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[Archport] Profissionais de Arqueologia & Portugueses Lda.

To :   <archport@ci.uc.pt>
Subject :   [Archport] Profissionais de Arqueologia & Portugueses Lda.
From :   António Augusto <antonioaaugusto@live.com>
Date :   Tue, 6 Mar 2012 21:06:36 +0000

Caros ex-colegas,


A triste situação “profissional” dos Arqueólogos Portugueses chegou a um ponto que apenas o posso definir como caricato (para não utilizar palavras ofensivas).


Refiro-me aos profissionais que de facto laboram nas centenas de intervenções arqueológicas em território português.


Desde já, tenho que confessar que não considero a arqueologia em Portugal como uma verdadeira Profissão. Antes sim, uma ocupação mal remunerada que normalmente dura entre 3 a 15 anos (e penso que já estou a ser simpático). Depois uma pessoa farta-se de ser explorada e muda-se. Muda-se porque não vê reconhecimento financeiro pela experiência acumulada (sobretudo nas costas….).


Mas claro, como as universidades “emitem” todos os anos centenas de novos candidatos mortinhos para escavar, a situação nunca mudará.


Será possível que um profissional altamente experiente receba um ordenado igual ao de um sem experiência? A resposta é: sim, em Portugal!


Nos países desenvolvidos (tipo Holanda, Alemanha, Inglaterra, Suíça, etc), a experiência é valorizada a tal ponto, que, em grande parte das actividades profissionais, um bom técnico de determinada profissão (inclusive a de Arqueólogo) com mais de 10 ou 15 anos de experiência comprovada, pode ser equiparado a um profissional com formação académica (podendo inclusive assumir certos cargos que à partida seriam reservados para os tais académicos…).


Bem, em rigor, e esta será talvez uma das excepções, em Portugal existem encarregados gerais de construção civil que recebem mais (bem mais) do que os Engenheiros, mas isso é outra história.


Esta situação dá-se porque uma licenciatura, por mais conceituada que seja, não substitui o saber fazer de uma vida de trabalho….os donos das empresas sabem disso e, como tal, não se acanham em ajustar os salários em função do desempenho dos seus trabalhadores…os Engenheiros ganham igualmente conhecimentos ao trabalharem directamente com encarregados experientes.


Encontro-me á cerca de 1 ano a trabalhar na Suíça (numa fábrica de alicates de precisão), a primeira coisa que me perguntaram foi qual a minha experiência….depois perguntaram-me pelas qualificações. Como já tinha 2 anos de experiência comprovada na área (metalomecânica de precisão), fiquei automaticamente num escalão superior do meu colega, licenciado em Eng. Mecânica, mas sem experiência (até foi ele que me "trouxe" para aqui....que ironia!)


Que surpresa….na verdade,  eu comecei logo a fazer pequenas tarefas autonomamente, reportando periodicamente aos meus superiores hierárquicos….o meu colega não faz nenhuma acção sem supervisão directa. Nem sequer limpar o laboratório….


Pelo que me apercebi, ele jamais ganhará mais do que eu a não ser que ocupe um posto/cargo superior….se continuar-mos a cumprir as mesmas tarefas, a minha experiência valerá sempre uns francos a mais…do tipo 250 francos a mais!!!


Por outro lado, e também nesses países (nos desenvolvidos…), as habilitações académicas ou de formação específica não definem o ordenado, antes sim, a experiência e o cargo detido.


Também aqui, a experiência é crescentemente valorizada, sendo certo que um profissional experiente obtém um ordenado sempre maior do que um profissional no início de carreira. Digamos que há uma progressão na carreira (mesmo quando não há nenhuma carreira tal como nós a entendemos).


Vejamos a chamada Arqueologia Empresarial em Portugal (seja lá o que isso for….).


Ora, os ditos “empresários” não tem quaisquer escrúpulos em oferecer, para o mesmo trabalho (o de tirar terra por camadas e fazer uns desenhitos com cotas) o mesmo ordenado, ao recém-Licenciado, ao experiente Técnico de Arqueologia ou ao Arqueólogo com 6 ou 7 anos de trabalho nas costas que, obviamente, não se encontra no pomposo cargo de direcção de escavação, mas que tem de comer e, logo, trabalhar no que aparece.


Como todos nós sabemos, a produção (terra tirada por camadas naturais/hora ou registos efectuados com rigor/hora) de um profissional inexperiente não é igual ao de um experiente (nem se quer vou falar na qualidade e rigor do registo…). No entanto, todos sabemos que numa intervenção arqueológica existem sempre os que trabalham e os que servem para segurar as vassouras. Mas, surpreendentemente, todos ganham o mesmo e, como o dito empresário comprometeu-se a ter uma equipa de x pessoas, lá vai a escavação avançando com muitas dores e paciência.


Obviamente que aqueles que trabalham começam a ficar psicologicamente desgastados (para não falar fisicamente….) e não é para menos: em Portugal não se valoriza o conhecimento e a experiência!


Isto é, pois, muito conveniente e prático para as empresas de Arqueologia (que mais não são do que empresas de trabalho temporário em Arqueologia). São elas que determinam os valores em função dos conhecimentos de um aparente consentimento por todos os intervenientes.

Esquecem-se que os jovens profissionais são pessoas de carne e osso que não tem qualquer proteção legal que salvaguarde a sua saúde…pois, escavar a terra é de facto uma profissão de alto desgaste. Escavar em condições deploráveis durante 8 horas diárias num grupo heterogéneo é muito duro. Receber uma migalha por esse trabalho é exploração.


ESTA SITUAÇÃO TEM DE ACABAR PARA O BEM DA CLASSE EM GERAL! 


Penso que está na altura de cada empresa realizar uma introspeção profunda (deontológica, moral e até epistemológica) e adoptar uma tabela de salários adequada à experiência e cargo detido pelos elementos contratados para determinado serviço.

Para que não lhes roube muito tempo, sugiro que se baseiem na tabela de vencimento gradual adoptada em Inglaterra. (ver http://www.bajr.org/Employment/).


O sistema é bastante simples e muito mais justo daquele que actualmente é praticado em Portugal! Ou seja, em Portugal não há nenhum sistema, existem sim mentiras e meias verdades que são vinculadas para contratar alguns profissionais!Uns bons, outros maus, mas todos eles são tristemente ludibriados e enganados.


Este sistema gradual de vencimentos (o supracitado) parece-me mais justo e adequado à realidade da actividade de Arqueólogo, uma vez que valoriza a experiência em detrimento do grau académico….na verdade, pergunto eu, para que serve uma licenciatura no acto de tirar camadas pela sua sequencia deposicional ???….até os serventes mais atentos aprendem em dois dias a chamada arte (estou a exagerar...conheci muitos licenciados que por mais se lhe explicasse não aprendiam...).


Eu já ouvi de tudo, mas pessoal, fartei-me de ser enganado por “empresários" da arqueologia mudei de área. Infelizmente a minha empresa faliu e tive de emigrar.


Penso que muito do mal estar que por vezes surge neste forum, através de mensagens de insatisfação, como por exemplo a recente alusão a certas barragens, se deve, sobretudo, à falta de lógica na hora de atribuir os salários e funções.


Porque era como eu dizia: não me importo que alguns não trabalhem, isso era problema da empresa e do arqueólogo que estava responsável...o que me chateava era receber tanto ou menos do eles. 


Infelizmente fui educado cumprir com a minha palavra, porque na verdade, o que me apetecia, era meter as mãos nos bolsos e ficar a olhar....


Não ganho um ordenadão mas ganho o justo pela função e experiência que tenho.


António A.

Licenciado em História e Arqueologia 

Operário técnico - La Chaux-De-Fonds - Suíça



 


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