[nota
prévia] Tomei conhecimento por esta via do editorial intitulado ?Novo SEC, novo OE: o Património no Estado - parte II: políticas?, da autoria de Catarina Valença Gonçalves e incluído no sítio Património.PT. Li-o com toda a merecida atenção e entendo dever comentá-lo, também por esta via, sem prejuízo de o meu comentário poder naturalmente ser reproduzido naquele sítio, se os respectivos editores assim considerarem pertinente. Luís
Raposo Interesse Público e Actividades Comerciais
Em
editorial intitulado ?Novo SEC, novo OE: o Património no Estado - parte II:
políticas?, publicado no site Património.PT (http://www.patrimonio.pt/), aborda
Catarina Valença Gonçalves uma questão importante e muito actual em matéria de
políticas do património cultural, a saber: a necessidade de definição
Partilho com a
editorialista a análise que faz quanto ao incremento do chamado ?mercado do
património?, seja na vertente da oferta proporcionada pelos detentores do mesmo,
especialmente o Estado (o mesmo não se pode dizer, infelizmente, do outro grande
detentor de património cultural público, Dito
isto, importa-me sobretudo sublinhar as distâncias que pressinto existirem entre
as ideias expressas pela editorialista e as que eu defendo. Constituem
diferenças de natureza doutrinária, decorrentes do entendimento que dermos a
conceitos como os A
ideia de fundo que perpassa a demanda da editorialista e acima resumi, a de que
é possível e desejável estabelecer uma fronteira entre ?serviço público? a
?actividades comerciais? em museus e monumentos, cabendo ao Estado o primeiro e
aos agentes privados as segundas, afigura-se especialmente frágil e perigosa. A
fragilidade pode decorrer de mera ingenuidade. Mas o perigo envolve
necessariamente interesses mais ou menos explícitos ou mais ou menos ocultos de
agentes que se pretendem posicionar neste sector não propriamente para ?estar ao
serviço do património?, mas para com ele poderem realizar receita destinada a
apropriação privada ? o que obviamente é totalmente legítimo (seja sob a forma
de recursos dirigidos ao pagamento de trabalho, seja sob a forma de riqueza
destinada a distribuição accionista, aquilo a que vulgarmente chama lucro) e não
deve ser objecto de juízo moralista, mas importa explicitar para que não sejamos
levados a ?comer gato por lebre?. Admito, falando
especificamente de museus públicos, por maior facilidade argumentativa, que haja
?actividades comerciais? aí realizadas e que as mesmas escapem ao conceito
Atentemos na definição
Claro
que uma boa gestão Já um
concerto musical, ao invés, poderá muito bem ter lugaro em espaço exterior, no
perímetro de um museu. Nós próprios o promovemos no Apenas em casos como os
indicados podem as actividades realizadas em museus ser consideradas como
?comerciais?. Em tudo o resto, que desejavelmente constituirá a esmagadora
maioria da vida corrente das instituições, as actividades dos museus não são
?comerciais?, porque não visam, nem podem visar, o lucro e porque servem as
funções museológicas e constituem, por consequência, ?serviço público?. Assim é
quanto à conservação e restauro dos acervos, quanto aos programas educativos ou
até quanto às lojas, ou seja, quanto a quase todos os exemplos apresentados pela
editorialista. Exceptuar-se-ão porventura os casos de festas de aniversário ou
outras actividades idênticas, se destas estiver ausente qualquer relação com o
acervo do museu locatário (o que normalmente não é o caso), condição em que se
aplicaria o que ficou dito no parágrafo anterior. Claro
que muitas destas actividades Não
nos iludamos, porém: na maior parte dos casos estes modelos de parceria
resultarão em gastos para o erário público maiores do que se os mesmos serviços
fossem prestados através de recursos internos das instituições. Importa
sublinhar que eu sou dos que entendem que este aumento de custos pode
justificar-se, caso se traduza em acréscimos de operacionalidade e de qualidade
no serviço público. Mas não deixa de ser um aumento de custos. Os ?cantos de
sereia? que pretendem o contrário, são os mesmos que conduziram o País ao
?buraco? das PPPs. Dir-se-á que existem ainda
pelo menos duas vias alternativas e mais radicais: a do envolvimento dos
privados, através de capitais próprios, em actividades museológicas e
patrimoniais em geral. E a privatização pura simples da gestão, senão da
propriedade de museus e monumentos públicos. Encontram-se no primeiro
caso exemplos como os da concessão a privados de lojas ou equipamentos de
restauração. Dentro dos limites impostos no Plano Estratégico (definição da
missão e dos objectivos sociais) Quase
o mesmo diria quanto à entrega a privados da gestão (nunca da propriedade, por
motivos elementares de soberania nacional) de património cultural público,
nomeadamente do que se conserva em museus. Mas aqui as condições a impor serão
muito mais exigentes, a ponto de poderem constituir reservas ditadas por
pressupostos político-ideológicos. Vejamo-las. Quererão os privados
assumir a gestão de equipamentos (monumentos ou museus) que jamais darão lucro,
salvo se forem usados para fins comerciais extremos, incompatíveis com a sua
natureza identitária ? Desculpem o exemplo porventura chocante: quererá algum
privado tomar conta de uma abadia ou uma fortaleza mal localizada, porventura
necessitada de restauros vultuosos, sem especiais atractivos para
Mas
admitindo que sim, que ainda existe charme, existe seriedade e que os fundos
públicos (nacionais ou europeus) a que fatalmente se há-de recorrer não são
usados apenas para benefício de proprietários, mediadores, empreendedores ou
especuladores imobiliários e se concretiza de facto um projecto economicamente
viável, com a vantagem de garantir a conservação do bem público. Estarão os
privados disponíveis para os ónus que em meu entender obrigatoriamente lhes
terão de ser impostos, como por exemplo o de permitirem o acesso aos espaços que
gerem, mesmo aos mais reservados, mediante calendário conhecido e divulgado
publicamente ? Algo que é rigorosamente cumprido em países de capitalismo
sedimentado, como o Reino Unido, onde o Mais
importante ainda. Sendo certo que apenas os equipamentos mais facilmente
rentáveis do ponto de vista financeiro serão desejados pelos privados, a
pergunta que resta é a de saber se pode o Estrado, em defesa dos contribuintes
(nem sequer me refiro aqui aos cidadãos, que todavia constituem os principais
protagonistas de todo este enredo), demitir-se de ser ele próprio a obter tais
proveitos ? E fazendo-o, ou seja aceitando descapitalizar-se lá onde poderia
gerar ganhos líquidos, que consequências terá tal opção, nos prejuízos que
forçosamente terá com os restantes bens patrimoniais à sua guarda, seguramente a
maioria ? Dito de forma mais directa: pode o Estado manter uma política de
património cultural Poder-se-á finalmente, e
com muito mais acerto, dizer que os termos contratuais de cada entrega à gestão
privada podem defender muito bem o interesse o público, produzir efeitos
limitados no tempo, prever monitorização e calendários de renegociação ou
resolução por vontade de qualquer das partes, sem especiais penalizações, e
ainda por cima conduzir à recuperação de receita que pode ser posta ao serviço
de uma política nacional de património. Desconheço se assim é no caso de
Sintra-Queluz e importaria que a nova palavra que enche tantas bocas, accountability, tivesse também aqui
sentido prático, ou seja, que fossem divulgados publicamente esses contratos.
Mas admito que seja e que, além do mais, a questão da propriedade tenha ficado
blindada, quer dizer reservada ao domínio público. Então, sendo assim, não vejo
objecções de fundo, quer dizer doutrinárias, para que seja adoptado este tipo e
opção gestionária. Como
se vê por tudo o que fica dito, a oposição não é apenas a entre ?serviço
público? e ?actividades comerciais? que considero fragil e perigosamente
fundamentada. É a própria dicotomia entre ?big picture? (Estado) e ?hands-on?
(privados) que considero ingénua ou - o que não será certamente o caso da
editorialista ? ditada por interesses que mais não visam do que proceder à
transferência de bens comuns para a criação de riqueza apropriada por alguns. E
foi por ter presente toda esta complexidade que entendi passar ao papel estas
minhas reflexões. Luís
Raposo ---------- Forwarded message ---------- From: patrimonio.pt <patrimonio.pt@spira.pt> Date: 2012/11/27 Subject: [Museum] Editorial - "Novo SEC, novo OE: o Património no Estado - parte II: políticas" To: museum@ci.uc.pt, histport@ml.ci.uc.pt, archport@ci.uc.pt A patrimonio.pt (www.patrimonio.pt) informa todos os interessados que foi hoje
publicado o Editorial "Novo SEC, novo OE: o Património no Estado - parte
II: políticas", que se encontra no seguinte link: http://patrimonio.pt/index.php/editorial/397-editorial-27-11-2012
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