Pais e docentes reclamam mais apoios para ensino
especial
Graça Barbosa Ribeiro Escolas de referência para cegos e surdos estão a revelar
fragilidades por
alegadamente serem poucas, dispersas e com poucos recursos Se o chamado plano de acção para a escola inclusiva afastou milhares de alunos da educação especial, os que ficaram no sistema também não estão a trilhar um caminho fácil. Professores e pais denunciam que as escolas de referência criadas para as crianças cegas e surdas não estão a dar a resposta adequada. "Um ciclo que não se quebra sem uma aposta séria na qualidade do ensino", avisa Carlos Lopes, da Associação de Cegos e Amblíopes de Portugal (Acapo). A Federação Nacional dos Professores (Fenprof) entregou esta semana um estudo ao Ministério da Educação (ME) onde denuncia a falta de professores para o ensino especial. No ano lectivo passado, Maria José Salgueiro, coordenadora do Gabinete de Educação Especial da Confederação Nacional de Associações de Pais (Confap), teve de decidir: no 9.º ano deveria manter o filho de 16 anos, surdo profundo, em Gaia, "onde não teria apoios garantidos desde o início do ano", ou enviá-lo para o recém-criado agrupamento de escolas de referência para alunos surdos, no Porto, onde supostamente se concentrariam todos os professores e técnicos? Esta mãe não foi a única a quem se colocou o problema, de acordo com o inquérito da Fenprof às direcções de mais de metade dos agrupamentos de escolas do país; nem a única a decidir manter o filho no local de residência, contra as expectativas do ME que, através do Decreto-Lei n.º 3/2008, deu o mais polémico passo da reforma da educação especial. Graças à adopção da tão contestada Classificação Internacional de Funcionalidade, a equipa liderada por Maria de Lurdes Rodrigues tirou apoios a milhares de alunos (ver texto ao lado), tornando assim possível oferecer condições excepcionais aos restantes, supostamente crianças e jovens com limitações mais significativas. Nesse sentido, criou duas redes de escolas de referência (para os alunos surdos e para cegos e com baixa visão, respectivamente) e outra de unidades de apoio especializado a alunos com espectro do autismo, a crianças com multideficiência e surdo-cegueira congénita. No caso das escolas de referência, a estratégia definida pelo ME passou pela concentração dos recursos humanos e materiais em 20 agrupamentos de escolas e 20 secundárias para a educação bilingue de alunos surdos e em 25 agrupamentos e 27 secundárias para a educação de alunos cegos e com baixa visão. No entanto, a dispersão dos alunos - e, consequentemente, de recursos - mantém-se, segundo denuncia a Fenprof e confirmam as associações contactadas pelo PÚBLICO. Valéria está 13 horas fora Segundo Manuel Rodrigues, um dos coordenadores do estudo que a Fenprof realizou, a rede de unidades de apoio especializado para crianças autistas e com multideficiência (479) tem uma malha "relativamente mais apertada, embora desequilibrada, pelo que chega a haver casos de sobrelotação". Já os estabelecimentos de referência mostram-se "ineficazes na atracção de alunos, entre outras razões por se situarem, principalmente e quase só, nas sedes de distrito". "Ou os alunos têm a sorte de viver naquelas cidades ou, então, para os frequentarem podem ter de percorrer, diariamente, largas dezenas de quilómetros", alerta. Maria José Salgueiro sublinha a importância da questão: o filho João "não é, apenas, um estudante surdo, é um adolescente que tem um grupo de colegas e de amigos no local de residência, que gosta de praticar desporto e que não passa sem navegar na Internet, ver televisão ou entreter-se com jogos electrónicos, como qualquer outro rapaz da sua idade", afirma. Daí a decisão de o manter em Gaia. Uma decisão semelhante à dos pais de mais 40 crianças surdas do concelho e de muitos outros em todo o país, assegura a mãe. Esta opção corresponde, também, à posição oficial da Confap, que não contesta a estratégia do ME, mas reclama o urgente apertar da malha da rede de escolas de referência e a respectiva dotação de recursos humanos e materiais. A Acapo tem uma posição semelhante, mas o presidente, Carlos Lopes, realça "uma agravante": "No secundário, este modelo limita imenso a oferta de cursos disponíveis, já que nenhuma escola, isoladamente, pode corresponder à diversidade da oferta existente para os restantes alunos". Para além disso, "se haveria vantagem em concentrar e rentabilizar recursos materiais e humanos, a verdade é que, na esmagadora maioria dos casos, o apetrechamento das escolas de referência está longe de ser o ideal, o número de professores especializados é escasso e a formação dos docentes e do pessoal auxiliar manifestamente insuficiente", enumera. Do mesmo se queixa a Confap e confirmam pais que optaram por fazer deslocar os filhos para as escolas de referência. Por exemplo, Fátima Ottati, que vive em Santa Maria da Feira, conta que Valéria, a filha surda profunda, de 18 anos, acorda às 5h30 e regressa a casa 13 horas depois. "O mais grave é que, apesar das consequências sociais e familiares do desenraizamento", na escola secundária do Porto que frequenta, dita de referência, não tem terapia da fala e "é obrigada" a faltar às aulas de Língua Gestual Portuguesa, porque ocupam o último tempo do horário e a impedem de apanhar os transportes públicos de regresso a casa. Ou seja, na prática, Valéria, que optou pela escola de referência, não tem mais apoios do que os conseguidos ("depois de muita luta, é verdade", frisa Maria José Salgueiro) por João, que também frequenta o 10.º ano, mas a cinco minutos de casa. É este tipo de fragilidades que, na perspectiva da Confap e da Acapo, contribui, também, para colocar em causa o êxito do modelo. "Enquanto não oferecerem um ensino de qualidade, as deslocações - que embora desejavelmente menores serão sempre inevitáveis - não se justificam e a concentração de meios continuará a ser impossível", insiste Carlos Lopes, que apela ao quebrar do "círculo vicioso". Ministério da Educação disponível para fazer "reajustes" Aplicação da CIF é um atentado à escola inclusiva, denuncia a Fenprof Fim © Copyright PÚBLICO Comunicação Social SA Ministério da Educação disponível para fazer "reajustes" A opção para frequentar as escolas de referência, criadas para o ensino especial, é dos pais e dos alunos, sublinha a tutela O Ministério da Educação encontra-se "a recolher dados referentes às redes de escolas de referência [de ensino especial] para, caso se considere necessário, proceder a reajustes no próximo ano lectivo". O PÚBLICO questionou a tutela sobre o número de alunos que frequentam estas escolas, bem como os que, precisando, estão noutros estabelecimentos de ensino. Mas o ministério não adianta qual o número total de estudantes com surdez severa e profunda, e com cegueira ou baixa visão que frequentam, este ano lectivo, a escola pública, limitando-se a revelar quantos se encontram em cada uma das duas redes. Portanto, de fora ficam os que permanecem em escolas que não estão na rede de referência. Assim, são 526 os alunos na rede que acolhe alunos com surdez severa; e 227 estão em escolas de referência para alunos cegos ou com baixa visão. Por falta de dados, a comparação apenas pode ser feita, por isso, em relação ao ano de 2006/2007, em que, segundo um relatório da Direcção-Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular (DGIDC), a escola pública era frequentada por 878 alunos surdos e 787 cegos e amblíopes. Na nota enviada ao PÚBLICO, a tutela explica o facto de nem todos os estudantes estarem naquelas escolas, afirmando que, "atendendo a factores de socialização", é privilegiada a transferência no final de cada ciclo. Sublinha ainda que o ensino bilingue, em escolas de referência, se dirige apenas a crianças e jovens com surdez severa ou profunda e "é sempre uma opção dos pais ou dos alunos". No balanço da aplicação do plano de acção da escola inclusiva, cujo relatório foi divulgado em Janeiro, a DGIDC admite dificuldades em vários domínios, mas frisa que "seria uma grande ingenuidade pensar que a realidade muda por decreto e que os problemas se evaporam de um momento para o outro". A tutela continua a apostar na formação e no apoio aos professores no terreno. Nesse sentido, desde o início do ano lectivo que foi criada uma rede de suporte técnico científico, envolvendo instituições de ensino superior, materializada em protocolos de colaboração com as escolas. G.B.R. Pais e docentes reclamam mais apoios para ensino especial Aplicação da CIF é um atentado à escola inclusiva, denuncia a Fenprof Fim © Copyright PÚBLICO Comunicação Social SA Estudo entregue à tutela Aplicação da CIF é um atentado à escola inclusiva, denuncia a Fenprof No início da semana, a ministra da Educação Isabel Alçada esteve na Assembleia da República para falar sobre o Orçamento do Estado para o seu ministério e, confrontada com a questão do ensino especial, a governante afirmou que decidirá quais as medidas a tomar em função do resultado da avaliação externa que está em curso relativamente à aplicação da legislação sobre educação especial. Em causa está a adopção da Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF), que alegadamente deixou "ao abandono, sem apoio, cerca de 20 mil alunos". A CIF é um instrumento de sinalização de deficiências físicas e cognitivas e que, por isso, deixa fora do ensino especial crianças com problemas de dislexia e de hiperactividade, entre outros casos considerados graves por especialistas do ensino especial. De acordo com o estudo entregue, no final da semana, pela Federação Nacional de Professores (Fenprof) ao Ministério da Educação, quase seis em cada dez das direcções de agrupamentos de escolas queixam-se de não disporem de um número suficiente de professores para apoiar os alunos com necessidades especiais. "A escola pública é cada vez menos inclusiva", denuncia o secretário-geral da Fenprof, Mário Nogueira, que acusa a antiga equipa ministerial, dirigida por Maria de Lurdes Rodrigues, da autoria de um "grave atentado contra a escola inclusiva". Segundo o estudo da federação, nos 424 agrupamentos de escolas abrangidos pelo inquérito, mais de metade dos existentes no país, estão um total de 2282 docentes afectos à educação especial, mas apenas 1216 pertencem ao quadro. Dos restantes 1066, acrescentou, 437 foram contratados por oferta de escola e metade não tem qualquer especialização para prestar aquele tipo de apoios, revela. No inquérito, as direcções das escolas ter-se-ão ainda queixado da falta de auxiliares de acção educativa, e também da falta de psicólogos e de terapeutas, que, muitas vezes, informa Mário Nogueira, não se encontram nos estabelecimentos de ensino a tempo inteiro, mas apenas em tempo parcial. G.B.R. Pais e docentes reclamam mais apoios para ensino especial Ministério da Educação disponível para fazer "reajustes" |
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