Classificação
Internacional de Funcionalidade leva à reflexão
"A Educação
Especial é uma das áreas mais negligenciadas do sistema educativo
português." A crítica vem de Luís de Miranda Correia, investigador da
Universidade do Minho, autor de Modelo de Atendimento à Diversidade (1995) e um
dos maiores especialistas portugueses nesta matéria. Durante o primeiro
Encontro Internacional de Educação Inclusiva e Necessidades Educativas
Especiais (NEE), realizado em Braga, este fim-de-semana, o investigador
apresentou um estudo sobre a "Utilidade da Classificação Internacional de
Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) em Educação". Trata-se de um
instrumento de uso obrigatório para a elegibilidade de um aluno com NEE para
beneficiar dos serviços de educação especial e de um programa educativo
individual (PEI). No entanto, para quem lida diariamente com alunos com NEE, a
CIF é apenas um instrumento "burocrático", "subjectivo" e
"inútil". Os resultados do estudo
realizado por Luís de Miranda Correia e Rute Lavrador confirmaram o que há
muito os professores de Educação Especial já sabiam: obrigar ao uso da CIF para
servir de base à elaboração de um programa educativo individual foi um dos
erros cometidos no Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro. Rute Lavrador vai
mais longe ao afirmar que o uso da CIF em educação "é altamente
desaconselhado", pelo que na sua opinião o decreto-lei devia ser
"suspenso" ou "revogado". No final, a legislação
apenas decepcionou quem, como Maria Leitão, professora de Educação Especial, no
Agrupamento de Escolas Taveiro, em Coimbra, esperava um documento "que
inferisse mais nas práticas, no como fazer e trabalhar e nas metodologias".
Esta é a maior dificuldade no que toca a leccionar para alunos com NEE. De facto, um outro
estudo, ainda a publicar, realizado por alunos de mestrado No que toca a conceitos
como o de Necessidades Educativas Especiais ou de Inclusão, entre outros,
usados diariamente pelos profissionais da Educação Especial, lamenta Luís de
Miranda Correia: "Não há uniformidade!" Segundo o investigador, seria
importante que estes conceitos "fossem perfilhados ao nível nacional",
para que todos os intervenientes pudessem "falar a mesma linguagem e a
partir daí criar um processo que levasse a respostas educativas eficazes para
os alunos com NEE e criasse ambientes profícuos para que pudesse haver uma
articulação entre a escola, os pais e os especialistas." Com ou sem CIF? Com mais de 20 anos de
trabalho na área da Educação Especial, Maria Leitão não tem dúvidas: "A
CIF teve como objectivo arranjar uma maneira de muitos alunos saírem da
Educação Especial." Ao longo dos três anos em que foi coordenadora do
serviço de Educação Especial, Maria Leitão apercebeu-se do quanto a CIF
dificulta o trabalho nas escolas. "Para mim importante é descrever o
perfil de funcionalidade do aluno em termos das suas competências, porque é a partir
daí que planifico o PEI." Por isso, esta professora admite sentir até uma
certa "desonestidade pedagógica", quando preenche a informação que
lhe é pedida na CIF. "Estou a usar um instrumento que, para mim, não tem
validade nenhuma", conclui. Alice Couceiro, docente
no Agrupamento Vertical António José de Almeida, em Penacova, não podia estar
mais de acordo. A trabalhar na área de Educação Especial há 12 anos, a sua
experiência tem confirmado a pouca utilidade da CIF. "A nossa observação
do aluno, a avaliação e o trabalho que desenvolvemos antes [do preenchimento da
CIF] é que nos permite saber que tipo de apoio o aluno precisa." Por isso,
a sua forma de actuar é simples: "Se me chega um relatório ou uma
referência, antes de classificar o aluno pela CIF, vou observá-lo e daí vejo
logo se ele é ou não elegível para a Educação Especial." Posto isto, Alice
Couceiro já se habituou a ver a CIF como uma mera formalidade. "Quando
classifico um aluno pela CIF estou só a formalizar o processo." Sobre o estudo de Luís de
Miranda Correia e Rute Lavrador, que mostrou como a mesma criança com NEE foi
classificada usando a CIF de modo diferente em sete agrupamentos, Alice
Couceiro não se mostra surpreendida. E arrisca uma explicação para o sucedido:
"As classificações foram diversas, porque quem as fez só olhou para a
parte formal do processo, se existisse um conhecimento intrínseco da situação
não teria acontecido assim." Então, quantas crianças a
CIF excluiu dos apoios de Educação Especial? Esta é a questão que tem incomodado
os profissionais. Luís de Miranda Correia responde com alguns dados
elucidativos das problemáticas que se inserem no conceito de necessidades
educativas especiais. Cerca de 50% dos alunos com NEE têm dificuldades de
aprendizagem específicas, entre 16 e 18% problemas de comunicação, entre 8 e
10% sofrem de perturbações emocionais e comportamentais, 6 e 8% sofrem de
problemas intelectuais e 2 e 3% de outras problemáticas como o autismo,
impedimentos visuais, auditivos e motores. Quase 90% dos alunos com NEE estão
enquadrados nas quatro primeiras problemáticas. Por isso, "é importante
considerar que estas crianças também têm direito a respostas por parte do
sistema educativo", refere Luís de Miranda Correia. No entanto, as
dificuldades de aprendizagem específicas, que se prendem com problemas
neurológicos ligados à cognição e se reflectem em dificuldades na leitura, no
cálculo e nas interacções sociais, não são elegíveis para os apoios educativos
especiais. "Como não as entendemos, não lhes damos resposta e é uma falha
grave do nosso sistema não incluir estas crianças no atendimento das NEE",
acusa Luís de Miranda Correia. No encerramento do
encontro as conversas versavam o estudo divulgado sobre a utilidade da CIF.
Entre a assistência, um professor perguntava a Luís Miranda Correia, se já
havia alguma reacção do Ministério da Educação à sua investigação. "O
estudo só foi apresentado hoje", respondia o investigador. Ninguém arrisca
antever uma reacção. Mas "no mínimo é preciso fazer-se uma reflexão",
advoga Alice Couceiro. Andreia Lobo (In Educare, 31 de Maio de 2010)
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