Opinião
Museu nacionais: os ensinamentos espanhóis
Aqui mesmo ao lado, o debate sobre a descentralização das colecções, favorecido pelas reivindicações autonómicas ou mesmo independentistas, já está em curso. E as suas consequências são imprevisíveis.
Luís Raposo
22 de Janeiro de 2022
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Convém colocar a questão espanhola em perspectiva mais ampla. Os grandes museus europeus são em geral mais centrais do que verdadeiramente nacionais. Espanha apenas ilumina algo que é comum a quase todos. Não sendo nós bascos ou catalães, não podemos sentir o que eles sentem em relação à sua autonomia ou independência, embora tenhamos presente que já no incitamento para a Batalha de Aljubarrota o rei castelhano se dirigia à fidalguia portuguesa que estava do lado dele (e era muita…) dizendo “amigos, todos somos espanhóis”. Podemos, pois, admitir que à falta de motivação bastante para manter um Estado central relativamente forte, material e simbolicamente representante de todos os “espanhóis”, os museus e arquivos centrais sejam considerados cada vez mais espúrios. E que a luta pelas instituições de memória nacionais se transfira para as nacionalidades, como sucede agora na Catalunha, que as tem reforçado bastante.
Existem ainda nesses museus centrais europeus outras dimensões, que podemos subsumir no conceito de museu imperial. E se há coisa que os “ares do tempo” nos evidenciam é que eles constituem presa fácil, sobretudo quando coloniais, porque os EUA, a potência capitalista de onde emerge grande parte destes ímpetos, nunca teve império colonial tradicional e se julga isenta desse pecado (curiosamente, tem sido menos evidente a luta contra os museus desse país, constituídos na base não do saquemanu militari ou de expedição científica, como os europeus, mas no da compra pelo capital, pelo enorme e poderoso íman que tudo atrai, para de tudo fazer dinheiro e obter lucro). Ora, o que se passa com o debate da “devolução às origens” em contexto colonial passa-se igualmente no plano interno de cada país. Sente-se ainda pouco entre nós, é certo, que somos um Estado-Nação sedimentado, de muitos séculos, e onde nos sentimos portugueses antes de sermos alentejanos ou minhotos. Mas com o tempo há-de também aqui ouvir-se dizer que esta ou aquela tábua pintada, retábulo ou escultura de vulto de um museu nacional deveria estar na exacta igreja ou palácio onde inicialmente se encontrava. E, estando estes em ruínas, ou tendo desaparecido, então deverá ser colocada em edifício moderno, em ícone arquitectónico construído para o efeito nas proximidades. Nesta demanda juntar-se-ão dois poderosos factores: o do localismo bacoco (“é nosso!") e o da rentabilização capitalista (“dá dinheiro!").
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Os museus foram e são as melhores janelas sobre o mundo abertas em pouco espaço. Eles sucedem ao Antigo Regime, período em que apenas os ricos e poderosos podiam realizar o “Grand Tour” e depois guardar para si o maravilhamento da descoberta do mundo. O caso espanhol é paradigmático do que está em causa. Vamos ver se os seus museus centrais resistem a movimentos que têm o seu lado luminoso (libertação nacional das verdadeiras nações), mas também o seu lado profundamente sombrio, de um obscurantismo tal que pode fazer regressar as trevas mais dramáticas da irracionalidade, potenciadas pelo populismo localista.
Dirão alguns que exagero. Talvez. Oxalá tenham razão.
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