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Este estado de coisas tem todos os ingredientes para correr muitíssimo mal. Refiro-me, sobretudo, ao destino dos valiosos espólios museológicos da SG, que na verdade é o que mais importa.
É evidente que as instituições não são eternas. E isso, em si mesmo, não é um mal, embora cause normalmente fortes traumas pessoais a quem esteja afectivamente ligado a uma instituição que entre em fase de decrepitude, como é o caso.
O que que mais interessa porém, repetirmos, é salvaguardar o património histórico-documental existente, proporcionando-lhe uma outra vida, digna, valorativa e publicamente útil, mesmo que noutro lugar.
Foi o que aconteceu, na transição do séc. XX para o XXI, com o outrora prestigiadíssimo “Musée de l’Homme”, em Paris, que então se encontrava num penoso e imparável processo de degradação e que, pura e simplesmente, foi fechado e as suas fantásticas coleções etnográficas, arquivos e biblioteca transferidos para o novel “Musée des Arts Premiers” – mais vulgarmente conhecido como “Musée du Quai Branly” –, que na altura acolheu também as colecções do antigo “Musée National des Arts Africains et Océaniens”, igualmente encerrado por idênticos motivos de infuncionalidade.
Devoto durante décadas do velho “Musée de l’Homme”, na altura fui dos que me indignei com a solução “revolucionária” de Jacques Chirac. Porém, a inequívoca adesão de Claude Lévi-Strauss à nova realidade fez-me repensar maturamente o que acontecera, ora privilegiando a racionalidade aos lamentosos e inoperantes saudosismos.
Entretanto visitei já três vezes o “Quay Braly”, podendo observar e contemplar as peças expostas com uma qualidade e um pormenor que nunca os ultrapassados meios técnicos do vetusto “Musée de l’Homme” me lograram proporcionar. E consultei já amiúde, on line – de forma rápida e gratuita – as fichas técnicas das colecções, as antigas fotografias e demais documentação, face oculta do novo museu ignorada pelo grande público mas que é, indubitavelmente, uma das suas maiores conquistas e valias científicas.
Depois de aliviado do seu pesado passado, o “Musée de l’Homme” repensou-se e reestruturou-se em silêncio durante vários anos, encontrando-se hoje reaberto mas profundamente transformado, deixando de verter inúteis lágrimas sobre leite derramado e ora construindo, para si, um renovado caminho.
Voltando à moribunda Sociedade de Geografia, a minha proposta – não como sócio, que nunca o fui, mas como defensor dos legados patrimoniais nacionais que sempre fui, continuo e continuarei a ser (suponho que com suficientes provas dadas) – é a seguinte:
(a) Transferência das colecções etnográficas da SG para o Museu Nacional de Etnologia, aproveitando-se esse momento para renovar e melhorar profundamente esta instituição pública ímpar em Portugal, tal como se decidiu já fazer com o seu “vizinho” Museu Nacional de Arqueologia.
(b) Transferência para o Museu Nacional de Etnologia de toda a documentação (antigas fotos, fichas, apontamentos, etc.) referente às colecções etnográficas e seus contextos.
(c) Transferência das colecções arqueológicas da SG – mormente as colecções egípcias – para o Museu Nacional de Arqueologia, ora em profunda e benéfica reestruturação.
(d) Transferência para o Museu Nacional de Arqueologia de toda a documentação (antigas fotos, fichas, apontamentos, etc.) referente às colecções arqueológicas e seus contextos.
(e) Entrega à Biblioteca Nacional de Portugal da biblioteca e do arquivo geral da SG, com a condição deste conjunto vir a ser aí considerado e tratado como um núcleo próprio indivisível e inalienável.
(f) Após aliviada de um passado material que a esmaga e destrói, repensar então uma futura SG virada para o presente e para o futuro quer em termos conceptuais, como científicos e técnicos, ultrapassando em definitivo a nostalgia de fases pretéritas que jamais retornarão, mas visando sim uma pragmática e efectiva utilidade pública de qualidade no Portugal do séc. XXI.
José Cardim Ribeiro
----- Mensagem de jde <jde@fl.uc.pt> ---------
Data: Mon, 26 May 2025 18:31:09 +0100
De: jde <jde@fl.uc.pt>
Assunto: [Archport] Sociedade de Geografia
----- Fim da mensagem de jde <jde@fl.uc.pt> -----
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