Depois de anos contínuos de degradação das condições laborais é normal que os arqueólogos se manifestem. Porém, no meio de tantas reivindicações, não devemos perder foco, continua a ser necessário identificar a génese dos problemas.
Perante o pedido de melhores salários, condições de trabalho, estabilidade e formação profissional os arqueólogos esbarram sempre com a mesma resposta por parte das empresas:
"Estamos impossibilitados de responder a esses pedidos, porque a política de orçamentos baixos e a concorrência desleal de empresas que fazem orçamentos irrealistas (à conta de incumprimentos contratuais), têm vindo gradualmente a baixar os nossos lucros".
Caso este quadro se confirme não seria também altura das empresas interessadas zelarem pelos seus interesses e fazerem algo para aumentar os ganhos?
Infelizmente ao longo dos anos, as empresas de arqueologia tiveram que se adaptar às necessidade do sector da construção civil (bem demais até). Progressivamente a discussão de orçamentos passou de tópicos como a salvaguarda, estudo e divulgação, para
- quase exclusivamente - o preço do metro cúbico escavado.
Um dos problemas desta arqueologia "ao metro cúbico" é que pode ser feita com recurso a um reduzido número de arqueólogos não especializados, sem necessidade de grande apoio técnico e complementado por uma quantidade desproporcional de trabalhadores indiferenciados.
Muitos destes também arqueólogos, que para além de desempenharem tarefas braçais pesadas ainda lhes é exigido que contribuam com os seus conhecimentos técnicos, a troco de um salário próximo de um servente da construção.
Enquanto existirem arqueólogos dispostos a sujeitarem-se a tais condições (existirão sempre colegas inexperientes/iludidos, as faculdades asseguram fornadas novas anualmente), as empresas poderão continuar com este esquema.
Talvez seja hora de começar a fazer arqueologia de salvaguarda de melhor qualidade, escavando menos metros cúbicos, mas de forma mais rigorosa e direcionada.
Perante o actual estado de desenvolvimento dos métodos de geo-detecção e laboratoriais, parece cada vez mais disparatado insistir na política de escavação integral de forma expedita, em vez de apostar numa escavação estratégica mais cuidadosa de áreas
avaliadas como mais importantes. Privilegiar os estudos arqueo-científicos e a divulgação de resultados (ex. exposições, sites, etc.), conforme já se encontra na legislação, em alternativa a escavações extensas, mas geradoras de informação deficiente e pouco
variada, talvez seja uma boa alternativa às medidas de minimização actualmente padronizadas.
Claro que esta abordagem exige um investimento e apoio técnico mais especializado da parte das entidades enquadrantes, assim como profissionais especializados, que terão forçosamente que ser remunerados em conformidade.
Quanto à formação profissional, atendendo que são as empresas as principais beneficiadas (existindo até fundos europeus para o efeito), faz sentido que lhes caiba a sua comparticipação. Para o receio de perder efectivos formados para a concorrência, existe
uma receita simples, oferecer estabilidade laboral/financeira através de contratos dignos.
Mais uma vez não posso deixar de concordar com o colega Rui Mataloto. Se os organismos da Tutela tivessem vontade/meios para impor medidas de minimização mais exigentes, assim como para fiscalizar o respectivo cumprimento das mesmas, as empresas que não
tivessem capacidade de assegurar este tipo de trabalho seriam forçosamente obrigadas a adoptar as regras ou desistir, acabando com a eterna desculpa da "concorrência desleal motivadora de lucros baixos" para o não cumprimento das reivindicações laborais -mais
que justas- dos arqueólogos.
De: archport-bounces@ci.uc.pt <archport-bounces@ci.uc.pt> em nome de Rodrigo Carlos <totallynotsatan4@gmail.com>
Enviado: segunda-feira, 11 de outubro de 2021 18:29 Para: rui mataloto <rmataloto@gmail.com> Cc: archport@ci.uc.pt <archport@ci.uc.pt> Assunto: Re: [Archport] Digest Archport, volume 217, assunto 34 Concordo com alguns dos pontos descritos, inclusive o de que realmente se encontra numa posição confortável, porém a realidade arqueológica do país não é tão simples como a descreve. Em primeiro lugar, gostaria de salientar de que como arqueólogo em trabalho, já estive em inúmeras escavações de investigação e imensas escavações de contexto preventivo e deixe-me desde já dizer que o facto de haver competição no meio, não faz com que as metodologias de registo sejam de todo deficitárias. Muito pelo contrário, o que não falta pelo país fora são sítios arqueológicos de tutela universitária sem registo, ou com tudo mal feito até porque não “existe” uma pressão para que as coisas avancem ao mesmo ritmo e rigor que no contexto urbano. Esta mentalidade parece, no entanto, ser transversal a quase toda a comunidade científica. Não existem arqueólogos de primeira nem de segunda, somos todos colegas e todos iguais. “Todavia, também sei que cada um aprende o que quer, e há que fazer pela vidinha.” Pois, porque enquanto uns se podem dar ao luxo de ir escavar com a faculdade, existem outros que precisam de trabalhar para conseguirem pagar as propinas e a estadia nas respetivas cidades onde tiram o curso. Relativamente à formação dentro das empresas, há umas que dão, sim, mas também há muitas que não dão, aliás, em Arqueologia que eu saiba nunca nem eu nem colegas meus tiveram direito a formação paga, o que por lei é obrigatório. Esta é a realidade, mas pronto, se quiser também lhe faço o convite para vir a Lisboa pegar num martelo elétrico, partir chão, para depois a seguir tentar registar o que conseguir enquanto tem no canto do compartimento o engenheiro a mandar bocas e o “patrão” a respirar-lhe no pescoço. Mas atenção, tudo isto a rigor, se não o relatório volta para trás. No fim pago-lhe o salário com uma cervejinha e uma palmadinha no ombro, até porque somos todos amigos e não convém misturar negócios com amizades.
Cumprimentos,
Rodrigo Carlos
On Mon, Oct 11, 2021 at 6:11 PM rui mataloto <rmataloto@gmail.com> wrote:
|
Mensagem anterior por data: [Archport] Colóquio "Projeto Arqueológico Outeiro do Circo 2008-2021, Beja, 16 de Outubro | Próxima mensagem por data: [Archport] MMC-MN | Consagração do Templo do Fórum- Prometheus | Bilhetes Extra Disponíveis |
Mensagem anterior por assunto: Re: [Archport] Digest Archport, volume 217, assunto 34 | Próxima mensagem por assunto: Re: [Archport] Digest Archport, volume 217, assunto 46 |