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[Archport] A peça do mês (Setembro) - A placa de grés da Anta do Espadanal, Estremoz - Apresentada pelos Drs. Vitor S. Gonçalves e Carlos Prates

To :   Archport Lista Arqueologia <archport@ci.uc.pt>, Museum Lista Museus <museum@ci.uc.pt>, histport Lista História <histport@ml.ci.uc.pt>
Subject :   [Archport] A peça do mês (Setembro) - A placa de grés da Anta do Espadanal, Estremoz - Apresentada pelos Drs. Vitor S. Gonçalves e Carlos Prates
From :   Pedro Marques <pmcmarques@hotmail.com>
Date :   Fri, 27 Sep 2013 10:26:53 +0000


 

A peça do mês

 

O Museu Nacional de Arqueologia (MNA) possui um acervo de muitos milhares, na verdade centenas de milhares, de objectos. Provêm eles de intervenções arqueológicas programadas ou de achados fortuitos, tendo sido incorporados por iniciativa do próprio Museu ou por depósito ou por doação de investigadores e coleccionadores.

Todos os períodos cronológicos e culturais, e também todos os tipos de peças, desde a mais remota Pré-História até épocas recentes, neste caso com relevo para as peças etnográficas, estão representados no MNA. Às colecções portuguesas acrescentam-se as estrangeiras, igualmente de períodos e regiões muito diversificadas.

O MNA é ainda o museu português que possui no seu acervo a maior quantidade de peças classificadas como “tesouros nacionais”.

Existe, pois, sempre motivo de descoberta nas colecções do Museu Nacional de Arqueologia e é esse o sentido da evocação que fazemos, em cada mês que passa, e renovadamente no ano de 2013, em que o MNA celebra o seu 120º aniversário de fundação.

 

A Peça do Mês de Setembro

 

A apresentar por Vítor Gonçalves e Carlos Prates, em 28 de Setembro de 2013 às 15h

PLACAS DE XISTO, PLACAS DE GRÉS, DIFERENTES SUPORTES, DIFERENTES REALIDADES? A PLACA DE GRÉS DA ANTA DO ESPADANAL (Nº 989.27.1), ESTREMOZ

 

Em finais do 4º milénio antes da nossa Era, e durante a primeira metade do 3º, as figurações dos Deuses têm vários suportes. O barro, o osso, as pedras verdes, o calcário, o xisto, o serpentinito, o grés...

Mas o material usado para o suporte de essas imagens é mesmo importante?

Bem, deveríamos dizer que a Deusa e o Jovem Deus, seu filho, fazem aparições distintas, por vezes com enquadramentos temporais diferentes e aparecem representados sobre vários suportes. A Deusa em todos eles, menos, até agora, em pedras verdes. O Jovem Deus sobretudo em xisto e osso. No primeiro caso, associado ou não à Deusa, no segundo, sozinho.

As placas de xisto gravadas são de todos os artefactos ideotécnicos os mais fortemente identitários. Os motivos simbólicos das cerâmicas do 3º milénio a.n.e. aparecem em todo o Sul Peninsular com uma impressionante regularidade e, mesmo, similitude. Mas as placas de xisto gravadas são tipicamente «portuguesas», com alguns exemplares em Huelva, outros em Badajoz e alguns poucos fragmentos em Salamanca, prováveis resultados da circulação a longa distância dos pastores do interior peninsular.

Sobretudo pelas escavações de Leite de Vasconcellos e, logo a seguir, de Manuel Heleno, muitas centenas de placas deram entrada no Museu Nacional de Arqueologia, como hoje é chamado. E, com elas, umas outras, de grés, lisas ou com motivos gravados. As lisas foram consideradas como afiadores ou polidores, devido ao desgaste central que apresentavam, mas também porque os trabalhadores alentejanos contratados para as escavações adoravam afiar as suas navalhas no grés, óptimo para esse efeito. Apanhei alguns a tentar fazê-lo nos Penedos de S. Miguel. No Alto Algarve Oriental, onde não há grés, faziam o mesmo nas mós manuais de grauvaque, se não os detivéssemos a tempo... Para estas placas há ainda registos onde são designadas por amoladeiras.

As placas de grés gravadas apresentam vários elementos simbólicos, mas, num grupo significativo delas, são mesmo de figurações antropomórficas (ou melhor: teomórficas) que se trata. Agostinho Isidoro publicou algumas, do Crato, eu próprio, ainda que sumariamente, as duas notáveis placas da Anta dos Penedos de S. Miguel, também do Crato, e Jorge de Oliveira divulgou recentemente uma nova série, da Coudelaria de Alter.

Quais as questões que estas placas levantam e em que são assimiláveis às de xisto?

O xisto tem uma fractura laminar, o grés não. O xisto suporta excelentes gravações, assim o artesão estivesse à altura da tarefa. O grés pode ser delicadamente esculpido em baixo relevo. Mas estas características dos suportes não afectam a situação nodal: os componentes da gramática decorativa são aparentemente similares. Olhados de perto, porém, ganham diferenças e perdem similitudes. Quanto a mim, as placas de grés são posteriores às primeiras placas de xisto e aproximam-se das figurações adaptadas da Deusa sobre xisto, que encontramos entre 2900 e 2500 a.n.e., em intervalo de tempo de rádio carbono. Os tempos dos primeiros arqueometalurgistas do cobre a entrar no Ocidente peninsular...

A placa da Anta do Espadanal inclui componentes específicos de grande interesse, sendo uma placa grande, bem esculpida. Como tema abstracto, apresenta, no verso e nos bordos laterais, cinco linhas ziguezagueantes dispostas na horizontal. Mas o que impressiona imediatamente são os Olhos e o conjunto dos braços simétricos com grandes mãos que apresenta.

Os Olhos são perfurações circulares profundas, centradas em depressões cupuliformes, e não são radiantes. Acompanhando a sua segunda metade, e prolongando-se até aos bordos da placa, foram esculpidos em relevo dois pares de duas pinturas ou tatuagens faciais, que normalmente acompanham as figurações da Deusa.

As mãos de dimensões exageradas são uma forma metafórica de representar o poder do indivíduo, Chefe ou Divindade, veja-se o caso de Vale Camonica, nos Alpes italianos. Neste caso, os braços flectidos parecem suster o ventre, tal como na Anta dos Penedos de S. Miguel, onde este estava ainda salpicado de ocre vermelho.

A placa, que se fragmentou durante a escavação conduzida por Manuel Heleno, foi, em época incerta, admiravelmente restaurada.

                                                                                                          

 

Victor S. Gonçalves

 

 

 




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