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[Archport] Evocando a actividade ímpar levada a cabo por Alexandra Gaspar em Braga

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Subject :   [Archport] Evocando a actividade ímpar levada a cabo por Alexandra Gaspar em Braga
From :   José D´Encarnação <jde@fl.uc.pt>
Date :   Fri, 13 Sep 2024 18:06:48 +0100

À memória, e pela memória, da Alexandra Gaspar (a Xana, como era conhecida por todos),

que nos deixou no dia 10 de setembro

 

Muitos conhecerão a arqueóloga Alexandra Gaspar, a Xana, pelo seu destacado papel na arqueologia urbana de Lisboa, mas poucos saberão alguma coisa sobre a sua aventura bracarense da década de 1980 e da sua ligação à Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho (UAUM) e ao Projeto de Salvamento de Bracara Augusta. Neste momento de pesar é, por isso, oportuno e justo destacar o seu importante contributo para esse Projeto.

Em 1982, quando a Xana se instalou em Braga, na sequência de um convite que lhe foi dirigido, o Projeto de Salvamento Bracara Augusta vivia um dos seus piores momentos, desde a sua criação, com o fim da excecional proteção legal aos terrenos arqueológicos de Braga, que havia vigorado entre 1976 e 1981. Este processo transformou Braga num imenso e descontrolado estaleiro de obras que duraria até à década seguinte.

Foi nesse caos de arqueologia preventiva, com poucos recursos humanos e ainda menos financiamento (o princípio do “construtor pagador” ainda não existia e o financiamento vinha da Universidade e do IPPC) e sob imensa pressão, que a Xana aceitou trabalhar em Braga, tendo-o feito de forma entusiástica e revelado algumas das suas extraordinárias virtudes: uma imensa coragem, um grande sentido de solidariedade e inegáveis qualidades de liderança.

Entre 1982 e 1986 a Xana realizou várias escavações na área urbana de Braga, com destaque para a lenta e complexa intervenção da Rua da Nossa Senhora do Leite, nas traseiras da Sé, cujos resultados, publicados em 1985, representam, ainda hoje, um contributo incontornável para o conhecimento da sequência de ocupação de Braga entre a época romana e a época contemporânea.

Na sua aventura bracarense, a Xana trabalhou de perto com Manuela Delgado, de quem foi amiga e atenta discípula, com ela tendo aprendido a estudar cerâmica, mas também a ética da humildade de admitir saber “sempre pouco”, perante o muito que ainda é desconhecido.  Por isso, foi natural que o estudo da cerâmica se tenha mantido como uma paixão maior da Xana, mesmo depois de regressar a Lisboa, em 1986, por impossibilidade de lhe ser garantido um contrato de trabalho que lhe assegurasse alguma estabilidade financeira.

Na década de 1990, a Xana deu continuidade à sua ligação à arqueologia bracarense, tendo-se inscrito no programa de Mestrado (pré-Bolonha) da Universidade do Minho, que oferecia uma especialização em Arqueologia Urbana. A sua dissertação, concluída em 2000, focou-se no estudo da cerâmica cinzenta tardia dos séculos V-VI, uma produção identificada nas escavações da Rua Nossa Senhora do Leite, em 1983. O estudo dessa produção, que assentou numa forte componente arqueométrica, constitui ainda hoje uma referência incontornável para quem queira investigar a Antiguidade Tardia de Braga e da região Norte da Península Ibérica.

Não tive a oportunidade de trabalhar com a Xana, entre 1982 e 1986, pois encontrava-me então a realizar o doutoramento, que só conclui em 1987. Tive sim o enormíssimo privilégio de ser sua amiga desde o dia em que a conheci em Lisboa, em 1982, e a desafiei para trabalhar em Braga. Desde então uniu-nos uma longa amizade, que resistiu ao tempo e à distância e se alimentou, sobretudo nas duas últimas décadas, de telefonemas circunstanciais e reencontros ocasionais, mas sempre feita de risos, cumplicidades e muita admiração.

A quem interessar, deixamos aqui uma resenha das publicações da Xana. referentes aos trabalhos que realizou em Braga. Em particular, é-me grato sinalizar a divulgação em acesso aberto da sua dissertação de Mestrado, uma obra incontornável, hoje mesmo depositada do RepositoriUM da Universidade do Minho, agradecendo a todos os que pressionei para o conseguir em tão curso tempo. Bem hajam.

 

Manuela Martins

Professora Catedrática aposentada da Universidade do Minho

 

Resenha bibliográfica

Gaspar, A. (1983) Sondagens na rua de Nª Sª do Leite. Cadernos de Arqueologia, série II, n.1, pp. 98-100. https://hdl.handle.net/1822/10430

Gaspar, A. (1985). Escavações Arqueológicas na Rua de Nª Sª do Leite, Cadernos de Arqueologia, série II, n. 2, pp. 51–125.

Gaspar, A. (1990) Escavações arqueológicas da rua de Nª Sª do Leite (Braga).  IX Centenário da Dedicação da Sé de Braga. Congresso Internacional Actas. vol. 1, Braga, Universidade Católica Portuguesa / Cabido Metropolitano e Primacial de Braga, 1990, p. 171-172.

Gaspar, A. (1991). Contribuição para o estudo das cerâmicas medievais de Braga, A cerâmica medieval no mediterrâneo ocidental. Santa Maria da Feira: Campo Arqueológico de Mértola, pp. 365–372. https://comum.rcaap.pt/bitstream/10400.26/2180/1/22_Contribui%C3%A7%C3%A3o_estudo_das_cer%C3%A2micas_medievais_Braga_CMMO_1991.pdf

Gaspar, A. (1995). Cerâmicas Medievais de Braga. Actas do 1º Congresso de Arqueologia Peninsular. Porto: Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia, pp. 253–260.

Gaspar, A. (2000). Contribuição para o estudo das Cerâmicas Cinzentas dos séculos V–VI d.C. de Braga. Braga: Universidade do Minho (Dissertação de Mestrado em Arqueologia). https://hdl.handle.net/1822/93058,

Gaspar, A. (2003). Cerâmicas cinzentas da antiguidade tardia e alto-medievais de Braga e Dume, Cerámicas tardorromanas y altomedievales en la Península Ibérica. Ruptura y continuidade. Madrid: CSIC, pp. 455–481.

 

 


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