A abertura
ao público do Núcleo de Interpretação da Muralha de D. Dinis, localizado no
subsolo do futuro edifício do Museu do Dinheiro do Banco de Portugal, em plena
baixa pombalina, foi noticiada nalguns jornais e mereceu mesmo rasgados elogios
nas redes sociais. Trata-se não só de uma descoberta que enriquece
significativamente o Património e a Arqueologia da cidade de Lisboa, como
testemunha de forma exemplar como esse mesmo Património pode (e deve) ser
integrado e valorizar um projecto de reabilitação urbana com a dimensão e a
qualidade que envolve o aproveitamento da antiga Igreja de S. Julião e dos
edifícios anexos para os fins atrás referidos.
A obra não
teria sido possível sem a clarividência do seu dono, o Banco de Portugal, e de
todos quantos nela intervieram, com destaque natural para os arqueólogos
responsáveis pelas escavações aí realizadas e para quem projectou
posteriormente o seu adequado enquadramento no projecto pré-existente (http://www.bportugal.pt/SiteCollectionImages/BrochuraReabSede.pdf).
Permito-me,
porém, lembrar a contribuição dada para o desenvolvimento de todo este processo
pela Arqueóloga Mestra Ana Margarida Martins, da Extensão Territorial de Lisboa
do extinto IGESPAR, cujo trágico e prematuro falecimento a impediu de ver o
resultado final de um projecto que com o empenho, a clarividência e a
competência que todos lhe reconheciam acompanhou de perto nos seus primeiros
passos como representante da tutela. A ela fiquei a dever, aliás, como
Subdirector do IGESPAR, a chamada de atenção para a importância patrimonial
deste projecto, por ela fui alertado para a inesperada descoberta que a
escavação do subsolo dos edifícios a intervencionar permitiu e com ela
acompanhei também o subsequente desenvolvimento do processo, tendo as suas
informações e pareceres sido fundamentais para o desenrolar das várias reuniões
que se sucederam com os intervenientes na obra e que ajudaram a tornar possível
o resultado que todos podemos hoje admirar.
Apesar de
ter sido um dos Técnicos Superiores de Arqueologia que viu protelar muito para
além do admissível a precariedade do seu vínculo laboral à tutela, a Mestra Ana
Margarida Martins sempre se revelou uma incansável e comprometida colaboradora,
acompanhando com propostas de solução possíveis todos os problemas que
encontrava na sua actividade laboral quotidiana. Como profissional corporizava
aliás um exemplo não muito frequente de total e exclusiva dedicação ao
interesse público, apostando mesmo numa valorização da sua formação académica
que visava melhorar tal desempenho através da frequência de um mestrado em
Direito do Património, de cuja prossecução a sua capacidade intelectual deixava
também antever promissores resultados.
Estive com
a Ana Cristina Martins no último dia em que exerci funções no extinto IGESPAR,
quando ela simpaticamente se veio de mim despedir com a cordialidade de sempre.
Lembro-me de lhe ter repetido o que noutras ocasiões lhe havia já dito, meio a
sério, meio a brincar. A Arqueologia em Portugal e a tutela do Património,
todos nós, muito tínhamos a esperar dela.
Mal eu
sabia que era a última vez que nos encontrávamos e a forma como o destino a
viria a trair.
E de tudo
isto me lembrei eu, muito justamente e com saudade, a propósito do magnífico
Núcleo de Interpretação da Muralha de D. Dinis.
João Pedro
Cunha Ribeiro
Abril 2014