Pilhagens
Saqueadores numa história sem culpados por LUÍS FONTES, DN
07/11/2010 O património
arqueológico português é alvo de pilhagens de norte a sul. Quem as
faz usa geralmente detectores de metais. São proibidos. Desde 2006 foram
reportadas à Polícia Judiciária 15 situações. Nunca ninguém foi condenado em
Portugal por pilhagens em estações arqueológicas. Mas há negócio e o
material à venda na Internet é imenso. O vandalismo nas estações
arqueológicas é condenado pelos arqueólogos. Defendem que a nossa história não
deveria estar à venda no mercado negro... "Este
anel romano vale 200 euros. Esta estatueta de bronze mil. Esta espada vou
conseguir vendê-la por 2500 euros", conta Aníbal (nome fictício) enquanto
aponta para vários artefactos de épocas históricas distintas em cima de uma
mesa de café, em Setúbal. Aníbal não divulga os locais onde encontrou tais
objectos. O
seu "trabalho", auxiliado por um detector de metais e livros de
história local, acontece muitas vezes a coberto da noite em estações
arqueológicas que constam no inventário nacional. As peças que exibe com
orgulho têm todas comprador. "Conheço os meus clientes e que épocas lhes
interessa", refere. "Pagam bem e em dinheiro vivo e eu faço o que gosto",
explica o jovem desempregado que consegue amealhar "num mês bom",
segundo diz, "mais de 500 contos", ou seja 2500 euros. O
que Aníbal faz é punido por lei. "Investigar este tipo de crimes é
complicado devido ao enquadramento jurídico e também devido à falta de queixas.
O reporte é baixo. São crimes quase invisíveis", reconhece João Oliveira,
coordenador de investigação criminal da Secção de furto de obras de arte da
Polícia Judiciária (PJ). Segundo a mesma fonte, desde 2006 até hoje foram
reportadas 15 situações referentes a arqueologia. Como
exemplo, o investigador recorda um caso em que pescadores da Trafaria
recolheram nas redes de pesca várias ânforas romanas. Pela lei, a recolha do
material deveria ter sido comunicada às autoridades no prazo de 48 horas. Nada
disso aconteceu, e uma das ânforas foi encontrada à venda numa feira em Paço
d'Arcos. "A peça de valor histórico foi apreendida, foi identificada a
proprietária, mas deveríamos acusá-la de quê? Receptação? Não podíamos porque a
ânfora não tinha sido furtada", explica o coordenador da PJ.O vazio legal
existe embora leis mais abrangentes também existam. "É com essas que ainda
conseguimos fazer alguma coisa", diz João Oliveira. Por lei mais
abrangente entenda-se que qualquer objecto arqueológico encontrado pertence ao
Estado. O
negócio de peças históricas nem sequer é secreto. Em dezenas de sites de vendas
e leilões online é possível detectar vários vendedores de artefactos
arqueológicos e também moedas antigas. Por exemplo no site
antiguidades.grandemercado.pt, uma fíbula de um "general romano"
custa 500 euros. A estatueta de um lutador romano 150 euros, uma pulseira do
século III, em vidro negro, 150 euros. "Essa pulseira, por exemplo, deve
ter sido pilhada num sepultura romana", explica José Encarnação, arqueólogo
e professor universitário que lamenta a existência deste mercado. "Quando
se retira um objecto desses do local, perde-se o seu contexto", diz o
professor, que, como exemplo, recorda uma placa de bronze que encontrou à venda
num antiquário. "Sabemos que terá sido encontrada na zona de Rio Maior e
que era dedicada 'ao povo que se reuniu em...'", diz. Neste caso, segundo
o arqueólogo, ao não se conhecer o sítio onde foi encontrada, perdeu-se toda a
história associada de um local que a placa sugeria existir algures perto de Rio
Maior. José
Morais Arnauld, presidente da Associação de Arqueólogos Portugueses (AAP), está
preocupado com o número crescente de predadores da história. "Em Portugal
estão inventariados mais de dez mil locais de interesse arqueológico, e não há
fiscalização dos mesmos. Também há falta de vontade de levar casos conhecidos a
tribunal. Quando vão, há falta de sensibilidade de magistrados e juízes para
este tipo de crime contra o património histórico", afirma o presidente da
AAP. João
Tiago Tavares, presidente da Associação dos Arqueólogos Profissionais , também
está preocupado com as pilhagens. "Há muitos coleccionadores particulares
que alimentam este tipo de actividade mas também com a Internet este tipo de
mercado negro abriu", conta o arqueólogo. A Polícia Judiciária concorda.
" Por vezes, os artefactos estão em sites que não estão alojados em
Portugal e como tal são difíceis de fechar. Também não podemos marcar encontro
para comprar a peça porque agiríamos numa acção encoberta e difícil de
justificar", afirma o inspector da PJ. As
justificações dadas por quem possui artigos arqueológicos também podem fazer
ruir investigações. "Se disserem que herdaram do pai ou do avô ou que compraram
no estrangeiro tornam o nosso trabalho quase impossível", diz. A situação
ainda se complica mais quando se entra no território da numismática.
"Nesse campo dilui-se a responsabilidade e a posse de moedas é fácil de
justificar. São vendidas em várias feiras de antiguidades", afirma o
inspector João Oliveira. "Sou
da opinião em que os sítios de interesse arqueológico não devem estar
escondidos, mas isso tem de passar pela educação, pela cidadania, não será pela
vigilância", explica o arqueólogo João Tiago Tavares. "Sabemos que os
detectores de metais são uma forte ajuda para quem se dedica a pilhagens em
locais arqueológicos. Isso é proibido por lei mas acontece. Deveria haver outra
mentalidade em relação a quem rouba a nossa história", diz o presidente da
Associação de Arqueólogos Profissionais. Fonte
do Igespar (que prefere não ser identificada) disse ao DN que no motor de busca
do Igespar - Endovélico - é possível aceder aos locais que podem esconder a
história de Portugal. "Estão referenciados e em mapa. É, para muitos, um
autêntico mapa do tesouro, que é do domínio público. Acho que deveria ser
mantido em segredo", conta a fonte. "A estação romana de Tróia [agora
com vigilância] e a estação arqueológica de Monte Molião, em Lagos, foram alvos
de saque várias vezes. O que levaram não se sabe. São artigos que foram
vendidos a coleccionadores particulares portugueses e estrangeiros. É parte da
nossa história que se perde", conta a fonte. "A maior parte do
trabalho arqueológico é executada no Verão. O trabalho dos predadores é feito
no Inverno quando as estações estão sem vigilância. Quando as equipas de
arqueologia chegam ao local, depararam com situações de verdadeiro vandalismo
cultural", conta a fonte, para quem a legislação acerca dos detectores de metais
não proibe totalmente o uso. Segundo
a Polícia Judiciária, a lei que regulamenta a venda desse tipo de aparelhos diz
explicitamente que a venda é proibida para uso em locais arqueológicos. "A
lei até vai mais longe e diz que os vendedores devem incluir publicidade nos
aparelhos a fazer esse alerta", diz João Oliveira. Fabricantes
e vendedores das marcas, por exemplo, Deus e Ebimger, (com sites na Internet)
não respeitam a lei portuguesa. Um bom detector de metais, segundo os
especialistas, pode custar qualquer coisa como 750 euros. Margarida
Magalhães Ramalho, arqueóloga e investigadora, recorda uma visita à gruta de
Dine, em Vilhais. "Trata-se de um abrigo rochoso do neolítico que serviu
de habitação e necrópole." Apesar do difícil acesso, há quem faça
escavações durante a noite em busca de material pré-histórico. "Pelas
marcas que deixaram eram profissionais e até estalactites levaram." A
arqueóloga recorda que foi avisada que num museu de história natural em Sevilha
estavam em exposição peças que teriam sido furtadas da gruta de Dine. "Fiz
uma carta a pedir explicações e nunca me responderam", recorda. O
coordenador da PJ João Oliveira reconhece que muitos artefactos são vendidos em
Espanha. "Muitas vezes além de particulares também são os museus a comprar
porque antes isso do que perderem para sempre uma peça de valor
histórico", explica. http://dn.sapo.pt/inicio/artes/interior.aspx?content_id=1704920&seccao=Arquitectura *** ******* This message contains information which may be confidential and privileged. Unless you are the addressee (or authorized to receive for the addressee), you may not use, copy or disclose to anyone the message or any information contained in the message. If you have received the message in error, please advise the sender by reply e-mail and delete the message. |
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