Centro HERCULES),
participam também a Universidade de Coimbra (Centro de Estudos
Arqueológicos) e a Direcção Regional de Cultura do Alentejo .

7.         A nível cientifico, que técnicas vão ser utilizadas?

Iremos fazer algumas sondagens arqueológicas em zonas identificadas
pelos estudos de prospecção geofísica com geo-radar que irão ser
desenvolvidos, mas a maioria do trabalho irá ser realizado usando
técnicas de microanálise e análise estrutural como microscopia óptica,
microscopia electrónica de varrimento, microscopia Raman e difracção
de raios X e técnicas analíticas de alta resolução como cromatografia
líquida com espectrometria de massa, cromatografia gasosa com
espectrometria de massa e PIXE.

8.         Estão a trabalhar sobre algumas peças específicas ou sobre
o depósito em geral?

Em princípio os estudos irão incidir apenas nas peças recolhidas pela
escavação liderada pelo Dr. Caetano Beirão, nos anos 80. No entanto,
com o decorrer do trabalho poderá haver necessidade em estudar peças
recolhidas recentemente, designadamente para efeitos de datação por
termoluminescência.

9.         Existem mais projectos da UÉ em parceria com a Câmara
Municipal de Ourique para apoiar o espólio de Garvão?

A recente criação do Centro de Arqueologia Caetano de Mello Beirão
(CACMB) e o regresso dos materiais arqueológicos do Depósito Votivo de
Garvão nele integrados corresponderam, pois, ao culminar de um
processo de reivindicação liderado pelo Município de Ourique. O
primeiro objectivo estabelecido para o CACMB é o estudo e a
valorização do património arqueológico, com prioridade, naturalmente,
para o espólio do Depósito Votivo de Garvão. Complementarmente, no
entanto, esta estrutura municipal, única a nível regional e que conta
com a direcção técnica da Drª. Deolinda Tavares da Direcção Regional
da Cultura irá desenvolver  um programa de actividades que pode
sinteticamente definir-se como a promoção dos saberes e tecnologias
tradicionais, abordados segundo actuais metodologias de pesquisa e
numa estratégia de aproximação dos públicos à cultura e ao
conhecimento científico. Para a consecução dos seus objectivos, o
CACMB tem promovido diversos projectos de divulgação e formação de
onde se destaca o projecto CSI Ourique – Cultura, Sustentabilidade e
Inovação em Ourique, um programa de divulgação e de formação que
contempla a criação de núcleos expositivos (em Gravão e Ourique) e
acções de formação e divulgação, numa perspectiva de interacção com as
escolas e com o tecido social em que se insere, e que foi recentemente
candidatado ao QREN-POA.

10.       Na sua opinião, e enquanto “explorador” das peças do
depósito, acha que estas deviam voltar a Garvão, expostas num local
apropriado? Quais seriam as vantagens?


Pensamos que mais importante do que as peças voltarem para Garvão
seria a dinamização do espaço e da sua envolvente do Cerro do Castelo,
designadamente com a criação de uma estrutura de acolhimento a
visitantes junto ao local da escavação com um centro interpretativo
recorrendo a elementos expositivos e tecnologias de multimédia.

Por outro lado, esperamos que os estudos que se irão desenvolver no
âmbito do projecto GODESS, possam revelar novas estruturas
construtivas contribuindo para um melhor conhecimento do sítio e
constituindo um novo factor de interesse e desenvolvimento em Garvão.


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