http://umraiodeluzefezseluz.blogspot.com Obras da
variante de Faro da EN125 “descobrem” cemitério romano
POR ELISABETE RODRIGUES ⋅ 19
DE MARÇO DE 2012 ⋅ COMENTAR TEMAS ARCHEOCELIS, ARQUEOLOGIA, CIÊNCIA&INVESTIGAÇÃO, EN125, FARO Há
1900 anos, entre meados dos séculos II e III depois de Cristo, uma comunidade
de agricultores romanos sepultou os seus mortos, ao longo de pelo menos uma
centena de anos, num local nas margens do Rio Seco, que hoje se situa nos
arrabaldes da atual cidade de Faro, ao lado da Pista de Atletismo. Onde
viviam esses agricultores não se sabe hoje muito bem, porque não foram ainda
encontrados vestígios da villa, a grande quinta rural, onde teriam a sua
habitação e as zonas de apoio à atividade agrícola. No entanto, mais ou menos na mesma
zona, em finais do século XIX, Estácio da Veiga,
considerado o pai da arqueologia portuguesa, identificou uma villa romana, num
sítio a que chamou Amendoal. Só que, há mais de cem anos não havia GPS e a
localização exata desse povoado rural romano perdeu-se. Por isso não se sabe
onde ficava, nem se teria qualquer relação com a necrópole romana agora
descoberta. Se
não se sabe onde viviam as pessoas que durante quase dois milénios estiveram
enterradas no terreno no Rio Seco, à beira da EN125, pelo menos espera-se agora
que os esqueletos relativamente bem preservados e algum – pouco – espólio
encontrado em cerca de sete dezenas de sepulturas na necrópole possam dar
pistas aos investigadores sobre quem eram estes romanos, onde e como viviam. A
necrópole foi descoberta em agosto passado, durante os trabalhos de
acompanhamento arqueológico da Variante de Faro à EN125, por técnicos da empresa
Archeocelis, responsável por todo o acompanhamento das obras de requalificação
daquela estrada e das respetivas variantes, de Vila do Bispo quase a Vila Real
de Santo António. Mas
os trabalhos de escavações só começaram no dia 23 de janeiro deste ano, tendo
chegado a ocupar uma equipa de 15 pessoas, entre arqueólogos, estudantes de
arqueologia e antropólogos. Segundo
Teresa Miguel Barbosa, a arqueóloga responsável pelos trabalhos na necrópole,
estima-se que a intervenção dure apenas mais duas semanas. «Estamos
a fazer todos os registos e levantamentos das sepulturas, a retirar o espólio
osteológico e finalmente desmontaremos as estruturas. Depois de termos
terminado o nosso trabalho, as obras podem avançar neste local», explicou
Teresa Barbosa, em entrevista ao Sul Informação. Destruição
e preservação Enquanto
a equipa de jovens arqueólogos se dedica a registar com todo o rigor, em
desenho e fotografia, as sepulturas romanas encontradas – até agora estão
identificadas 67, mas poderão ser Da
necrópole nada ficará no terreno, que em breve será coberto pelo alcatrão da
nova estrada. A memória deste local, do seu espólio e das estruturas
funerárias, só poderá depois ser encontrada no Museu Municipal de Faro, onde
todo o material ficará depositado. Mas
não se pense que esta é a primeira destruição que a necrópole romana sofre. O
cemitério estendia-se originalmente para uma zona onde, em meados do século
passado, foi plantado um laranjal, entre a EN125 e a estrada para a Conceição
de Faro. Agricultura,
estradas, casas, tudo contribuiu para ir destruindo, a pouco e pouco, os
vestígios milenares, em tempos em que não se pensava muito na importância de
preservar esses testemunhos do passado. A
própria Pista de Atletismo de Faro, construída há meia dúzia de anos, também deu
o seu contributo para a destruição. Pelo menos um dos muros da pista foi
construído bem em cima de sepulturas romanas, destruindo-as. E, apesar de se
tratar de obras recentes, já obrigadas a acompanhamento arqueológico, não
parece que alguém alguma vez se tenha apercebido de que ali havia vestígios que
importaria estudar. Ou, se alguém se apercebeu… Hierarquia
na morte, como na vida Até
ao momento foram descobertos, nos «Há
uma grande variedade de tipologias de sepulturas: umas mais simples, cobertas
com tégulas [telha romana plana] em telhados de uma água, outras em caixa, com
telhados em tégula de duas águas, ou mesmo em ânfora», explica a arqueóloga
Teresa Barbosa. «No
período romano, a hierarquização na vida também se encontrava na morte». Por
isso, algumas das sepulturas eram mais elaboradas, provavelmente indicando que
os indivíduos aí sepultados teriam um estatuto social mais elevado na
comunidade. Uma
das questões que a arqueóloga da Archeocelis considera ser interessante é o
facto de haver «quase o mesmo número de subadultos» (jovens e crianças)
enterrados, o que pode estar relacionado com a grande mortalidade infantil e
juvenil da época. Mas também pode querer dizer simplesmente que a zona da
necrópole investigada pelos arqueólogos era aquela onde se sepultava esses
jovens e crianças… Outro
dado curioso é o «enterramento de neonados», de recém-nascidos, o que, naquela
época, não era comum, já que se pensava que as crianças não eram propriamente
pessoas enquanto não fossem seres pensantes e autónomos, aí pelos 4 ou 5 anos,
no mínimo. «Mas
aqui há uma quantidade considerável de neonatos, pelo menos 10», explica a
arqueóloga. Também
interessante é a descoberta de recém-nascidos enterrados em ânforas, um tipo de
enterramento que ainda não tinha sido identificado no Algarve. Aqui foram
encontrados quatro. Nas
sepulturas, há muito pouco espólio para além dos esqueletos, que, embora
relativamente bem preservados, quase se desfazem quando se retiram os ossos do
seu descanso de Da
avaliação prévia dos restos humanos já feita no local e em laboratório pelos
antropólogos que integram a equipa, já se conseguiram, por exemplo, identificar
as doenças mais comuns desta época, nesta população. E constatou-se, por
exemplo, que grande parte das pessoas ali sepultadas, até mesmo as crianças,
tinham os dentes muitos desgastados, devido a uma alimentação muito baseada em
cereais duros. Uma
oportunidade científica única As
escavações permitiram identificar duas áreas de ocupação da necrópole, desde
meados do século II até meados do século III depois de Cristo. Carlos
Pereira, aluno de doutoramento da Universidade Clássica de Lisboa, tem estado a
participar nas escavações da necrópole do Rio Seco porque se trata de uma
oportunidade que não surge muitas vezes. É
que, como explicou ao Sul Informação, apesar de haver muitas necrópoles romanas
identificadas no Algarve, «poucas foram intervencionadas recentemente, com os
métodos atuais». Na villa romana de Milreu, perto de Estoi, que fica a meia
dúzia de quilómetros deste local, as intervenções foram feitas em finais do
século XIX, por Estácio da Veiga. Mas os métodos eram diferentes e, por isso,
«não há toda a informação da necrópole». Bem mais recente foi a intervenção
de 2004 no Largo 25 de Abril, em Faro, numa necrópole que faria parte da cidade
romana deOssónoba.
«As estruturas eram tipologicamente muito semelhantes a estas», garante Carlos
Pereira. Por
isso, a esperança do jovem investigador é que esta escavação na necrópole do
Rio Seco «forneça dados que faltavam nas outras intervenções». «Não é que estes
dados sejam inéditos. A questão é que não tínhamos nenhuma escavação atual, com
métodos atuais e com estas dimensões». Daí o interesse científico desta
necrópole. O espólio retirado desta necrópole –
ossos, estruturas das sepulturas, algumas peças de cerâmica – será depositado
no Museu de Faro. Mas, em
conjunto com toda a investigação, será também objeto de divulgação, para um
público mais especializado e, espera-se, para o grande público. Teresa
Barbosa disse esperar que os primeiros resultados desta intervenção sejam
apresentados em outubro, no Encontro de Arqueologia do Algarve, que costuma ter
lugar em Silves. Mas pode ser que haja também uma outra apresentação, mais
voltada para o público leigo, em Faro. |
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