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[Archport] 'Dori' classificado como Parque Arqueológico Visitável

To :   <archport@ci.uc.pt>
Subject :   [Archport] 'Dori' classificado como Parque Arqueológico Visitável
From :   Alexandre Monteiro <no.arame@gmail.com>
Date :   Wed, 14 Mar 2012 20:41:24 +0000

Fruto da iniciativa de cidadania exercida pelos mergulhadores dos Açores ? que tomaram como exemplo o Parque Arqueológico Subaquático do Lidador, na baía de Angra do Heroísmo ? o naufrágio do Dori foi classificado como Parque Arqueológico Visitável. Que eu saiba, é o sítio de cronologia mais recente a ter tal classificação. Para quem quiser saber mais, segue abaixo uma fundamentação histórica.
 
 
'Dori' classificado como Parque Arqueológico Visitável
Açoriano Oriental, Regional | 2012-03-14 18:05
O Governo dos Açores aprovou a classificação do sítio do naufrágio do navio 'Dori', ao largo de Ponta Delgada, em S. Miguel, como Parque Arqueológico Visitável, atendendo ao "impacto significativo" que tem na comunidade local de mergulhadores.
O executivo regional, segundo o comunicado final da reunião do Conselho de Governo realizada em Vila do Porto, na ilha de Santa Maria, considera que "o elevado potencial patrimonial que este sítio encerra fará com que se torne mais um exemplo da boa preservação e promoção do património náutico e subaquático dos Açores".

Os destroços do navio 'Dori' são um dos locais de mergulho mais visitados dos Açores, tendo Jorge Bruno, diretor regional da Cultura, salientado à Lusa que "o turismo subaquático tem um grande potencial".

Neste caso concreto, Jorge Bruno frisou que o local "tem boas condições para se poder observar o que é um navio afundado", acrescentando que existem elementos, como a hélice, a âncora e maquinaria que "são facilmente detetáveis por quem mergulha".

O cargueiro, que participou no desembarque das tropas aliadas nas praias da Normandia, em junho de 1944, afundou a 16 de janeiro de 1964 a cerca de 800 metros da costa sul de S. Miguel, perto de Ponta Delgada, encontrando-se a 18 metros de profundidade.

O 'Dori' é uma cópia idêntica de outros 2.750 'Liberty Ship', construídos entre 1941 e 1945 para reforçar o abastecimento da Europa pelos Estados Unidos, sendo um dos 200 que participou no desembarque aliado na Normandia, que virou o curso da II Guerra Mundial.

"A classificação permite criar condições para preservar o sítio e conservar a biodiversidade que existe naquela zona", salientou o diretor regional da Cultura.

Com a criação deste Parque Arqueológico Visitável, o arquipélago dos Açores fica com dois sítios com esta classificação, juntando-se o de Ponta Delgada ao que já existe em Angra do Heroísmo.
Lusa/AO online
 
 
 
 
O Dori
 
O naufrágio do navio Dori - é um dos ex-libris do mergulho açoriano, sendo um dos locais mais visitados pelos mergulhadores que usam a ilha de São Miguel como plataforma de mergulho.
Com efeito, estando localizados a uma profundidade acessível, perto da costa e junto à cidade de Ponta Delgada, os restos deste velho cargueiro constituem talvez o local de mergulho em naufrágio mais popular do país, logo a seguir ao River Gurara (Cabo Espichel).
 
Recentemente, a perspectiva sob a qual este navio sempre foi encarado alterou-se, passando a ser observado pela comunidade mergulhadora local mais como um testemunho histórico do que como apenas um - e apenas mais um - destroço submerso. Resulta desta nova aproximação ? para a qual contribuiu sem dúvida o sucesso da criação do Parque Arqueológico Subaquático da baía de Angra do Heroísmo - uma maior sensibilidade da comunidade para os valores do estudo, da salvaguarda e da protecção aos navios afundados.
Terá contudo o Dori o valor histórico-arqueológico que lhe apontam? Importa completar a informação histórica que tem vindo a ser compilada sobre este navio, nomeadamente a que se refere aos seus  movimentos durante a Segunda Guerra Mundial (1943 ? 1945) - período em que operou nos mais variados teatros de guerra (Mediterrâneo/Médio Oriente, Oceano Ártico e Pacifico) ? bem como  a que se reporta ao período pós-guerra, durante o qual foi vendido várias vezes, recebendo novos nomes até se afundar nos Açores, 21 anos depois de construído.
 
 
O Edwin L Drake na guerra
 
O Dori, embarcação naufragada ao largo de Ponta Delgada, ilha de São Miguel, Açores, integrou originalmente a conhecida frota norte-americana dos navios Liberty, construídos entre 1941 e 1945, em plena II Guerra Mundial.
Símbolo da força industrial americana em tempo de guerra, este projecto de construção naval em série implicou os esforços de 18 estaleiros navais, que asseguraram a construção de 2751 navios cargueiros multifuncionais, a que se convencionou designar por tipo EC2-S-C1.
Um desses estaleiros era o Bethlehem Fairfield Shipyard Inc., sediado em Baltimore, Maryland (EUA). Com 16 calhas de construção em simultâneo, entregou o primeiro Liberty ship, o Patrick Henry, a 30 de Dezembro de 1941. No final da guerra, construíra 384 navios do tipo EC2-S-C1.
Um desses navios, construído na calha nº 4 com os números de estaleiro 2203/243914 foi baptizado Edwin L. Drake, em memória do Coronel Drake, pioneiro da exploração petrolífera. A sua quilha foi colocada a 26 de Junho de 1943 e o bota-abaixo foi a 31 de Julho.
Propriedade da US War Shipping Administration (USWSA), o Edwin L. Drake era um navio de 7,176 toneladas de carga. Media 130 metros de fora a fora, tinha 17 metros de pontal e 10,6 de boca. Tinha um único hélice, propulsionado por um motor de três cilindros movido a fuelóleo de 330 Hp, construído pela General Machinery Corporation.
Através dos registos dos comboios navais organizados durante a II Grande Guerra é possível ter uma ideia muito aproximada das acções em que participou este navio. Assim, sabemos que, depois de ter sido entregue a 10 de Agosto à USWSA, o Edwin L Drake parte de Baltimore, a 20 de Agosto de 1943, navegando a solo, para Hampton Roads, na Virginia (EUA).
Sai de Hampton Roads, a 27 de Agosto, integrado no comboio UGS 16 (119 navios mercantes e 68 navios de escolta destinados a Port Said, Egipto) ficando em Alexandria (Egipto), onde chega a 23 de Setembro.
Parte a solo de Alexandria, a 9 de Outubro, com destino a Port Said, onde chega no dia seguinte. De lá, regressa a Alexandria, também a solo, no dia 18 de Outubro. Deixa o Egipto a 19 de Outubro, em direcção a Nova Iorque, integrado no comboio GUS 19 (92 navio mercantes e 22 escoltas), chegando a Hampton Roads a 15 de Novembro.
Sai de Nova Iorque a 15 de Dezembro, integrado no comboio HX 271, em direcção ao Clyde, Liverpool (GB), onde chega no dia 29 de Dezembro. À partida, foi fotografado pela Guarda Costeira.
Já em 1944, parte a 6 de Janeiro, isolado, do Clyde, em direcção ao porto escocês de Loch Ewe. Dali sai, a 12 de Janeiro, integrado no comboio JW 56, com destino a Murmansk, onde chega dia 28.  A 2 de Março vamos encontrá-lo integrado no comboio RA 57, de retorno daquele porto russo para Loch Ewe, onde chega dia 10.
Regressa então ao Clyde, onde chega a 12 de Março, navegando 3 dias depois no comboio ON 228, a caminho de Nova Iorque. Já no continente americano, integra em Halifax o comboio XB 102, com destino a Boston, onde chega a 31 de Março. De Boston (de onde parte a 26 de Abril) volta ao Clyde, Liverpool, através dos comboios BX 105 para Halifax e, de seguida, o HX 289 para Cardiff, onde chega a Barry Roads, Cardiff, a 14 de Maio de 1944, com uma carga geral onde se incluía cereal e madeira.
A 15 de Maio, parte de Cardiff a solo, para Avonmouth, onde chega 2 dias depois. Sai de Avonmouth, quase um mês depois, a 12 de Junho, para Cardiff onde chega um dia depois. Aí, integra o comboio EBC 11 de 13 de Junho , escalando Falmouth a 16, integrando agora o comboio ECM 9. Parte no mesmo dia, chegando à baía do Sena, em Le Havre, França, a 17 de Junho, 11 dias depois do Dia D.
Seguem-se várias movimentações entre França e Inglaterra: sai de Le Havre no dia 10 de Julho (comboio FBC 24), chega a Avonmouth dia 17, sai de lá dia 29 de Julho no comboio EBC 56 e volta a Le Havre no dia 31. Quase um mês depois, a 26 de Agosto, integra o comboio FBC 64 em direcção a Swansea, onde chega a 29 do mesmo mês. De Swansea retorna para o Clyde, no dia 30. Daí, parte para Nova Iorque no comboio ON 251, onde chega no dia 19 de Setembro.
Regressa à Europa no dia 10 de Outubro de 1944 integrado no comboio HX 313, carregando barris de combustível de aviação. Chega a Solent (GB) no dia 25 de Outubro. A 10 de Novembro está em Le Havre, França, partindo 3 dias depois para Cardiff, no comboio EBF 32.
De Cardiff parte para Milford Haven, onde chega a 19. De lá, regressa a Nova Iorque, a 20 de Novembro, integrado no comboio ON 267. Chega a 5 de Dezembro de 1944 e volta a partir para a Europa a 29 de Dezembro.
Integrado no comboio HX 329, chega ao Clyde no dia 13 de Janeiro de 1945. De lá, sai para Gourock, na Escócia, Parte de lá a 3 de Fevereiro, integrado no comboio JW 64 para Molotovsk, onde chega a 15 de Fevereiro. Este comboio foi duramente atacado por raids aéreos, a 6 de Fevereiro e mais tarde, a 120 milhas do do Cabo do Norte e a sul da ilha do Urso.
A tripulação do Edwin L Drake viu ser-lhe creditada duas assistências no abate de um dos Focke Wulf alemães. Parte da Rússia, com 2571 toneladas de minério de crómio a bordo, a 23 de Março, no comboio RA 65 para o Clyde, onde chega a 1 de Abril. Do Clyde, volta a partir para Nova Iorque, desta vez integrado no comboio ON 295, arribando a Baltimore a 27 de Abril, ainda com a mesma carga de crómio.
Dez dias depois, navega a solo para Hampton Roads, de onde sai no dia 23 de Maio a caminho de Gibraltar, integrado no comboio UGS 94. A 7 de Junho está em Gibraltar. Daí, navega a solo até Nápoles, onde chega, a 10 de Junho. Sempre a solo, parte de Nápoles no dia 15 de Junho, a caminho de San Juan (Puerto Rico), onde chega a 2 de Agosto ? a guerra continua ainda, no Pacífico, mas durará poucos dias.
Seguindo pelo Canal do Panamá, o Edwin L Drake está em Cristobal no dia 7 e em Balboa no dia 14 - terá sido aí que a tripulação terá recebido a notícia da rendição japonesa, feita nesse mesmo dia. A rota prossegue, contudo: chega a Ulithi (Ilhas Carolinas, Micronésia) a 18 de Setembro, daí partindo para a ilha de Okinawa (Japão) onde chega a 3 de Outubro de 1945. Finalmente, arriba ao porto de Tóquio, Yokohama, a 19 de Outubro de 1945. Regressa então aos Estados Unidos, novamente pelo Canal do Panamá, estando em Balboa a 21 de Novembro e em Cristobal a 22. A guerra acabara para o Edwin L Drake.
 
A vida pós-guerra do Edwin L Drake
 
Em 1947, o Edwin L Drake foi vendido pela US Maritime Comission a uma companhia nova iorquina, a International Freighting Corporation.  A partir daqui, a investigação carece de maior profundidade. Aparentemente, em 1952, numa segunda venda - à Independant Steamship Corporation, fundada em 1918 -  o Edwin L Drake foi rebaptizado como Seadrake.
Tornou-se o Phoenix em 1954. Em 1957 foi vendido à Pan Range Shipping, de Georges P. Yatrakis, passando a designar-se por Anassa e hasteando a bandeira da Libéria. Em 1960 tornou-se o Praxiteles e por fim, em 1962 conheceu o seu último nome, Dori. Foi com este nome que o Edwin L Drake fez a sua última viagem de Edem (Alemanha) com destino a New Orleans.
 
O naufrágio
A 23 de Outubro de 1963, Georges Yatrakis, através do seu agente Venizelos, S.A, freta o Dori à companhia Bulk Carriers, Ltd. que, por sua vez, o subfreta à Nimpex International, Inc, e a uma sua afiliada, a Import Export Steel Corporation (Impex). Missão: transportar 9,800 toneladas de aço em rolo de Bremen e de Emden, na Alemanha, para New Orleans, Louisiana (EUA).
A 13 de Dezembro, a Bulk Carriers faz entrar no contrato a Mississippi Valley Barge Line Co. - e de um outro contratante, o Franklin National Bank - responsabilizando-a por levar a carga de New Orleans para Chicago, através do rio Mississipi. A 27 de Dezembro, o Dori carrega, através de um agente de carga alemão - a Schulte & Bruns - parte do aço em Bremen.
A 31 de Dezembro, o Dori finaliza a carga em Emden. Parte então para New Orleans, onde nunca chegará ? a 16 de Janeiro de 1964 naufraga ?a 800 metros da igreja de São Roque?, praticamente à vista de da cidade de Ponta Delgada, ilha de São Miguel, Açores.
Conclusão
 
A Estratégia Nacional para o Mar contempla a promoção da ?preservação e valorização do património cultural subaquático, arqueológico e histórico? bem como do ?estudo e da salvaguarda dos testemunhos arqueológicos subaquáticos, protegendo-os da delapidação e degradação e apoiando a sua investigação?. A Estratégia visa estimular o envolvimento e a participação dos cidadãos na salvaguarda do Património Arqueológico Subaquático (PCS), utilizando-o como factor de identidade e elevação da auto-estima, de cidadania e de colaboração no desenvolvimento sustentável dos territórios e das comunidades, num processo que se inicia com a sua documentação e que termina, sem ponto final, na sua divulgação e acesso ao grande público.
Ora, não sendo despicienda a importância que o destroço em si tem para a história da II Guerra Mundial ? existem apenas dois únicos navios Liberty ainda operacionais em todo o mundo, estando ambos musealizados - e reconhecendo o grande impacto que o naufrágio Dori tem causado junto da população local de mergulhadores e amantes das coisas do mar bem como o exemplo dos navios Liberty que constituem não só recifes artificiais submersos como parque arqueológicos no Texas, consideramos que o Dori encerra em si o potencial necessário para se tornar um quarto exemplo de uma boa prática de gestão de PCS, conferindo-lhe a sua história a singularidade necessária para o classificar, senão como parque arqueológico subaquático, pelo menos como sítio histórico submerso de interesse relevante.
 
Alexandre Monteiro e Margarida Génio, 2010
 

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