Antes de mais, uma precisão: o “tesouro”
a que se refere o artigo abaixo não se encontrava em águas territoriais
portuguesas mas sim na nossa Zona Contígua - onde vigoravam à altura, não as
nossas leis da República, mas sim os príncipios da Convenção
das Nações Unidas sobre direito do mar (CNUDM, de 10 de Dezembro de 1982, também conhecida por Convenção de Montego Bay). Esta Convenção delimita os distintos espaços
marinhos sobre os quais os Estados, ribeirinhos ou não, exercem determinados
direitos e suportam diversas obrigações. No caso que aqui nos concerne, o
regime jurídico oferecido pela CNUDM é vago e inconcludente quanto à protecção do
património cultural subaquático; no entanto, o nº 1 do art. 303º refere a necessidade de
proteger os achados no mar não especificando a zona, o que parece trazer um
dever genérico de protecção por parte dos Estados. Neste quadro, Portugal
formulou a seguinte declaração aquando da ratificação da Convenção: “Portugal declara que, sem prejuízo do artigo
303º da Convenção das Nações
Unidas sobre o Direito
do Mar e da aplicação de outros
instrumentos de direito internacional em matéria
de protecção do património arqueológico subaquático, quaisquer objectos de
natureza histórica ou arqueológica descobertos nas áreas marítimas sob a sua
soberania ou jurisdição só poderão
ser retirados após notificação prévia e mediante
o consentimento das competentes
autoridades Portuguesas”. Ora, embora esta declaração tenha efeitos
normativos por força do art. 8.° nº 2 da CRP, carece, para ser exequível, de
legislação e regulamentação interna complementares, o que nunca aconteceu
relativamente à Zona Económica Exclusiva (ZEE) e à Plataforma Continental (PC).
Por seu lado, o nº 2
permite que todos os países, que tenham uma Zona Contígua (ZC), detenham um
poder funcional nessa zona, para além dos poderes fiscais, aduaneiros, sanitários
e relativos à imigração ilegal (art. 33.° da CNUDM). Ou seja, é como se a ZC fosse
uma Zona de Protecção Arqueológica. Neste âmbito, Portugal já legislou, e
após ter criado a ZC através do Decreto-Lei nº 34/2006, de 28 de Julho, definiu no
art. 16.°
do
mesmo diploma que “no âmbito das
actividades de fiscalização, pode ser exercido, nos termos do direito
internacional e do
direito interno, o direito
de visita sobre todos os navios.
Na zona contígua, quando necessário para evitar ou reprimir (...) as
infracções relativas ao património cultural subaquático ocorridas naquela zona
ou no mar territorial”. O problema é que, embora a lei considere a
remoção destes bens como ilegítima, não existe, contudo, uma sanção associada
ao ilícito... a culpa bem pode morrer solteira. Processo
Tesouro encontrado em Portugal disputado nos EUA
por LUÍS FONTES, Diário de Notícias,
19/11/2010 Espanha reclama da
empresa de caçadores de tesouros norte-americana, a Odyssey Explorer, uma
fortuna avaliada em 500 milhões e euros. Na semana passada, um novo
recurso no Tribunal de Atlanta adiou a decisão de entregar o ouro e
a prata a Espanha. Os destroços do local de pilhagem na nau "Nuestra
Señora de las Mercedes", conforme foi explicado em tribunal, estão ao
largo do Cabo de Santa Maria, Faro. Portugal não vai reclamar o tesouro Um
tesouro avaliado em 500 milhões de euros resgatado do fundo do mar, em 2007, em
plena costa marítima portuguesa, está a ser alvo de uma dura disputa judicial
nos Estados Unidos. Na semana passada, mais um recurso da empresa de achados
marítimos Odyssey Marine Explorer deu entrada no Supremo Tribunal de Atlanta
para invalidar uma decisão do Tribunal de Tampa, Florida, que declarava que a
fortuna em moedas de ouro e prata - terá sido encontrada a 21 milhas da costa
algarvia na Zona Económica Exclusiva (ZEE), em frente ao cabo de Santa Maria,
Faro - devia ser entregue à Coroa Espanhola. O
caso arrasta-se na justiça norte--americana desde Maio de 2008. O achado terá
sido em Maio de 2007, quando a empresa Odyssey fretou um avião e voou de
Gibraltar para os EUA com 500 mil moedas em ouro e prata, lingotes de cobre e
estanho, caixas de ouro... um total de 17 toneladas da nau Nuestra Señora de
Las Mercedes. O
arqueólogo subaquático Alexandre Monteiro, da Universidade Nova, tem
acompanhado com atenção este caso. Recorda ao DN que o trabalho da Odissey
Explorer remonta a 2005, quando a empresa firma um contrato com o Reino Unido
para encontrar o navio HMS Sussex naufragado em 1694 perto de Gibraltar.
"Fizeram na altura várias incursões em Cádis", explica o arqueólogo.
Contudo, o explorador Greg Stemm, da Odyssey, já estaria na perseguição dos
destroços do Nuestra Señora de Las Mercedes. "Havia muita documentação
acerca da localização do navio afundado, e era tentador para este tipo de
empresas procurá-lo", diz o arqueólogo. Também
Filipe Castro, arqueólogo subaquático que se encontra na Universidade do Texas,
conhece bem a história no navio espanhol. "A
empresa Odyssey recuperou a carga de um navio que tudo indica ser a Nuestra
Señora de las Mercedes . Este navio espanhol foi afundado ao largo da costa
portuguesa no início do século XIX durante um acto de pirataria da armada
inglesa", explica Filipe Castro. O arqueólogo da universidade texana
considera que "Espanha parece ter demonstrado em tribunal que o salvamento
desta carga era ilegal e o processo está em vias de ser decidido, a favor da Espanha,
que já ganhou dois processos em tribunais americanos contra caçadores de
tesouros [os dos navios Juno e Galga]. Creio que a única coisa pendente neste
processo é um último apelo, que toda a gente crê que vai ser resolvido contra a
Odyssey", considera Filipe Castro. Em
Dezembro do ano passado, o juiz Steven Merryday decidiu (entretanto a Odyssey
meteu recurso da decisão) que "a inevitável verdade é que o Nuestra Señora
de las Mercedes é um navio da Marinha espanhola e que os destroços deste navio
de guerra, toda a carga e também vestígios humanos que existam são património
natural e legal de Espanha". Os
tribunais norte-americanos por onde esse caso tem passado tiveram contacto com
várias localizações do achado. Numa primeira fase, a Odyssey disse que o
tesouro estava a bordo do navio Black Swan e que tinha sido resgatado das
profundezas ao largo de Gibraltar em águas internacionais. Depois, que o
salvamento das peças tinha sido ao largo de Gibraltar, também em águas
internacionais. Por seu lado, os advogados da Coroa Espanhola argumentaram que
o tesouro tinha sido resgatado em águas territoriais espanholas num zona em
Gibraltar onde estão vários navios submersos. "Segundo a lei do
Almirantado, se o achado for em águas internacionais poderá pertencer a quem o
encontra", explica o arqueólogo Alexandre Monteiro. Por outro lado,
tratando--se de um navio de guerra, há a considerar o Estado de Bandeira da
embarcação. "Neste caso pertence a Espanha", adianta o arqueólogo. Portugal
entra no jogo espanhol com um primeiro e-mail que partiu da Embaixada de
Portugal em Madrid, a 21 de Junho de 2007 - um mês após Greg Stemm ter mostrado
à imprensa, na Florida, o fabuloso tesouro que posteriormente, em tribunal,
disse ter encontrado "algures" no oceano Atlântico nos destroços do
navio Black Swan. No
e-mail do gabinete do embaixador Moraes Cabral, a que o DN teve acesso, pede-se
ao então secretário de Estado da Defesa para ajudar Espanha nas buscas do
Nuestra Señora de Las Mercedes. Com
a classificação de "Urgente e Reservado" e com o explícito pedido
para que a mensagem não fosse "oficializada": "Espanha
manifestou desejo de verificar, 26 quilómetros a sul do cabo de Santa Maria
(Faro) em ZEE, com um barco da Marinha... se algo foi remexido no local onde
estará um galeão espanhol que, segundo aqueles, terá sido "pirateado"
por uma empresa privada Odyssey... Espanha propõe fazer a coisa com a presença
de oficiais portugueses a bordo". Segundo
o DN apurou, a Marinha ordenou que dois oficias portugueses subissem a bordo de
um navio da armada espanhola para as respectivas buscas ao largo de Faro com um
Rove (pequeno submergível comandado a partir da superfície). Com os dados
colhidos na operação, designada como de "carácter científico", a localização
oficial do achado passa a ser em águas territoriais portuguesas. Portugal passa
então a ser referido nos tribunais da Florida como o local do afundamento do
Nuestra Señora de las Mercedes. Portugal
passa então, no plano teórico, como Estado costeiro onde se encontra naufragado
o navio espanhol, a ter direito a parte do achado. Fonte diplomática contactada
pelo DN descarta a hipótese. "Ficaríamos muito mal no retrato. Daria a
ideia de que estamos com um comportamento idêntico aos dos caçadores de
tesouros. Não devemos ter essa postura." Oficialmente para o Ministério
dos Negócios Estrangeiros "Portugal assinou a Convenção de Genebra no que
se refere a achados arqueológicas. O que for encontrado submerso em Portugal e
que seja espanhol será entregue ao seu país de bandeira e vice-versa. É um
acordo internacional que assinámos e que respeitamos". O
tesouro que está a ser disputado judicialmente tem também como reclamante o
Peru (local de onde proviria o ouro e a prata). Em relação a este pedido, não
se registou nenhuma audiência nos EUA. Um
tesouro muito cobiçado ao longo de anos
Missões
A busca pelo tesouro que estava afundado ao largo de Faro não é recente, nem
fruto de acasos. "Havia relatos escritos dessa batalha marítima ao largo
de Faro", explica o arqueólogo Alexandre Monteiro. O
Nuestra Señora de Las Mercedes foi ao fundo durante uma batalha que aconteceu
em 1804 com os navios ingleses Amphion e Indefatigable. Perderam a vida 250
pessoas. O
arqueólogo Vieira de Castro, num trabalho publicado em 1988 na Revista
Portuguesa de Arqueologia, refere que "desde os anos sessenta que o
tesouro perdido consta abundantemente na bibliografia dos tesouros
perdidos". "Os comandantes ingleses estimaram a posição da batalha
entre oito e dez léguas a sudoeste do cabo de Santa Maria", diz no estudo.
Segundo
o arqueólogo, que se encontra a trabalhar na Universidade do Texas, a caça ao
tesouro afundado terá começado em 1982, quando um grupo de investigadores pediu
autorização à Capitania do Porto de Faro para prospecção numa determinada área
a sudoeste de Faro, muito próximo da costa. Os investigadores acabaram por
abandonar o projecto. Em
1986, segundo a investigação de Vieira de Castro, duas empresas inglesas
-"a SubSea Offshore, Ldt e a Divetask Salvage, Lda" - requereram
autorizações para resgatar o tesouro. Foram indeferidas. Em 1993, a New Era,
Lda, avançou com outro pedido. Também não foi concedido. Em Março de 1997, o
relato de um oficial da Marinha portuguesa, membro da Associação Arqueonáutica,
informa que um navio da Marinha "havia interceptado um navio norueguês.
Estava fora de águas territoriais e procurava a fragata Nossa Señora de Las
Mercedes. Não
foi levado a sério pelas autoridades portuguesas. Os relatos de buscas pelo
Nossa Señora de Las Mercedes não param até que em 1996 a corveta portuguesa
António Enes intercepta ao largo do cabo de Santa Maria o navio oceanográfico
norueguês Geograph. Não assumiram que procuravam o tesouro espanhol. Disseram
que estavam à procura de um porta-aviões inglês ali naufragado durante a
Segunda Guerra Mundial. Uma
história em que pelo lucro vencem, até ao momento, os americanos da Odyssey
Explorer. Sem autorização retiraram no fundo no mar português o tesouro espanhol.
A disputa promete continuar a arrastar-se na justiça norte-americana. Guerra em várias frentes A
guerra entre a Coroa espanhola e a Odyssey Explorer está aberta desde 2007 em
várias frentes. Se
Espanha está a ganhar na justiça americana (com os sucessivos recursos da
empresa), não ganha em casa. Em Agosto, o capitão do Odyssey Explorer, William
Vorus, foi considerado inocente pelo Tribunal de Algeciras. Recusou a entrada
no seu navio, no início de 2007, de elementos da Guardia Civil que suspeitavam
que no Odyssey Explorer se encontravam objectos arqueológicos alvos de
pilhagem. O tribunal
espanhol considerou que a recusa do capitão foi justificada. As autoridades
deveriam ter consultado as Baamas, onde o navio está registado. Tal
procedimento não foi feito. http://dn.sapo.pt/inicio/ciencia/interior.aspx?content_id=1714531 *** ******* This message contains information which may be confidential and privileged. Unless you are the addressee (or authorized to receive for the addressee), you may not use, copy or disclose to anyone the message or any information contained in the message. If you have received the message in error, please advise the sender by reply e-mail and delete the message. |
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