Porto
Arqueólogo André Carneiro alerta para o perigo para a saúde pública. A Polícia investiga a origem do espólio, que assusta moradores.
CM, 10/08/2011, por:Manuela Teixeira/Tânia Laranjo
Foi com espanto e medo que um sem-abrigo viu ontem os crânios que estão logo à entrada da casa do nº 48 da Rua da Trinitária, no coração da Foz do Douro, no Porto. Comunicou à PSP da zona, que, no local, encontrou um cenário macabro de centenas de ossos humanos, uns espalhados, outros acondicionados em cerca de 40 caixas. As autoridades que estiveram no local falam mesmo em 300 caveiras humanas.
A Polícia investigou o caso e chegou até aos responsáveis. Trata-se da empresa Dryas Arqueologia, com sede em Coimbra, que trabalha em consultoria na área da Arqueologia, Antropologia e Património Histórico. Um dos sócios é o arqueólogo herdeiro da casa na Foz que serve de armazém.
Contactado pelo CM, o arqueólogo e docente na Universidade de Évora, André Carneiro, ficou chocado com a insólita situação. O especialista alerta para eventuais perigos para a saúde pública que o achado representa. "Se os ossos, sobretudo os mais antigos, estiverem expostos a ambientes pouco protegidos e húmidos, libertam micróbios, vírus, bactérias e agentes patológicos com toxicidades", explica.
O arqueólogo acusa ainda de incúria quem abandonou as ossadas naquelas condições de degradação e de fácil acesso. A PSP fazia ontem diligências para encontrar o dono do espólio e decidir o destino a dar--lhe. No entender do especialista consultado pelo CM, o caso deveria ser imediatamente comunicado à Direcção-Geral da Saúde. "Seria melhor fazerem análises sobre a toxicidade das ossadas, até para as enviar para as instituições mais adequadas", diz André Carneiro. O Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico será um dos locais indicados para a avaliação da história e do interesse do espólio. O destino final poderá ser ainda um museu ou integrar o património de uma autarquia local. Universidades e parques arqueológicos poderão ter também interesse em recolher os achados.
A casa está abandonada há muitos anos e nem os vizinhos sabiam do paradeiro dos herdeiros do homem que conheceram como sendo o dono da casa, já falecido. Sabiam apenas que a casa está degradada e cheia de lixo. Mas não sabiam que também havia caixas com ossadas humanas.
HABITAÇÕES ANTIGAS E DEGRADADAS
A Rua da Trinitária fica situada na chamada ‘Foz Velha’, já próxima do rio Douro. Há muitas casas de habitação centenárias espalhadas pela rua e becos onde mal passa um carro. O número 48 da Rua da Trinitária é apenas um exemplo de abandono pelo proprietário e pelos seus herdeiros. A casa ao lado, onde ontem foram encontradas as ossadas humanas, só mantém as paredes exteriores. A ‘Foz Velha’ abriu frentes para o mar, dando lugar à nova Foz, com moradias de luxo.
VIZINHOS DESCONHECIAM
A descoberta sinistra deu-se ao final da manhã de ontem, para enorme surpresa dos vizinhos mais próximos. "Nunca lá entrei e não fazia ideia de que estavam lá estas coisas", disse ao CM José Reis. Só a presença dos carros da Polícia é que alertou os moradores. "Foi assim que ouvimos dizer que a casa estava cheia de ossos e caveiras", conta. José Reis não se lembra sequer de quem são os donos da habitação térrea, com um sótão.
Segundo os vizinhos, a casa está desabitada há mais de dez anos, tendo-se tornado local de re-fúgio para alguns sem-abrigo. Ontem, um deles não gostou de ter de partilhar o espaço com as ossadas. E os moradores da zona também não gostaram da ideia de que ali permanecessem.
O assunto era comentado de boca em boca e as reacções eram diversas. Uns riam do insólito, outros mostravam-se horrorizados com o macabro achado. Outros ainda optaram por comentar o caso sentados à mesa do café a jogar cartas.
Poucos foram os que quiseram ir dentro da casa ver os crânios e demais ossadas. A vizinha da frente da casa onde foram encontrados os ossos preferiu nem sequer atravessar a rua. "Eu não sei de nada nem quero ver nada disso. Que coisa horrorosa", disse a moradora.
PSP ENCONTRA DONOS DOS OSSOS
A PSP da Foz do Douro, investigou o caso e acabou por desvendar parte do mistério já ao final do dia. Segundo fonte da Polícia, trata-se de uma colecção arqueológica pertencente a uma empresa de Coimbra. As autoridades, pouco habituadas a ter ocorrências deste tipo, tinham apenas a intenção de notificar os responsáveis para retirarem as ossadas do local. Eventuais problemas legais e de saúde pública ainda não tinham sido equacionados.
Porto
Empresa de Coimbra levou material arqueológico encontrado ao abandono numa casa na Foz.
A mesma responsável disse ainda ao CM que se trata de objectos históricos e, para além do contentor onde se encontram restos humanos, havia também no interior da casa muitas peças de cerâmica também com mais de 200 anos.
"Levámos tudo para os nossos armazéns de Coimbra, onde agora iremos analisar se alguma coisa está destruída. Aparentemente, parece não estar nada deteriorado", refere Teresa Ferreira. Sobre a forma como o mesmo material estava acondicionado, Teresa Ferreira garante que as condições mínimas eram as exigidas.
"O que acontece é que os nossos arqueólogos pedem uma licença para fazer determinada escavação. Depois o material fica à sua responsabilidade e a casa funcionava como um armazém. Tinha todas as condições de segurança", garantiu a responsável da empresa. Teresa Ferreira admite, contudo, que não visitavam aquele espaço há vários anos.
ESPÓLIO RETIRADO DA CASA QUE CONTINUA AO ABANDONO
As ossadas e peças arqueológicas foram recolhidas pela empresa, ontem de manhã cedo. Contudo, os acessos à casa não foram vedados e o lixo continuava ontem amontoado. Teresa Ferreira, responsável da Dryas Arqueologia, garantiu ao CM que vão ser tomadas medidas para entaipar as entradas e que a casa será restaurada. Apesar de a habitação não ser legalmente devoluta, o seu estado de abandono e degradação indicava o contrário. Há vários anos que serve de refúgio a pessoas sem-abrigo. A porta principal está partida e apenas encostada. Mesmo que os vizinhos tentassem avisar os donos, já não sabem do seu paradeiro. "Há muito tempo que ninguém da família aparece aqui para ver como está a casa", dizem.
Uma notícia, um tanto sensionalista de hoje dá conta de um achado "macabro", de centenas de restos ósseos humanos, proveniente de escavações arqueológicas, devidamente identificados e acondicionados.Mais que o achado em si, o que me parece verdadeiramente macabro é a total desregulação e fiscalização da armazenagem dos achados arqueológicos, que a maior parte das empresas e investigadores tem dispersa por mil sítios sem qualquer controlo, muitas vezes por falta de soluções e regras claras de recepção. Sei que muitas vezes as próprias instituições de acolhimento não dispõem de condições de armazenagem e acesso aos materias provenientes de escavações.Mais do que comentar o achado relativo a esta ou aquela empresa, sendo que o achado poderia ter sido referente a qualquer outra, creio pertinente questionar publicamente o que pretende fazer o IGESPAR ou as delegações regionais de Cultura relativamente ao assunto? Eo Instituto de Museus? E o MNA? Não servem soluções de varrer para debaixo do tapete, isto é, criarem depósitos inacessíveis, onde as condições, sabemo-lo, são idênticas ou piores, que aquelas onde muitos materiais se encontram actualmente armazenados em casas particulares, como foi o caso do achado.Rui Mataloto
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