No dia 9 deste mês li, e tenho relido várias vezes, a mensagem enviada por Jacinta Bugalhão para esta lista de discussão de arqueologia e em prol dela. O tema, mais uma vez, é o da salvaguarda dos vestígios arqueológicos do Claustro da Sé de Lisboa.
A leitura do texto desta colega e amiga não me trouxe nada de novo, mas de novo me questionei com o silêncio dos pares e das instituições que trabalham na defesa da cultura, da nossa identidade e do nosso património e, especialmente, da
comunicação social. O “Projecto de Recuperação e Valorização da Sé Patriarcal de Lisboa – 2ª Fase – Instalação do Núcleo Arqueológico e Recuperação do Claustro da Sé de Lisboa” que teve início no tão já longínquo ano de 2012, já lá vão 10 anos, não faria prever
em mente alguma o nó górdio que iria surgir. Na verdade, um ato tão linear como a salvaguarda de estruturas arqueológicas - tão relevantes e de tão variadas épocas que permitem contar e revisitar a história de Lisboa e de grande parte do nosso território na primeira pessoa - resulta
hoje num projeto arquitetónico que, feito para as proteger as pretende destruir.
Peço desculpa por trazer à baila o caso do teatro romano em local tão próximo à Sé de Lisboa. Ao longo dos 33 anos em que trabalho neste local nunca me passou pela cabeça que este sítio arqueológico permanecesse em 2022, sem uma musealização
séria e definitiva, continuando a ostentar placas de zinco como cobertura ou a recorrer a pinturas de talentosos
graffiters para embelezar placas de MDF que delimitam o teatro mais antigo do nosso país, um de dois teatros romanos identificados arqueologicamente e o único com museu a ele dedicado. Ainda assim, é muito triste concluir que melhor é esta sorte que
o destino reservado às ruínas arqueológicas da Sé de Lisboa. Parece que em Portugal, nada fazer é preferível a soluções mirabolantemente engenhosas que alguns políticos, ditos defensores do património, pretendem implementar. Assim seria de facto, se não estivessem
envolvidos milhões que saem dos bolsos de todos nós! Não é possível sequer imaginar que um projeto de arquitetura que tem como principal objetivo a defesa de vestígios arqueológicos, não discuta o projeto de arquitetura com os arqueólogos responsáveis pela escavação. Neste caso posso-me congratular
pelo facto de, no teatro romano, nunca tal ter ocorrido! Mas esta será apenas uma das imensas incongruências de todo este desastroso e infeliz folhetim.
Todos os argumentos podem ser apresentados como, aliás, o faz exemplarmente Jacinta Bugalhão no decurso da sua já longa luta contra este processo, mas fica uma enorme tristeza por vermos, diante dos nossos olhos, acontecer uma pensada,
intencional e programada destruição do património que é pertença de todos, sem que o Homem, esse vil e magnífico ser, consiga arranjar uma solução. Relembro o que diz Jacinta no seu mail, no seu “grito, já desesperado (…) se vemos, ouvimos e lemos, não poderemos ignorar. Devemos falar, escrever e manifestar, bem alto e junto de quem decide, pelos meios que cada um escolher, a nossa
recusa em perder e não poder contemplar esta maravilhosa dádiva que o passado nos legou, resolvemos relembrar o que, esperamos, não vir a perder no nosso futuro!”
É assim que vos convidamos a assistir no dia 22 de junho, esta 4ª feira, às 18h no Museu de Lisboa – Teatro Romano, a palestra “Claustro da Sé de Lisboa – espaços públicos de diferentes cidades”, proferida pelas arqueólogas
Alexandra Gaspar e Ana Gomes. Pelo interesse desta apresentação ela será presencial e também transmitida via Zoom, para quem se quiser inscrever, bastando, para tal solicitar o link de zoom através do email
reservas@museudelisboa.pt Lídia Fernandes Arqueóloga e cidadã MUSEU DE LISBOA - Teatro Romano
Rua de São Mamede nº 3A · 1100-532 Lisboa T +351 215 818 530 |