Se se
realizassem as três tarefas que se indicam adiante talvez a discussão que Luis
Raposo abriu, com a crítica ao artigo de Catarina Valença Gonçalves, se
pudesse aprofundar ainda mais.
As
três tarefas são as seguintes:
1)
Não continuemos a confundir Museus com Património.
2)
Definamos um critério objetivo e quantificável para avaliar e comparar o
trabalho de gestão do Património nos museus portugueses (incluindo os
palácios, monumentos, e demais instituições equiparadas).
3)
Dividamos «aquilo que consideramos que é Património» pelas três possibilidades
que nos são permitidas.
1) No
que se refere à primeira tarefa, de eliminar essa ilegítima apropriação do
Património pelo Museu adotemos, por exemplo, e apenas para quebrar
heuristicamente essa confusão, a seguinte distinção: --- «O Património é um
?suporte? constituído por ?documentos/dados?, resultantes de
?partes da Realidade consideradas Relevantes?. O trabalho patrimonial tenta
que o acesso (?informação?) a esses documentos/objetos pela
memória-cognição dos presentes e vindouros não tenha limitações (espaciais,
temporais, contextuais ou outras). Os designados ?museu?, ?biblioteca?,
?arquivo?, e outras infra-estruturas equiparadas, são uma espécie de película
que serve apenas para envolver alguns tipos de Património».
De
facto, a consequência da ilegítima apropriação do Património pelo Museu não é
ingénua, nem desinteressada. A ?indústria do frio?, como lhe chamava Luís
Efren Casanovas, o design, a arquitetura, os académicos, e toda uma imensa
turba, têm encontrado uma bela fonte de rendimento a pretexto dessa confusão
criada pela definição do ICOM ainda em vigor. Dizerem que (passo a citar)
«estão a fazer de trabalho em museu» tem dado imenso jeito. Os Restauradores e
Conservadores, os profissionais que gerem o Património foram relegados para o
lugar subalterno em que se encontram hoje. Quase que foram expulsos dos museus
pelos Novos Donos. Afinal o Património só estava ali para atrapalhar. É fácil
constatar que aquela confusão entre Museu e Património tem ajudado
financeiramente muitas profissões e profissionais que nada têm a ver com a
responsabilidade pelo Património, nem sequer pretendem ter. Às críticas
respondem: «trabalhamos em Museus, tal como a definição do ICOM os
define».
2) No
que se refere à comparação e avaliação do trabalho de gestão do Património
realizada pelos museus portugueses (concretamente, os objetos e documentos que
pertencem às coleções dos acervos desses museus) adote-se o seguinte Índice:
--- Índice de Avaliação do Trabalho Patrimonial (IP) = ¦x.å [índice
de preservação + índice documental + índice de comunicação]
coeficiente de transmissão + coeficiente de reconstituição
Após
a sua aplicação coloquemos os museus portugueses por ordem das notas
obtidas.
3)
Finalmente, dividamos «aquilo que consideramos que é Património» pelos três
tipos de possibilidades que Nathalie HEINICH (2009) discerniu da relação
estabelecida por Maurice GODELIER (1996) e Annette WEINER (1992): os bens
?alienáveis-alienados?, os bens ?inalienáveis-alienados? e os bens
?inalienáveis-inalienados?. E após essa arrumação discuta-se então a
exploração económica-financeira dos ávidos negócios.
O
Património não é confundível com o Museu.
Se se
realizassem essas três tarefas talvez se conseguissem encontrar soluções de
compromisso entre o Estado, o interesse Privado, e a responsabilidade pela
gestão do Património. E através delas talvez se pudesse formular um programa
de governo melhor para orientar a referida gestão do património e dos museus
em Portugal.
Talvez
seja oportuno dizer que substituir a perspetiva «burocrática-administrativa»
do SE do anterior governo e DGPC do atual até há pouco tempo, pela perspetiva
«estetizante» do atual SE, não parecem ser bons caminhos para a gestão do
património e dos museus em Portugal. A palavra «gestão» está lá nos dois
governos e nos dois responsáveis, mas é usada nessas duas visões que, em
termos de resultados para o Património, são equivalentes.
Mais
exposições, mais serviço educativo, mais online (isto é, apenas cumprir a
parte que no Índice se refere à «comunicação») deixa por resolver a
«documentação», a «preservação», a «reconstituição» e a «transmissibilidade»
(crucial no momento em que estamos perante uma mudança tecnológica tão
profunda que torna obsoletos suportes de informação de há cinco ou dez anos).
Também «mais Estado» ou «mais Privado» é uma discussão que passa ao lado da
gestão do Património, embora não passe ao lado dos lucros e dos negócios. Mais
Estado até talvez signifique mais barato para os contribuintes, e um País mais
competitivo. Nenhum grande desígnio do País, nem nenhum dos êxitos mais
significativos da história de Portugal foi alcançado sem a intervenção forte e
centralizadora daquilo a que agora chamamos «Estado».
Separados
e fragmentados, ralhando uns com os outros por faltar o pão, somos uma presa
mais fácil para os interesses estranhos ao nosso Património.
Pedro
Manuel-Cardoso