Comunicado
Na passada sexta-feira, dia 25 de Setembro, foram divulgadas na comunicação social
denúncias sobre a autorização da DGPC para destruição das estruturas arqueológicas da antiga
mesquita aljama de Lisboa em época islâmica, preservadas sob o claustro da Sé de Lisboa.
Estes importantes e monumentais vestígios arqueológicos foram identificadas no âmbito das
obras de instalação do núcleo arqueológico e de recuperação dos claustros inferior e superior,
no âmbito do Projeto de Recuperação e valorização da Sé Patriarcal de Lisboa, em curso.
Em resposta a estas denúncias e aos veementes protestos da comunidade arqueológica e não
só, a DGPC emitiu um comunicado em que se defende afirmando que a conservação das
estruturas da mesquita colocaria “em risco a estabilidade estrutural de parte substancial da ala
sul do claustro da Sé Patriarcal (Monumento Nacional), pondo em causa a própria
implementação do projeto reformulado e o investimento associado”.
Sucede, porém, que este comunicado da DGPC recorre a factos distintos e indevidamente
associados para, mistificando a opinião pública, tentar defender o indefensável: ter autorizado
a destruição de importante conjunto patrimonial com inestimável valor cultural e simbólico
para a cidade de Lisboa.
Afinal, a DGPC autorizou a destruição das estruturas da mesquita porque a sua preservação
coloca em risco a estabilidade estrutural da ala sul do claustro da Sé? Ou porque a sua
preservação põe em causa a implementação do projeto e o investimento associado? Ou
porque no local onde se conservam as estruturas o projeto prevê a implantação de uma área
técnica?
Apesar do evidente secretismo que envolve todo este processo, e que muito dificulta o
escrutínio público que este merece, não foi possível recolher qualquer informação fiável que
confirme que a conservação das estruturas da mesquita coloque em causa a estabilidade da Sé
de Lisboa e do seu claustro.
Mas se assim é, a DGPC deve divulgar pública e imediatamente o projeto de arquitetura e as
suas sucessivas alterações, bem como todos os pareceres técnicos apensos, para que se possa
aferir as razões de facto que levaram à decisão de destruição das estruturas da mesquita.
Deverá também ser divulgado publicamente o parecer técnico do projetista da especialidade
de estabilidade e estruturas que fundamenta esta drástica opção de projeto, para que este
possa ser alvo de devida apreciação externa, a nível técnico, patrimonial e científico. Como é
implausível que o sacrifício das estruturas da mesquita seja a única forma de garantir a
estabilidade da Sé de Lisboa, monumento maior do gótico português, se a DGPC se julga
incapaz de encontrar uma solução patrimonialmente aceitável, deverá entregar o projeto a
outra entidade que o possa fazer.
Em qualquer dos casos, a DGPC deverá submeter todos os projetos (arquitetura e
especialidades) e suas soluções técnicas à avaliação da Secção do Património Arquitetónico e
Arqueológico do Conselho Nacional de Cultura que, por sua vez, apresentará o seu parecer à
entidade competente para decidir nesta matéria, a Senhora Ministra da Cultura.
Por outro lado, a DGPC deve de imediato permitir a consulta do processo relativo a este
projeto (e todas a sua documentação técnica e científica) pois este não está evidentemente
sujeito a nenhum tipo de reserva ou confidencialidade. É um processo público e de interesse
público e público, portanto, deverá ser.
Uma nota ainda sobre os aspetos legais. Considera-se ser, no mínimo, defensável que as
estruturas da mesquita integrem o Monumento Nacional da Sé Catedral de Lisboa, uma vez
que constituem o seu nível fundacional. Nesse sentido, qualquer ação sobre estas ruínas é
regida pelo regime jurídico aplicável aos bens imóveis classificados, nomeadamente, a
interdição da sua demolição. Compete à Ministra da Cultura, autorizar excecionalmente
qualquer demolição em imóveis classificados, e somente após a “verificação em concreto da
primazia de um bem jurídico superior”, sendo nulos os atos administrativos que infrinjam”
estas disposições (Lei de Bases do Património Cultural, Lei n.º 107/2001 de 8 de Setembro).
Por outro lado, refira-se que o Claustro da Sé de Lisboa se encontra incluído na Área de Nível
Arqueológico definida no Plano Diretor de Lisboa, na qual só são permitidos projetos que
promovam “a consolidação e valorização do uso patrimonial científico arqueológico”, estando
portanto excluídas a desmontagens de contextos arqueológicos patrimonialmente relevantes,
como os em apreço.
Por fim, sobre as referências ao princípio legal da “conservação pelo registo científico” (artigo
75.º da Lei de Bases do Património Cultural), cumpre esclarecer que mecanismo configura a
forma e regime geral de proteção do património arqueológico e como tal foi aplicado nas
obras do claustro da Sé de Lisboa, como é aplicado todos os dias em centenas de intervenções
arqueológicas no país. Mas como todas as regras, também esta comporta exceções. As ruínas
da mesquita medieval de Lisboa são uma exceção, pois pelo seu elevado valor patrimonial e
pela classificação, devem ser-lhes aplicados outros princípios legais, nomeadamente o da
conservação material in situ, conforme definido na Convenção Europeia para a Proteção do
Património Arqueológico (vulgo Convenção de Malta) ratificada pelo Estado Português
(Resolução da Assembleia da República n.º 71/97 de 16 de Dezembro). O conjunto
monumental da mesquita deve, portanto, ser preservado, valorizado e disponibilizado à
fruição pública.
Apela-se, portanto, à Senhora Ministra da Cultura que dê indicações aos serviços para
garantirem:
a) A divulgação pública dos elementos completos do projeto de arquitetura e as suas
sucessivas alterações, e o fundamento técnico que levou à autorização de destruição
das estruturas da mesquita, por constituírem, alegadamente, risco para a estabilidade
da Sé de Lisboa e do seu claustro;
b) A preservação dos vestígios arqueológicos da mesquita no claustro da Sé de Lisboa, e a
sua valorização através da integração no projeto de musealização em curso, por via de
nova alteração do projeto, se necessário com a transferência do núcleo museológico
para outro espaço.
Lisboa, 29 de Setembro de 2020
Sindicato dos Trabalhadores de Arqueologia
Movimento Fórum Cidadania Lisboa