A peça
do mês
O Museu Nacional de
Arqueologia (MNA) possui um acervo de muitos milhares, na
verdade centenas de milhares, de objectos. Provêm eles de intervenções
arqueológicas programadas ou de achados fortuitos, tendo sido incorporados por
iniciativa do próprio Museu ou por depósito ou por doação de investigadores e
coleccionadores.
Todos os períodos
cronológicos e culturais, e também todos os tipos de peças, desde a mais remota
Pré-História até épocas recentes, neste caso com relevo para as peças
etnográficas, estão representados no MNA. Às colecções portuguesas
acrescentam-se as estrangeiras, igualmente de períodos e regiões muito
diversificadas.
O MNA é ainda o
museu português que possui no seu acervo a maior quantidade de peças
classificadas como “tesouros nacionais”.
Existe, pois,
sempre motivo de descoberta nas colecções do Museu Nacional de
Arqueologia e é esse o sentido da evocação que fazemos, em
cada mês que passa, e renovadamente no ano de 2013, em que o MNA celebra o seu
120º aniversário de fundação.
A Peça do Mês de Setembro
A
apresentar por Vítor
Gonçalves e Carlos Prates, em 28 de Setembro de 2013 às 15h
PLACAS DE XISTO,
PLACAS DE GRÉS, DIFERENTES SUPORTES, DIFERENTES REALIDADES? A PLACA DE GRÉS DA ANTA DO ESPADANAL (Nº
989.27.1), ESTREMOZ
Em finais do 4º
milénio antes da nossa Era, e durante a primeira metade do 3º, as figurações
dos Deuses têm vários suportes. O barro, o osso, as pedras verdes, o calcário,
o xisto, o serpentinito, o grés...
Mas o material usado para o suporte de
essas imagens é mesmo importante?
Bem, deveríamos
dizer que a Deusa e o Jovem Deus, seu filho, fazem aparições distintas, por
vezes com enquadramentos temporais diferentes e aparecem representados sobre
vários suportes. A Deusa em todos eles, menos, até agora, em pedras verdes. O Jovem
Deus sobretudo em xisto e osso. No primeiro caso, associado ou não à Deusa, no
segundo, sozinho.
As placas de xisto
gravadas são de todos os artefactos ideotécnicos os mais fortemente
identitários. Os motivos simbólicos das cerâmicas do 3º milénio a.n.e. aparecem
em todo o Sul
Peninsular com uma impressionante regularidade e, mesmo,
similitude. Mas as placas de xisto gravadas são tipicamente «portuguesas», com
alguns exemplares em Huelva, outros em Badajoz e alguns poucos fragmentos em
Salamanca, prováveis resultados da circulação a longa distância dos pastores do
interior peninsular.
Sobretudo pelas
escavações de Leite de Vasconcellos e, logo a seguir, de Manuel Heleno, muitas
centenas de placas deram entrada no Museu Nacional de
Arqueologia, como hoje é chamado. E, com elas, umas outras,
de grés, lisas ou com motivos gravados. As lisas foram consideradas como
afiadores ou polidores, devido ao desgaste central que apresentavam, mas também
porque os trabalhadores alentejanos contratados para as escavações adoravam
afiar as suas navalhas no grés, óptimo para esse efeito. Apanhei alguns a
tentar fazê-lo nos Penedos de S. Miguel. No Alto Algarve Oriental, onde não há
grés, faziam o mesmo nas mós manuais de grauvaque, se não os detivéssemos a
tempo... Para estas placas há ainda registos onde são designadas por
amoladeiras.
As placas de grés
gravadas apresentam vários elementos simbólicos, mas, num grupo significativo
delas, são mesmo de figurações antropomórficas (ou melhor: teomórficas) que se
trata. Agostinho Isidoro publicou algumas, do Crato, eu próprio, ainda que
sumariamente, as duas notáveis placas da Anta dos Penedos de S. Miguel, também do Crato, e
Jorge de Oliveira divulgou recentemente uma nova série, da Coudelaria de Alter.
Quais as questões
que estas placas levantam e em que são assimiláveis às de xisto?
O xisto tem uma
fractura laminar, o grés não. O xisto suporta excelentes gravações, assim o
artesão estivesse à altura da tarefa. O grés pode ser delicadamente esculpido em baixo relevo. Mas
estas características dos suportes não afectam a situação nodal: os componentes
da gramática decorativa são aparentemente similares. Olhados de perto, porém,
ganham diferenças e perdem similitudes. Quanto a mim, as placas de grés são
posteriores às primeiras placas de xisto e aproximam-se das figurações
adaptadas da Deusa sobre xisto, que encontramos entre 2900 e 2500 a.n.e., em intervalo de
tempo de rádio carbono. Os tempos dos primeiros arqueometalurgistas do cobre a
entrar no Ocidente peninsular...
A placa da Anta do
Espadanal inclui componentes específicos de grande interesse, sendo uma placa
grande, bem esculpida. Como tema abstracto, apresenta, no verso e nos bordos
laterais, cinco linhas ziguezagueantes dispostas na horizontal. Mas o que
impressiona imediatamente são os Olhos e o conjunto dos braços simétricos com grandes mãos que apresenta.
Os Olhos são
perfurações circulares profundas, centradas em depressões cupuliformes, e não
são radiantes. Acompanhando a sua segunda metade, e prolongando-se até aos
bordos da placa, foram esculpidos em relevo dois pares de duas pinturas ou
tatuagens faciais, que normalmente acompanham as figurações da Deusa.
As mãos de
dimensões exageradas são uma forma metafórica de representar o poder do
indivíduo, Chefe ou Divindade, veja-se o caso de Vale Camonica, nos Alpes
italianos. Neste caso, os braços flectidos parecem suster o ventre, tal como na
Anta dos Penedos de S. Miguel,
onde este estava ainda salpicado de ocre vermelho.
A placa, que se
fragmentou durante a escavação conduzida por Manuel Heleno, foi, em época
incerta, admiravelmente restaurada.
Victor S. Gonçalves