Sem querer duvidar da justeza das queixas apresentadas nesta carta aberta, assim como as mencionadas pelos arqueólogos que se solidarizaram, admito que não compreendi algumas passagens. É dito a certa altura que:
“História (para a FCT) não é mais do que uma área subsidiária da arqueologia, preferencialmente pre-histórica, dos estudos de cultura islâmica, das tecnologias de restauro ou das ciências ambientais.”
Sinceramente, com excepção da Pré-história, não compreendo porque motivo hipotéticos projectos historiográficos sobre os restantes temas, seriam recusados ou preteridos a favor de outros semelhantes, submetidos por arqueólogos.
É ainda mencionado que:
“O júri do concurso deste ano manteve-se praticamente inalterado e os resultados não podiam ser diferentes. Excluindo os projetos ditos "exploratórios", houve um único projeto de História aprovado.”
Será que a FCT menoriza a importância da investigação histórica/arqueológica, ou será que considera que muitos dos projectos apresentados são efectivamente pouco originais e fornecem pouco retorno científico e social?
Será que muitos dos projectos apresentados à FCT não são mais que a continuação de linhas de investigação desactualizadas, que se arrastam há décadas, constituindo este um dos motivos da exclusão?
Perante um quadro de escassez geral de verbas, aliada à democratização no acesso à informação/tecnologia e mudança dos interesses do público e academia, não será a altura certa para repensar as nossas prioridades?
Talvez a FCT considere prioritários projectos que visem o levantamento, organização e divulgação de grandes quantidades de informação, actualmente dispersa e de difícil acesso, em detrimento de projectos hiper-especializados, cujos resultados dificilmente serão inovadores, em virtude de lhes faltarem corpus/bases de dados de referência para comparação [1].
Considerar novas especialidades, como as arqueociências, como uma mera moda, necessária à aprovação/legitimação científica é igualmente injusto. Estas novas áreas surgiram de necessidades interdisciplinares reais, inerentes à própria evolução da investigação histórica e arqueológica. Novas exigências, exigem novos perfis de historiadores e arqueólogos, que ajudem a complementar as lacunas de formações mais tradicionais.
Quanto à referida mudança de interesses do público e academia, estes devem ser respeitados, e como tal não me admira que a FCT (e outras entidades) sejam sensíveis ao facto.
Recorde-se que projectos como o B-ROMAN são patrocinados pela FCT [2].
Perante o actual cenário de crise ecológica global, não só é normal que este tipo de temas mereçam mais atenção, como talvez devam até tornar-se prioritários.
O solo agrícola e respectivas estruturas associadas (socalcos de contenção, minas de água,etc.), sendo provavelmente um dos mais importantes legados dos nossos antepassados, é igualmente o mais negligenciado. O nosso futuro depende da preservação desta herança, mesmo assim são os próprios arqueólogos os primeiros a esquecerem-se deste facto.
É frequente vermos arqueólogos a lamentarem-se (com razão) pelo destruição ilegal de um determinado arqueosítio, geralmente vitima da agricultura super-intensiva. No entanto, esquecem-se amiúde, que a maior destruição ocorreu nos hectares em seu torno, que são igualmente uma criação humana, vital para suprir as necessidades da presente e futura geração.
Aproveito ainda para relembrar, que após os trágicos incêndios de 2017, muitos especialistas traçaram um quadro apocalíptico que, felizmente, não se concretizou. Tudo indicava que as chuvas desse inverno arrastariam toneladas incalculáveis de solo para os rios portugueses. Porém a espantosa e antiquíssima rede de socalcos agrícolas, que ainda sobrevivia, limitou em grande medida estes danos. Apesar do importante serviço prestado, ninguém conhece ainda a sua extensão, estado de conservação, funcionamento detalhado, cronologias, evolução, etc.
Presentemente, várias instituições portuguesas, têm em curso projectos que visam a criação de barreiras inovadoras para travar a erosão dos solos. Novos materiais, caros e talvez pouco sustentáveis, estão a ser experimentados com resultados promissores, mas qual será o seu comportamento e durabilidade em comparação com os tradicionais terraços? Será que estes merecem ser preservados?
Sinceramente não faço ideia, mas talvez os nossos conhecimentos sejam úteis para aqueles que estão interessados em saber. Fica a sugestão, associem-se com outros interessados, submetam um projecto e pode ser que assim a FCT já não ignore a importância do vosso contributo enquanto historiadores ou arqueólogos.
[1] Recorde-se que presentemente continuamos com poucas bases de dados públicas, criadas segundo critérios científicos e relativas ao território português, para áreas cruciais como numismática ou cerâmica. No campo da história, várias fontes primordiais – como as Portugaliæ Monumenta Historica - seriam seguramente merecedoras de edições modernas, traduções e publicação em formato digital fácil de trabalhar. Do mesmo modo importante
e variada cartografia histórica, aguarda ainda estudo e divulgação em formato digital.
[2] http://ml.ci.uc.pt/mhonarchive/archport/msg28454.html
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