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[Archport] Comunicado da Associação dos Arqueólogos Portugueses sobre anunciada descentralização da tutela do Património Cultural

Subject :   [Archport] Comunicado da Associação dos Arqueólogos Portugueses sobre anunciada descentralização da tutela do Património Cultural
From :   José Morais Arnaud <direccao@arqueologos.pt>
Date :   Thu, 12 Jan 2023 15:54:21 +0000

Ex.os Srs.,

Envio em anexo, com pedido de divulgação, o seguinte comunicado da AAP:

 

COMUNICADO DA DIREÇÃO DA ASSOCIAÇÃO DOS ARQUEÓLOGOS PORTUGUESES

Sobre a “descentralização” da tutela do Património Cultural

 

 

Consumou-se em dezembro passado a transferência das competências das Direções Regionais de Cultura (DRC), extintas do mesmo passo, para as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento regional (CCDR). A orgânica interna destas, visando acomodar aquela e outras transferências de competências, de outros ministérios, com a extinção dos seus respetivos serviços regionais, encontra-se em revisão até ao final do mês corrente. Anuncia-se igualmente a revisão da orgânica da Direção-Geral do Património Cultural (DGPC), com a intenção de lhe conferir maior operacionalidade.

A Direção da Associação dos Arqueólogos Portugueses sempre acompanhou com grande atenção este processo de reclamada “descentralização”, tendo chegado no passado a dinamizar diversos encontros e tomadas de posição. Recordamos que, em 2017, quando pela última vez se discutiu com alguma profundidade esta matéria, a AAP, desenvolveu intensa atividade. Fê-lo primeiro através de tomadas de posição de membros da sua direção, reclamando que era necessário “pensar primeiro, fazer depois” (Público, 24 de fevereiro) e perguntando se “será pedir muito, se pedirmos transparência” (Patrimonio.pt, 23 de março). Fê-lo ao mesmo através da co-promoção de sessão pública sobre “O Património Cultural e a Descentralização” (15 de março), para a qual foram convidados e aceitaram participar representantes de todos os partidos com assento parlamentar. Fê-lo ainda através de posição formal conjunta com o ICOMOS Portugal e o ICOM Portugal, datada de 2 de maio. E fê-lo, enfim, pela participação ativa na audição pública sobre o processo de Descentralização, promovida pela Comissão Parlamentar do Ambiente, Ordenamento do Território, Descentralização, Poder local e Habitação, que teve lugar em 4 de julho de 2017, na Assembleia da República.

Em face deste quadro e sendo certo que desde 2017 não voltou a existir debate público consistente desta matéria, a Direção da AAP não pode deixar de exprimir antes do mais a sua perplexidade pela pressa com que tudo parece querer ser feito agora. O que está em causa requer a maior ponderação de todas as entidades públicas envolvidas. E requer sobretudo a ampla participação dos cidadãos em geral e nomeadamente do movimento associativo que os representa, aliás nos termos do edifício jurídico-constitucional que nos rege, a começar pela Lei de Bases do Património Cultural Português. As revisões orgânicas anunciadas deveriam por isso contar com a sua audição prévia e os seus contributos, para o que a Direção da AAP desde já manifesta o seu interesse e disponibilidade.

As grandes questões elencadas em 2017 continuam em nosso entender totalmente atuais. Elas foram assim sumariadas aquando do debate com todos os partidos parlamentares havido em 15 de março e acima referido: Poderão as competências de gestão e fiscalização relativas ao património arqueológico, licenciamento e gestão do património arquitetónico classificado ou em vias de classificação, bem como de alguns museus, ser integrados em grandes organismos sem especialização técnica e científica? Como garantir a independência técnica em organismos iminentemente políticos, sobretudo numa altura em que se pondera a eleição do presidente das CCDR por um colégio de autarcas? Como compatibilizar no mesmo organismo, por um lado, as competências de promoção, execução e apreciação de projetos e, por outro, o licenciamento e fiscalização, dois planos de atuação que, de facto, carecem de absoluta separação e independência a bem da transparência dos procedimentos e da salvaguarda do interesse público? Com é possível que Portugal se transforme no único país da Europa a perder instituições especializadas na área do Património Cultural, mesmo que só em termos regionais? Como se garante, com as presentes propostas de descentralização, a implementação de uma política nacional concertada com o objetivo de proteger e valorizar o Património Nacional tal como surge definido na Lei de Bases do Património Cultural ou na própria Constituição?

Na situação atual, dando por adquirida a reforma em curso, as questões de 2017 podem e devem ser melhor concretizadas, agora sob a forma de requisitos considerados indispensáveis à sua mínima salvaguarda. Assim:

Ao nível das CCDR, impõe-se: 1) a constituição de departamentos próprios para o património cultural e as artes vivas; neste âmbito, criação de pelo menos uma direção de serviços do património cultural e de divisões correspondentes aos seus três domínios principais: arquitectura, arqueologia e museus; 2) o preenchimento dos lugares de chefia por especialistas nas respetivas áreas e reforço dos quadros técnicos, garantindo em absoluto a sua liberdade de informação e despacho; 3) a reformulação dos respetivos conselhos regionais, de modo a criar neles secções constituídas com maioria de membros independentes e tecnicamente habilitados em cada uma das áreas do património cultural, membros indicados pelas universidades, centros de investigação e movimento associativo.

Ao nível da DGPC: 1) o abandono da maior parte das atribuições formais supostamente herdadas das extintas DRCs, para que a presente reforma não se traduza em muito maior centralização administrativa, fatalmente inoperacional e por isso contraproducente; 2) a criação de equipas móveis nos domínios disciplinares acima indicados; 3) o reforço da relação com as comunidades (cientificas e associativas) de cada sector, reformulando nomeadamente a composição das secções relevantes do Conselho Nacional de Cultura (ou transferindo deste competências para um conselho consultivo da própria DGPC).

Afigura-se-nos ainda crucial que a reforma em curso seja acompanhada por um reforço dos mecanismos que assegurem  maior transparência. Neste sentido, todas as decisões das CCDRs referentes a bens patrimoniais devem poder ser escrutináveis com total acesso aos processos administrativos. Devem também ser suscetíveis de recurso para a DGPC (e desta para o Governo) por parte de quaisquer partes legitimamente interessadas e nomeadamente pelo movimento associativo, nos termos da Lei do Património Cultural e da Lei de Ação Popular.

 

A Direção da Associação dos Arqueólogos Portugueses, em 10 de Janeiro de 2023.

 

 


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