[Archport] CNANS INSTALADO EM XABREGAS EM JANEIRO
LUSA 24/12/2020
A instalação do Centro Nacional de Arqueologia Náutica e Subaquática
(CNANS) em Lisboa, na zona de Xabregas, anunciada em julho de 2017,
concretiza-se em janeiro.
Contactada pela Lusa, a DGPC, através da sua assessoria de imprensa,
referiu que “a empreitada em curso nas futuras instalações do CNANS
encontra-se em fase de conclusão, estando a operar-se ações de
pormenor, de testes e de limpeza do espaço”.
Segundo a mesma fonte, “está planeado o início da transferência das
instalações do Mercado Abastecedor da Região de Lisboa [onde o CNANS
está instalado provisoriamente] para Xabregas no decurso do próximo
mês de janeiro”.
As obras em Xabregas tinham um prazo de 180 dias, mas só começaram em
maio de 2018, a sua conclusão e a mudança foram anunciadas pela DGPC e
pelo Ministério da Cultura para o final de 2018, depois para o verão
de 2019, final deste ano e agora para janeiro de 2021.
“Os adiamentos verificados na calendarização inicialmente estimada
para a transferência do CNANS das instalações do MARL para Xabregas
resultam da melhoria do projeto concebido inicialmente, através da
maximização da capacidade do espaço e a sua adaptação às novas
funções. Neste sentido, foi opção da DGPC, visando o menor impacte
sobre o espólio emerso a transferir, proceder à aquisição de novos
tanques de imersão e impregnação, o que levou à adjudicação de novos
contratos por um lado, e à execução de ajustes ao projeto, por outro”,
justificou a DGPC.
Sem adiantar valores, a DGPC refere que “os custos incrementados à
estimativa inicial resultam não de atrasos da empreitada em si, mas da
beneficiação das novas instalações, não apenas em termos da melhoria
dos espaços reabilitados, mas da sua maior adaptação à nova realidade
laboratorial e, ainda, do acolhimento do futuro público que venha a
frequentar este novo equipamento”.
O concurso público para a realização das obras em Xabregas foi
publicado em meados de janeiro de 2018 em Diário da República, com um
orçamento de 970 mil euros (sem IVA), e a previsão foi que o processo
de adaptação do espaço e a transferência das 14.000 peças
arqueológicas estivessem concluídos em 2018.
Em janeiro de 2018, o então ministro da Cultura, Luís Filipe Castro
Mendes, garantiu ao parlamento que já tinha sido adquirido o
equipamento para o centro arqueológico. Os atrasos na transferência do
CNANS para Xabregas levantaram interrogações no setor da arqueologia,
que considera este um instrumento essencial.
Na opinião do arqueólogo sub-aquático Alexandre Monteiro, da
Universidade Nova de Lisboa, os problemas com o CNANS e da arqueologia
náutica e subaquática remontam ao Governo liderado por Pedro Santana
Lopes (PSD/CDS), em 2004 e 2005.
Segundo Alexandre Monteiro, “no seguimento da desclassificação do
CNANS de Centro Nacional para Divisão interna da DGPC, e na sequência
da não renovação dos contratos a recibos verdes dos arqueólogos que
então lá prestavam serviço, aquando dos constrangimentos orçamentais
dos governos de Santana Lopes, José Sócrates e Pedro Passos Coelho, a
missão do CNANS ressentiu-se de tal forma que a defesa, o estudo e a
salvaguarda do património cultural subaquático português se tornou
praticamente impossível”.
O arqueólogo salientou o “escasso número de profissionais com
competências na área”, referindo que “existem apenas dois técnicos
permanentemente colocados na divisão”, contrastando com as
necessidades de “um país que tem 900 quilómetros de costa, quase outro
tanto de cursos de água doce e mais de 5.000 naufrágios só da época
moderna” e “apenas um dos técnicos do CNANS tem experiência e formação
em arqueologia subaquática”.
Para Alexandre Monteiro, “esta falta de competências leva a que a
aprovação ou o acompanhamento de ações de arqueologia subaquática
sofram atrasos incomportáveis ou, pior, que sejam efetuados atos de
avaliação ou de acompanhamento em flagrante omissão metodológica ou
técnica”.
“O desconhecimento do estado da arte conduz também à aprovação de
metodologias que são altamente danosas para o património cultural
subaquático”, alertou, referindo “o famigerado ‘registo presencial nas
dragas’ que não é mais nem menos do que colocar arqueólogos a bordo
dos navios que dragam sítios tão cultural e patrimonialmente sensíveis
como a barra dos rios Mira ou do Sado, para que estes vejam, à saída
da draga, se esta destruiu ou não algum naufrágio”.
“Não é assim que se faz – é com prospeções prévias, com instrumentação
geofísica e com sondagens prévias à intervenção. Não há aqui coragem
política para se assumir que prevenir a destruição de património
submerso custa dinheiro e que esse custo tem que ser assumido pelo
promotor da obra”, argumentou Monteiro.
Por seu lado, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores de
Arqueologia (STARQ), Regis Barbosa, lamentou que “desde maio de 2012,
com a criação da DGPC, houve um desinvestimento sistémico na
Arqueologia Náutica e Subaquática”.
A presidente da Comissão de Arqueologia Profissional da Associação dos
Arqueólogos Portugueses, Jacinta Bugalhão, em declarações à Lusa, foi
clara: “Sem novas instalações, não se pode ampliar a equipa; como não
se pode abrir o CNANS a arqueólogos e investigadores; como não se pode
sonhar com a recuperação da plena capacidade operacional do CNANS”.
Sobre o espólio à guarda do CNANS, Jacinta Bugalhão disse que, tanto
quanto sabe, “está devidamente salvaguardado, apesar da situação
precária e provisória em que se encontra no MARL”. Em dezembro de
2016, o MARL denunciou o contrato de arrendamento das suas instalações
do CNANS, ponto de partida de toda a saga deste centro arqueológico.
Jacinta Bugalhão alertou: “Mais grave é seguramente o destino de todo
o espólio proveniente das numerosas intervenções realizadas em meio
húmido e subaquático, uma vez que o CNANS que é a única infraestrutura
da arqueologia nacional que deveria ter capacidade para os receber, e
não recebe qualquer espólio há muito anos”.
“A situação e estado deste espólio, nomeadamente das madeiras, é, com
raras exceções, uma incógnita. Refiro-me às abundantes peças navais,
partes de embarcações, elementos de estruturas portuárias, material de
construção, objetos de uso comum, restos orgânicos paleoambientais e
de alimentação, entretanto recolhidos, de elevadíssimo valor
científico e patrimonial”, disse.
O CNANS, segundo a DGPC, “não corresponde a uma unidade orgânica”
desta direção-geral, constituindo antes “um serviço integrado na
recém-criada Divisão de Inventariação, Estudo e Salvaguarda do
Património Arqueológico” chefiada pelo arqueológo António Batarda,
proveniente do Museu do Côa, que iniciou funções em março.
O CNANS integra cinco funcionários, dos quais quatro técnicos
superiores, três arqueólogos e um conservador-restaurador, e um
assistente técnico, “atualmente de ausência prolongada por motivos de
saúde”, explicou a DGPC."
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