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[Archport] O museu de arqueologia tem uma exposição debaixo de água

To :   archport <archport@ci.uc.pt>
Subject :   [Archport] O museu de arqueologia tem uma exposição debaixo de água
From :   Alexandre Monteiro <no.arame@gmail.com>
Date :   Mon, 21 Apr 2014 02:29:50 +0100

O museu de arqueologia tem uma exposição debaixo de água

Público, por Catarina Moura

21/04/2014 - 01:20


Há 30 anos que se começou a investigar o que há no fundo do mar em
Portugal. A exposição O Tempo Resgatado ao Mar faz o resumo destas
décadas e quer lembrar que o património guardado pelo mar é um ponto
fundamental do debate sobre este recurso natural. Uma exposição que é
uma oportunidade de percorrer milhares de léguas submarinas. “Tanto
mar, tanto mar.”


Quando se passa a primeira arcada azul escuro é como entrar em apneia,
como quando se está debaixo de água e as imagens são mais lentas e os
sons menos nítidos e mais profundos. Não é só por causa das paredes de
tom escuro (que durante o percurso vão ficando mais claras), mas
especialmente por causa do vídeo do artista Nelton Pellenz, Azul
Profundo, que nos dá a impressão de uma entrada no mar. É isso que
quer O Tempo Resgatado ao Mar, exposição patente até ao final do ano
no Museu Nacional de Arqueologia, em Lisboa: mergulhar-nos num mar que
conserva património e que é uma porta de entrada noutras Eras.

A exposição reúne 30 anos de arqueologia subaquática em Portugal – uma
actividade que começou a ser estruturada e leccionada nas
universidades nos anos 1980. Mostra peças, algumas delas expostas pela
primeira vez, recolhidas em ambientes marítimos, fluviais ou mesmo
húmidos, como grutas, em todo o território nacional. As peças estão
dispostas por ordem cronológica e agrupadas segundo o lugar em que
foram encontradas, cobrindo o período histórico desde a época
pré-romana ao século XX.


À entrada, enquanto ouvimos os barulhos subaquáticos do vídeo de
Pallenz, olhamos de frente para uma canoa, um achado furtuito no rio
Lima. Tem uma simplicidade rudimentar, sem ornamentos, só a madeira,
as linhas essenciais de uma piroga e a falta de um pedaço ou outro. No
entanto, no contexto da exposição ganha um valor de obra de arte:
posta ao nível do chão, dentro de uma vitrine profunda, com fundo
escuro e que do seu topo até à peça tem escrito o nome da exposição.
“É como se estivesse posta no fundo do mar”, diz Maria Amélia
Fernandes, coordenadora da exposição.

Apesar da sua simplicidade, é o mote para esta mostra. “É a figura
convite em que as pessoas podem entrar para fazer esta viagem”, diz
António Carvalho, director do Museu Nacional de Arqueologia. Esta
canoa, um objecto que expressa uma ligação intemporal e universal com
o mar, diz Maria Amélia, já que é reconhecido por qualquer pessoa de
qualquer lugar, tem além disso grande relevância arqueológica – é uma
peça do século VII, rara em Portugal e em qualquer parte do mundo e
que confirma aquela zona do rio Lima como lugar ancestral de
travessia.

Depois de ser encontrada, em 1996, ficou até 2013 imergida numa
solução aquosa por falta de meios adequados à sua secagem em Portugal.
É necessário um tratamento cuidado destas peças depois de retiradas da
água porque a mudança do ambiente aquoso para o ambiente seco é brusca
e danifica a madeira. “Foi descoberta uma outra piroga no Lima e
deixada a secar [por quem a encontrou] ao sol. Ficou toda torcida”,
conta Maria Amélia. Em 2013, o Museu Nacional de Arequilogia conseguiu
fazer uma parceria com o espanhol Museo Nacional de Arqueología
Subacuática, em Cartagena, que com recursos caros e muito específicos
para este tipo de recuperações, secaram a canoa por liofilização, um
processo de desidratação que durou três semanas. “Inicialmente
pensaram que o processo ia levar mais tempo. Também para eles foi uma
experiência nova, nunca tinham tratado uma peça destas”, diz Maria
Amélia.

Cápsulas do tempo

Estes pormenores técnicos e científicos convivem em O Tempo Resgatado
ao Mar com a informação mais essencial sobre a arqueologia subaquática
para mostrar, através dos artefactos encontrados, mas também de
vídeos, gravuras e pinturas, como trabalha esta disciplina.
“Desmistifica-se a ideia da recolha de objectos de proveniência
submersa de forma arbitrária ou de caça ao tesouro”, escreve no
catálogo da exposição Adolfo Silveira Martins, comissário científico
da exposição, lembrando que é mais comum o público conseguir
reconhecer uma escavação arqueológica em terra que uma subaquática.

Esta é uma das razões porque, segundo António Carvalho, O Tempo
Resgatado ao Mar não tem um só público alvo. O director do Museu diz
sentir igual entusiasmo quando guia uma visita a esta exposição a um
historiador, a um grupo de portugueses ou a uma delegação de
estrangeiros, como os romenos que, diz, se sentiram maravilhados com
este mundo do mar, que associam imediatamente a Portugal, e a que não
têm tão grande acesso no seu país de origem.

Além do aspecto científico, muito presente, esta é “uma exposição
bonita”, diz, sublinhando o grande cuidado em criar um ambiente
cénico, em que a luz e os cenários são importantes na valorização das
peças. Por causa desta apresentação cuidada somos tentados a equiparar
o valor de moedas de prata ou jóias de ouro da naufragada Nau Nossa
Senhora dos Mártires, do século XVII, às nozes e castanhas resgatadas
do século XV, ou às solas de sapatos do século XVII.

Resgatar pedaços de tempo é de facto a expressão a aplicar. Adolfo
Silveira Martins fala em “cápsulas do tempo” para se referir aos
núcleos arqueológicos submersos. A água, por ser um ambiente com pouco
oxigénio, dificulta o desenvolvimento de organismos vivos que ajudam à
degradação das peças. É por isso que há uma variedade tão grande de
materiais nesta exposição: da madeira ao couro, das cordas náuticas de
fibra vegetal aos grãos de pimenta vinda da Índia, nada disto teria
chegado aos nossos dias se estivesse em terra.
A água não é apenas um bom ambiente para nos fazer chegar vários tipos
de património, mas ainda para fazê-los chegar em óptimo estado de
conservação. Exemplo disso é o mosquete em madeira, uma arma de fogo
do século XVII, que ainda tem gravado o símbolo do seu fabricante, e
uma pequena escultura de um elefante, também em madeira, que manteve
até hoje todos os mais pequenos golpes e traços expressivos.

O Tempo Resgatado ao Mar é assim espaço para a relação do mar com o
homem e com os objectos por ele produzidos. No Museu Nacional de
Arqueologia podemos ver rochas que se formaram em torno de moedas de
prata de naufrágios do início do século XVII, ou mesmo uma espada
concrecionada - um aglomerado de sedimentos e conchas que se
solidificou em torno de uma espada e que acabou por corroê-la ao ponto
de ela desaparecer. Agora resta o aglomerado de matéria orgânica e
inorgânica em forma de espada: raio-x à peça que está exposta suspensa
numa tina de água para que não se parta, mostra apenas a sombra de uma
espada e confirma que dentro da concreção já não há nada.

Nos 120 anos do Museu Nacional de Arqueologia e nos 30 da arqueologia
subaquática em Portugal, o ponto da situação desta disciplina feito em
O Tempo Resgatado ao Mar revela 30 pontos arqueológicos que já foram
alvo de investigação. Mas o país tem um dos mais importantes espaços
marítimos com uma fronteira marítima de 835 quilómetros e um
território marítimo de 15 mil quilómetros quadrados, que podem ser
alargados a 4 milhões, com a proposta da política de expansão da
plataforma continental.

“A exposição quer colocar o debate do património subaquático no mesmo
plano de outros relacionados com as potencialidades do mar”, diz
António Carvalho, acrescentando que o tema do património não é
facilmente associado ao mar como são, por exemplo, as energias
renováveis. Recorda o exemplo do texto assinado pelo já presidente
Presidente Cavaco Silva na Revista Única, do jornal Expresso de 23 de
Outubro de 2010. Aí o Presidente da República enumera exaustivamente
todas as potencialidades do mar, nunca tocando no tema do património.

Estima-se que na área marítima portuguesa haja cerca de 3 mil pontos
de possível interesse arqueológico e que correspondem principalmente a
naufrágios registados perto da costa. Destes pontos destaca-se o sítio
arqueológico de São Julião da Barra, em Cascais, onde os artefactos
por descobrir serão incontáveis. “É uma lixeira arqueológica”, brinca
António Carvalho.

A história trágico-marítima iniciada com os Descobrimentos guarda
ainda estas peças que a população da época não teve capacidade de
resgatar. A fechar a exposição estão os dois quadros de Jean Pillement
que retratam o naufrágio do San Pedro de Alcantara em Peniche, no
século XVIII. Mostram o momento do naufrágio, do mar deserto, cheio de
destroços, mas também o momento da manhã seguinte, com o mar povoado
de gente, em pequenas embarcações, a apanhar tudo o que conseguia.
Mesmo ao lado, uma gravura do mesmo naufrágio, de Luis Paret, tem
escrito “A desgraça imprevista, e a felicidade inesperada”.





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