Alienar
património é uma questão nova para os museus
Público
2011-11-09
E
se os museus portugueses ponderassem alienar peças do seu património? O desafio
foi feito no Porto pela museóloga Inês Brandão "Pode repetir?!" E
Inês Fialho Brandão repetiu: "Os museus portugueses têm de começar a
considerar a alienação de peças do seu património, e de entender isso como um
acto normal de gestão, que não põe em causa o projecto cívico, nem o vínculo
com o seu público."
A afirmação, proferida a meio da tarde de
segunda-feira, no Porto, quando já iam adiantadas as intervenções da primeira
jornada do duplo debate promovido pelo ICOM (Comissão Internacional dos Museus)
Portugal, fez com que muitos dos participantes que praticamente lotavam o
auditório do Museu Nacional de Soares dos Reis (MNSR) se remexessem nas
cadeiras. Inês Brandão, responsável pelo Farol - Museu de Santa Marta, em
Cascais, e museóloga formada em
Nova Iorque, citou exemplos americanos desta prática: o MoMA de
Nova Iorque vendeu um Degas para adquirir Les
Demoiselles d"Avignon; o Museu de Indianápolis divulga na
Internet as peças que pretende alienar...
"É preciso repensar as colecções e admitir que há peças cuja conservação
nos nossos museus se tornou num luxo", acrescentou a museóloga, dizendo
que esse processo precisa, contudo, de ser desenvolvido "com
transparência".
Luís Raposo e Graça Filipe reagiram logo à proposta que Inês Brandão enunciara
na sua comunicação intitulada Pode
repetir?! Quando os museus escolhem a alienação responsável. O
director do Museu Nacional de Arqueologia e presidente da comissão nacional
portuguesa do ICOM começou por aceitar que a frontalidade de Inês Brandão o
fizera evoluir de "uma recusa liminar para uma atitude de
ponderação". Mas ressalvou que a alienação de património de um museu não
pode ser decidida só pela sua direcção, antes exige "um referendo mais
amplo" da comunidade. Já no fim da sessão, em declarações ao PÚBLICO, Luís
Raposo disse que esta é "uma questão quente e inovadora, mas muito
controversa e para a qual não estamos ainda preparados". E citou o exemplo
daquilo a que se assiste em Itália, onde o Governo Berlusconi decidiu a
alienação de património "para pagar as contas correntes dos museus",
algo que diz ser "inaceitável".
Graça Filipe, ex-directora do Ecomuseu do Seixal, também sabe que o excesso de
reservas nos museus levanta problemas, mas defende que a prioridade "é
discutir as políticas de incorporações, e para que servem os museus e os seus
acervos". A directora do museu anfitrião do encontro, Maria João Vasconcelos,
alertou para os riscos da alienação, dando o exemplo da colecção do histórico
museu portuense João Allen, depositada no MNSR. "É um museu muito datado
e, se estas questões se colocassem há três décadas, muitas das suas peças, a
que hoje damos muito valor, teriam sido alienadas."
Sem surpresa, a questão da gratuitidade dos museus atravessou também as várias
comunicações, com a maioria a manifestar-se a favor da manutenção dos domingos
gratuitos. O mais veemente foi Luís Raposo, que citou um estudo recentemente
divulgado em Inglaterra e acusou o secretário de Estado da Cultura de
"falta de seriedade" quando acena com "um aumento de
receitas" acima do milhão de euros. "No máximo, o aumento pode chegar
aos 300 ou 400 mil euros, o que significa 1% do orçamento do Instituto dos
Museus", não passando, por isso, de "uma questão de mercearia".
A iniciativa do ICOM completa-se hoje em Lisboa, com uma segunda jornada no
Museu da Electricidade, em que serão debatidos Os Desafios da Política de Museus em Tempo de Crise.
O ICOM propõe-se divulgar, depois, um documento com o diagnóstico da situação
vivida pelos museus no actual contexto de crise do país.
Inglaterra
Visitantes aumentaram 150% numa
década
Os museus nacionais ingleses que introduziram o
acesso grátis em Dezembro de 2001 registaram um aumento médio de visitantes na
última década de 150,63%. Este é o resultado do estudo realizado este ano pelo
Departamento de Cultura, Media e Desportos do Governo inglês. Nesta lista,
ressalta o caso do Museu Nacional de Liverpool, que registou o maior aumento,
com 269%, enquanto em Londres o que mais cresceu foi o Museu Marítimo (204%).
Em contrapartida, os museus históricos londrinos que nunca cobraram bilhetes -
o British Museum, a National Gallery e a Tate Gallery - só tiveram um acréscimo
de visitantes de 22%.