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[Archport] ERA UMA VEZ UM PAIS. CARTA ABERTA AO DEPUTADO EMÍDIO GUERREIRO

Subject :   [Archport] ERA UMA VEZ UM PAIS. CARTA ABERTA AO DEPUTADO EMÍDIO GUERREIRO
From :   "Ricardo Charters d'Azevedo" <ricardo.charters@gmail.com>
Date :   Mon, 22 Oct 2012 14:11:48 +0100

From: Prof. Reis Torgal <>
Date: 2012/10/15
Subject: Carta Aberta ao Deputado Emídio Guerreiro
To: Caros Amigos

O Diário de Coimbra tem como um dos seus colaboradores habituais o
Deputado do PSD Emídio Guerreiro. Como é seu dever e como seria natural,
defende ali a política do Governo e critica a oposição. No entanto, como
nos jornais não há geralmente contraditório, resolvi, de forma civilizada
e culta, responder-lhe com uma "Carta Aberta" a um dos artigos, que me
causou alguma comoção, a que chamou "Era uma vez um País". O meu artigo de
resposta, datado de 1 de Outubro, ou seja, em vésperas do aniversário da
República ou da Respublica (que é, por graça deste Governo, o último
feriado a ser celebrado), era extenso, mas não impossível de publicar no
jornal. E seria por certo interessante a sua edição tendo em conta o
carácter pouco vulgar de ?Carta Aberta?. Todavia, os jornalistas da
Redacção afirmaram (apenas num mail que me foi enviado em 13 de Outubro e
após várias mensagens que enviei ao jornal), que seria impossível a
publicação, tendo em conta a sua extensão.

Como em Coimbra não existem, devido às suas características, outros
jornais onde pudesse publicar o artigo, resolvi enviá-lo aos amigos desta
forma, solicitando a sua difusão. Ao mesmo tempo escrevi ao Deputado
Emídio Guerreiro um mail a remeter-lhe o texto.

Saudações cordiais e amigas

Coimbra, 16 de Outubro de 2012

Luís Reis Torgal 
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CARTA ABERTA AO DEPUTADO EMÍDIO GUERREIRO

Meu Caro Deputado Emídio Guerreiro

Não levará a mal, com certeza, que o trate de um modo mais informal, pois
conheci-o como Presidente da Associação Académica de Coimbra nos anos 90,
embora agora o saiba como representante da Nação, na qualidade de deputado
do PSD.
No Diário de Coimbra, de 26 de Setembro, contou uma história simples de um
país ? Portugal, evidentemente ?, talvez uma história demasiado simples.
Normalmente a excessiva simplicidade ou, melhor, a ligeireza com que se
encara o mundo, está relacionada com as facilidades que a vida nos
concedeu. Se assim é, só tenho a felicitá-lo e a desejar-lhe um excelente
futuro, tal como decerto tem sido o seu passado e o seu presente. É claro
que o que nos apresentou no seu artigo é uma história, com todo o seu
carácter simbólico, como são todas as histórias, mas mesmo assim valeria a
pena pensar que as boas histórias são sempre muito mais complexas, assim
como é a vida, que não é apenas a nossa mas também a dos outros.
O que nos diz, em poucas palavras é o seguinte:
Neste país o povo vivia mal e passou a viver bem, não só com
auto-estradas, escolas lindas, telemóveis?, mas também ? imagine (como
diriam os nossos irmãos brasileiros) ? ipods e ipads. Todavia, os
?Senhores do Mundo? um dia verificaram que esse País vivera acima das suas
possibilidades e, por isso, decidiram que não emprestavam mais dinheiro,
pelo que o anterior Governo do país fora obrigado a assinar um
?memorando?. Como o país mudou de Governo, agora ?estes governantes
viram-se confrontados com a necessidade de arranjar dinheiro?. Mas ? ?e
aqui é que tudo se complica?, segundo afirma  ? o país considerou que,
embora devesse contribuir para pagar a dívida, ninguém queria assumir que
cada um o devia fazer. Por isso ? e temos finalmente explicada a razão das
manifestações que têm ocorrido (desculpe a ironia) ? ?o povo veio para a
rua protestar, alto e bom som, que não quer mais sacrifícios e que quer
voltar ao nível de vida de antes?. Ou seja, pelo que percebo da sua
narrativa, o povo quer voltar a ser ?pobre e pouco desenvolvido?.
História deliciosa! Como cidadão deste país, vou apenas dizer-lhe duas
palavras mais objectivas que, no entanto, muitos outros já lhe devem ter
dito. Claro que o país de que fala teve um desenvolvimento desordenado e
consumista devido não apenas aos empréstimos dos ?Senhores do Mundo?
(presumo que seja esta Europa comunitária e economicista, ou financista, e
este Mundo capitalista e neoliberal), mas também aos vários governos deste
país, particularmente interessados em colaborar com o ?sistema?. Mas
repare, Senhor Deputado, Meu Caro Emídio Guerreiro, desde 1985 o seu
partido esteve no Governo sensivelmente tantos anos como esteve o chamado
Partido Socialista, que infelizmente também não soube assumir a sua
postura de Democracia Social por que deveria ter lutado e que, na verdade,
depois de muitas trapalhadas, assinou o tal memorando pelo punho do
engenheiro Sócrates, um dos culpados do estado a que isto chegou. No
entanto, para que o Governo mudasse, quantas promessas fez o seu líder e
os seus apoiantes?! Aconselho-o a voltar a ler os seus textos e a tornar a
ouvir os seus discursos.
Do que o país está farto, afinal, é de uma classe política e de
administração que nos governou ou desgovernou, que conseguiu benesses sem
conta, não só na permissividade do público e do privado, como até nos
lugares e nos altos vencimentos ganhos no domínio público por gestores que
geriram bem o dinheiro das empresas e dos seus bolsos (basta olhar para os
seus vencimentos milionários), e mesmo por jovens incompetentes e
oportunistas que percorreram o cursus honorum da política em tempo
relâmpago, sem saberem o que era verdadeiramente um ofício. Neste
contexto, houve um apelo ao consumo, tolerado pelos governos. E com tudo
isto e com a intervenção dos bancos, com as suas estratégias de
enriquecimento fácil, surgiu a tal crise de que todos falamos, para que
alguns nem podem contribuir ? os mais pobres ? e outros, muito ricos, não
são chamados a fazê-lo, pelo menos de modo sensível. 
Talvez isso explique melhor ? numa história também simples ? as
manifestações de milhares de cidadãos. Muitos haverá que gritam por
gritarem: em Coimbra ouvi um ?socialista? integrado no ?sistema? que dizia
para outro: ?agora é que nos dão razão?!?. No entanto, olhe em volta e o
que vê? Desempregados que foram despedidos de empresas que entraram em
insolvência (algumas aproveitando o momento) ou que tiveram mesmo de
fechar porque não se olhou verdadeiramente para a economia estrutural do
tal país, ou jovens que procuram um primeiro emprego há anos sem o
conseguir. E também gente da classe média que se matou a trabalhar, que
tinha uma vida simples mas boa (sem ipads, ipods e, já agora, iphones) e
que hoje perdeu o seu poder de compra, reformados que pagaram o que lhes
foi pedido durante largos anos e que agora sentem as suas pensões a
baixarem, gente idosa que mal pode comprar os medicamentos para as suas
doenças crónicas e, já agora, militantes de um idealismo político que
lutaram pela democracia contra a ditadura e que sentem, mais do que
ninguém, o oportunismo instalado no meio de uma democracia em crise sem
precedentes. Simples exemplos?
Na verdade, dou nisso razão à sua história: esses não querem mais
austeridade, provocada pelos Senhores do Mundo e pelos Senhores deste
País.
 
Estou a escrever-lhe nas vésperas do 5 de Outubro, feriado que o governo
PSD/CDS matou da forma mais ridícula, sem se lembrar do seu carácter
simbólico de dia da comunidade (Res publica, ?coisa pública?), assim como
aboliu o 1.º de Dezembro, dia da Independência, num tempo em que nos
sentimos cada vez menos ?País?. Como muitos que conhecem a História, vejo
que estamos num momento de grande crise económica, financeira, mas também
política e cultural. Penso mesmo que esta crise é essencialmente cultural
(em termos de cultura de cidadania), como se prova até pelo sua história
tão singela, apesar de citar Camus, para dar uma nota intelectual ao seu
discurso. Todos receamos novos sebastianismos e o surgir de novas
ditaduras ou de alternativas radicais de esquerda ou de direita. Mas, não
esqueçamos que o Mundo começa a estar em revolta constante, mesmo em
Portugal. E todos sabemos onde isso pode ir dar.
Deixe então ? como mero aviso ? que termine recordando o texto de
apresentação da revista Alma Nacional, por António José de Almeida, em 10
de Fevereiro de 1910. Explicando o desenho da capa da revista, da autoria
do artista conimbricense António Augusto Gonçalves, alude assim a uma
afirmação de Almeida Garrett, das Cartas de M. Scevola, de 1830:
?É certo. Os portugueses são assim, como diz Garrett: sofredores,
pacientes, resignados. Mas, no meio da trágica resignação do seu sofrer, é
visível a indómita rebeldia do seu carácter. São morosos na insurreição,
mas, no momento supremo, quando a medida se enche, não há dique que se
oponha ao extravasar da sua cólera.?

Cordiais saudações
Coimbra, 1 de Outubro de 2012
Luís Reis Torgal
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